George Hilton*
Ainda no rescaldo das eleições, em que surgiram noticiosas informações dando conta de que o País estaria dividido, as instituições brasileiras dão o exemplo contrário e se preparam para sediar a Conferência Cartagena+30, em Brasília. O evento tratará dos refugiados do mundo, cuja dimensão da gravidade social não desperta as pessoas, porque, em geral, só com o fisicamente próximo nos sensibilizamos.
A escolha do Brasil como sede do evento não foi uma estratégia de propaganda, foi devido ao nosso povo ter um sentimento humanitário que extrapola as fronteiras, e de ter um papel pioneiro e de liderança na proteção internacional aos refugiados de países sem paz. É o reconhecimento internacional de que somos um país acolhedor e desprovido de preconceito por questões de religião, etnia e de sexo. O Brasil foi o primeiro do Cone Sul a ratificar a convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados.
O principal tópico da Convenção sobre os Refugiados, que começou ontem e termina hoje (3), é sobre o infortúnio dos apátridas. Dos refugiados, os apátridas são aqueles que vivem uma situação mais dramática. Eles não têm uma nacionalidade reconhecida; não possuem os mínimos direitos, como um documento de identificação. São como zumbis; vivem como uma “não pessoa”,andando pelas ruas, cujo calçamento não lhes percebe a pisada.
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Ainda hoje, existem 27 países que negam às mulheres transferir aos filhos a própria nacionalidade. Ao nascerem sem a proteção paterna, não pertencem legalmente às mães e a nenhuma terra. Não têm sequer direito a um nome. Como não podem ter certidão de nascimento, os governos não se preocupam com um mínimo de proteção à vida deles. Vivem fugindo da violência, atravessando fronteiras e sobrevivem ao Deus dará.
Este é um problema humanitário dos mais sérios. Hoje, mais de 50 milhões de pessoas são consideradas refugiadas. É um número maior de pessoas fugindo do que aquelas que sofreram com a 2ª Guerra Mundial. Os refugiados de hoje deixaram os lares, a comunidade dos ancestrais; fogem da instabilidade política para tentarem encontrar alguma segurança e amparo.
PublicidadeO povo brasileiro tem o histórico de acolher. Além de ser o primeiro a reconhecer o estatuto de refugiado e lhes conceder direitos especiais. Têm direito e deveres específicos, que proíbe ao Brasil o rechaço, a deportação e a expulsão. Essas pessoas quando chegam aqui podem ter documentos, trabalhar, estudar como qualquer brasileiro, tanto que a Agência da ONU para Refugiados considera a nossa legislação uma das melhores do mundo.
É um orgulho esse conceito internacional, porque temos afeto para acolher. Como se nota do testemunho de um pai de família, que desde os dois anos de idade foge de conflitos na África. Antes de ele chegar ao Brasil, com a mulher e filhos, passou por quatro países sem documentos, escapando de genocídios étnicos e religiosos. -“Estou cansado de ser um ninguém. Se o Brasil me der a nacionalidade, sentirei que sou um ser humano.”
A guerra na Síria vem provocando um deslocamento humano assustador. Mais de 3 milhões de sírios deixaram a própria terra. Muitos deles vieram para o Brasil. De quase 8 mil refugiados que aqui chegaram, a maioria é de sírios. Mais de 1,5 mil sírios fugiram para cá. Vieram por raízes familiares e por saber que o Brasil é uma terra de oportunidades, com um povo gentil com os estrangeiros. Um deles está no Rio de Janeiro e afirma que se depender dele nunca mais sairá daqui.
Esta Conferência em Brasília sobre a infelicidade desses milhões de refugiados me fez lembrar sobre o que ouvimos depois das eleições. Falaram até em separar, mas nunca imaginaram como é sentir a insegurança despersonalizada dos refugiados.
A democracia, já disse um grande pensador, tem uma grande vantagem sobre todos outros. Com ela, nós não precisamos fazer outra constituição a todo o momento; não precisamos impor valores de uma religião, porque cada um escolhe a sua; e, principalmente, não precisamos fazer guerra para nos libertarmos de um governo. Ele sai com o voto, quando não desempenha bem.
A democracia é garantia de segurança institucional, porque o governo não pode tudo. Ele está obrigado a seguir ritos e os ritos são dados pela própria democracia.
* George Hilton é deputado por Minas Gerais e líder do PRB na Câmara
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