Bruno Henrique de Moura *
Na semana passada, o jornal goiano O Popular publicou matéria denunciando tortura a presos em três presídios de Goiás. Vídeos enviados para o jornal mostram agentes do Grupo de Operações Penitenciárias (Gope) usando armas de choque em presos imobilizados ou que não apresentam, aparentemente, resistência.
O Ministério Público goiano abriu investigação para apurar as cenas de tortura. O promotor da 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia, Marcelo Celestino, abriu inquérito civil público para apurar atos de improbidade administrativa dos agentes.
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Como os vídeos foram gravados em três diferentes cidades do estado, São Luís de Montes Belos, na Região Central do Estado; em Jataí, na Região Sudoeste do Estado; e em Formosa, no Entorno do Distrito Federal, as investigações e prováveis inquéritos precisam ser instalados pelos promotores das comarcas locais.
Segundo a Lei 9.455/97, conhecida como Lei da Tortura, quem submete “pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio de prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal”, comete crime de tortura e está sujeito a pena que pode ir de dois a oito anos (parágrafo 1º do artigo 1º). Além disso, o agente público que comete esse crime está sujeito a aumento de um sexto a um terço na pena e perda da função pública que exerce.
Nas imagens apresentadas nos vídeos, vê-se agentes públicos realizando condutas muito semelhantes à descrita no crime de tortura. Mais do que um crime como qualquer outro, a prática de tortura é equiparada a crime hediondo na própria Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), tamanha a sua gravidade.
Até o momento, não se sabe o que farão os promotores que receberem esses inquéritos, mas defendo aqui uma conduta essencial: pedido de prisão preventiva.
Olhando pelo lado jurídico, a permanência em sociedade dos infratores causa claro perigo à ordem pública, a possíveis testemunhas e às provas dos delitos. É importante lembrar que as testemunhas dos crimes são: presos sob a tutela do sistema prisional e dos autores dos crimes. Além disso, o recado que se passa a sociedade com a manutenção em liberdade dos autores é o pior possível.
A missão dos agentes estatais que trabalham com segurança pública é a defesa da lei, da ordem e dos direitos humanos. Percebam: da lei. Como se defende a lei cometendo crimes previstos em lei? A prática de qualquer ato contrário a qualquer lei já é por si uma afronta ao dever que juraram seguir, quanto mais o criminal.
Difunde-se na sociedade duas ideias extremamente perigosos: bandido tem de sofrer a mais vingativa e cruel punição; e quem fere o bandido tem, moralmente, uma exclusão do delito que cometeu. Trabalha-se pela criação dos justiceiros de plantão na rua de casa, nos ônibus da vida e dentro das cadeias.
“Ah, mas quem ele matou era bandido, merecia.”
A reflexão do porquê se pune como se pune perde a conexão com a sociedade. Se nosso sistema prevê, como pena mais rigorosa para as condutas mais reprováveis, a privação de liberdade, é pela razão de termos como bem precioso mais suscetível a própria liberdade.
Os constituintes não acordaram na manhã de 5 de outubro de 1988 e, do nada, decidiram colocar como pena máxima de nosso sistema civil a reclusão por até 30 anos. Isso resulta de um processo social, filosófico e político de compreender que, para o sistema ter o mínimo de racionalidade, punir não apenas por punir, mas para ressocializar, não cabe pena de morte e prisão perpétua, ou punições físicas, aos infratores.
Se 300 anos de sistema liberal antitortura, antipunições físicas e focando na perda da liberdade como principal resposta estatal aos criminosos funciona melhor que o revanchismo sádico da idade média, não há motivo de se defender a volta para essas práticas, literalmente, medievais.
Se o sistema possui coerência com as doutrinas e filosofias que lhe baseiam, que os promotores tenham a sábia e necessária decisão de pedir a prisão preventiva. Ao menos isso Beccaria, o principal nome do Iluminismo Penal, merece.
* Jornalista e estudante de Direito na Universidade de Brasília (UnB), com foco em Direito Penal e Penal Militar.
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