A dimensão do feminino não é exclusiva das mulheres, pois tanto homens quanto mulheres são portadores, cada um na sua modalidade própria, do masculino e do feminino. Tomás de Aquino na Suma Teológica já na sua primeira questão ao abordar o objeto da teologia, deixava claro que ela pode abordar qualquer tema, desde que o faça à luz de Deus. Caso contrário perderia sua pertinência. Portanto, nesta perspectiva, cabe perguntar acerca do sacerdócio das mulheres, realidade que lhe foi negada na Igreja romano-católica. E considerar as boas razões teológicas que garantem sua conveniência.
O assim chamado “depósito da fé”, vale dizer, a positividade cristã não é uma cisterna de águas mortas. Ela se reaviva confrontando-se com as mudanças irrefreáveis da história como é o caso suscitado pelo Sínodo da Amazônia.
Assim, no mundo todo verifica-se cada vez mais a reafirmação da paridade da mulher, em dignidade e direitos, com o homem. Compreensivelmente não é fácil desmontar séculos de heteropatriarcalismo que implica diminuir e marginalizar a mulher. Mas lenta e consequentemente as discriminações vão sendo superadas e, em certos casos, até punidas. Na prática, todos os espaços públicos e as mais diversas funções estão abertas às mulheres. Vale isto também para o sacerdócio para as mulheres dentro da igreja romano-católica? Nas igrejas evangélicas, na anglicana e também no rabinato, as mulheres foram admitidas na função antes reservada só aos homens.
Leia também
A igreja romano-católica, nos estratos da mais alta oficialidade, até recente data, se recusava sequer a colocar a questão, especialmente sob o Papa João Paulo II. Ela ficou refém da secular cultura heteropatriarcal. Mas não pode se transformar num bastião de conservadorismo e antifeminismo num mundo que avança rumo à riqueza da relacionalidade homem e mulher. O Papa Francisco tem o mérito de colocar as questões pertinentes do mundo de hoje, como a questão da moral matrimonial e o tratamento para com os homoafetivos, o sacerdócio para homens casados e outras minorias.
Como afirmava uma feminista ainda no século passado A.van Eyde: “O bem do homem e da mulher são interdependentes. Ambos ficarão lesados se, numa comunidade, um deles não puder contribuir com toda a medida de suas possibilidades. A Igreja mesma ficaria ferida em seu corpo orgânico se não desse lugar à mulher dentro de suas instituições eclesiais”(Die Frau im Kirchenamt, 1967, p. 360).
A minuciosa pesquisa de teólogos e teólogas, do mais alto gabarito, como Karl Rahner entre outros, tem demonstrado que não há nenhuma barreira doutrinária e dogmática que impeça o acesso do sacerdócio às mulheres.
PublicidadeEm primeiro lugar, importa recordar que há um só sacerdócio na Igreja, aquele de Cristo. Os que vêm sob o nome de “sacerdote”, são apenas figurações e representantes do único sacerdócio de Cristo. Sua função não pode ser reduzida, como sustenta a argumentação oficial, ao poder de consagrar. Toda a vida de Cristo é sacerdotal, vale dizer, apresentou-se como um ser-para-outros, defendeu os mais vulneráveis, também mulheres, pregou fraternidade, reconciliação, amor incondicional e perdão. Não é só na última Ceia que se se mostra sacerdote, mas em toda a sua vida, vale dizer, um criador de pontes e de reconciliação.
A função do sacerdote ministerial não é acumular todos os serviços, mas coordená-los para que todos sirvam à comunidade. Pelo fato de presidir a comunidade, preside também a eucaristia. Esse serviço (que São Paulo chama de “carisma”, que são muitos) pode muito bem ser exercido pelas mulheres como se mostra nas igrejas não romano-católicas e nas comunidades eclesiais de base.
E haveria razões das mais convenientes que fundamentam tal ministério por parte das mulheres.
Em primeiro lugar, a primeira Pessoa divina a vir ao mundo foi o Espírito Santo que assumiu Maria para gerar em seu seio a segunda Pessoa, o Filho encarnado, Jesus Cristo. O Filho só veio depois do “fiat”(o sim) de Maria.
Seguiam Jesus não apenas apóstolos e discípulos, mas também muitas mulheres que lhe garantiam a infraestrutura. Elas nunca traíram Jesus, o que não se pode dizer dos apóstolos, especialmente do mais importante deles, Pedro. Após a prisão e a crucificação todos fugiram. Elas ficaram ao pé da cruz.
Foram elas que, por primeiro, numa atitude genuinamente feminina, foram ao sepulcro para ungir o corpo do Crucificado. O maior evento da fé cristã, a ressurreição de Jesus, foi testemunhado primeiramente, por uma mulher, Maria Madalena, a ponto de São Bernardo dizer que ela foi “apóstolo”para os Apóstolos.
Se uma mulher, Maria, pôde dar à luz a Jesus, seu filho, como não pode representá-lo sacramentalmente na comunidade? Aqui há uma contradição flagrante, só compreensível no quadro de uma Igreja heteropatriarcal, masculinista e composta de celibatários, responsáveis pela direção e pela animação da fé.
Logicamente, o sacerdócio feminino não pode ser a reprodução daquele masculino. Seria uma aberração se assim fosse. Deve ser um sacerdócio singular, com o modo de ser da mulher com tudo o que denota sua feminilidade no plano ontológico, psicológico, sociológico e biológico. Não será a substituta do padre. Mas conformará o sacerdócio a seu modo próprio.
Tempos virão em que a igreja romano-católica acertará seu passo com o movimento feminista mundial e com o próprio mundo, rumo a uma integração do “animus” e da “anima” para o enriquecimento humano e da própria Igreja.
Somos, pois, a favor do sacerdócio conferido às mulheres dentro da igreja romano-católica, escolhidas e preparadas a partir das comunidades de fé. Cabe a elas dar-lhe uma configuração específica, diversa daquela dos homens.
Deixe um comentário