A dor é sempre objetiva para quem sente. Mas quem a sente, ao descrevê-la, não consegue em palavras passar realmente como é a dor e qual a sua intensidade.
Lembro-me de uma ocasião em que atendi no consultório uma criança, um menino, de cerca de dez anos de idade. Pelo aspecto físico e comportamento psicológico, ele estava realmente sofrendo. Atendi-o acompanhado do pai e da mãe. O relato era de “dor de barriga”.
Pedi a ele que me descrevesse o que sentia, como era aquela dor. Ele pegou meu braço entre os seus dedos, polegar e indicador, e apertou. Apertava com intensidade variada, e soltava. Entendi, era uma dor que pulsava e variava de intensidade.
Tempos atrás, fui fazer a palestra de abertura em uma Conferência Municipal de Mulheres em Apucarana (PR). Primeiro, achei que não era o mais preparado e adequado palestrante para o evento. Segundo, o que falar para mulheres que individualmente e/ou coletivamente, ao longo da História, sempre foram vítimas de violência machista? Sempre carregaram muita dor.
Todo homem é machista – uns mais, outros menos – e alguns se consideram em “desconstrução”. Coloco a palavra desconstrução entre aspas porque não sei se é a palavra adequada para usar quando um homem tem consciência de que todos somos machistas e tem a consciência da necessidade de superá-lo.
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Fui para a conferência a convite de companheiras que lutam contra o machismo. Convidaram-me por entender que a superação do machismo passa por mudar a cultura da sociedade e, para isso, precisam ter aliados. E me consideram um aliado.
PublicidadeComo qualquer pessoa – e, no meu caso, por ser homem e não ter experiência em falar em conferências para mulheres – “quebrei” a cabeça para organizar o que abordar.
Na vida, está sempre presente a dor física ou psicológica. E em ambos os casos, a intensidade depende da susceptibilidade individual. Só que nesse cotidiano há algumas dores que são próprias de gênero (deixo fora a dor do parto), como a dor de ser vítima do machismo. Não só a dor da agressão física, mas a dor da humilhação diária. Essa dor, como todas as dores, só pode falar dela quem a sente. Portanto, sobre a dor da humilhação pelo machismo, só a mulher pode falar.
Resolvi começar minha palestra pelo conceito de dor. Preferi buscar o conceito de dor num dicionário, o do Houaiss, e não num compêndio de medicina.
No dicionário, a primeira coisa que me chamou a atenção é que a palavra dor é um substantivo feminino. Nunca antes tinha observado isso. Entenderam? Dor é um substantivo feminino.
Houaiss trabalha vários conceitos de dor, dos quais só vou retirar dois. Dor é: (1) “Mágoa originada por desgostos do espírito ou do coração; sentimento causado por decepção, desgraça, sofrimento, etc”; e (2) “Os sete padecimentos da Virgem Maria, lembrados pela Igreja espanhola na sexta-feira da Semana da Paixão”.
O primeiro conceito acima pode acometer os homens e as mulheres, mas creio que a decepção está mais presente na mulher, pois nenhuma gostaria de ter como companheiro um machista e, muitas vezes, um agressor físico e/ou psicológico. Essa decepção é causadora de imensa e profunda dor.
O segundo conceito (“Os sete padecimentos da Virgem Maria”) diz respeito à dor de ser mãe – algo que o homem não sente, portanto diz respeito a ser mulher. São referentes à relação entre mãe e filho. Como consta no dicionário: uma das dores explica, em parte, a influência da nossa (cultura) civilização cristã.
Se dor é substantivo feminino, machismo é substantivo masculino. Entre vários conceitos, Houaiss define machismo como “comportamento que tende a negar à mulher a extensão de prerrogativas ou direitos do homem”.
Entendi a “bela, recatada e do lar” da revista Veja como uma agressão, portanto uma das causas de dor.
“Bela” é um conceito relativo, assim como “recatada” também o é. Porém, ser “do lar” já não é tão relativo. Todo homem sabe o que é “ser do lar”. Foram muitos os anos em que, quando perguntado à mulher “qual a profissão?”, a resposta vinha sempre: “Do lar”.
Sabemos perfeitamente a quem a revista quis atingir, além de Dilma. Quis atingir todas as mulheres que não se submetem à vontade do homem. Toda mulher que, sob o conceito deles, não é bela, não é recatada e nega o (lar) lugar ao qual foi exclusivamente destinada.
O cântico da Veja é uma ode à submissão, aos dissabores e às dores causadas pelo machismo. É a bela limpando a cueca do macho, lustrando seus sapatos e disposta aos seus prazeres. É o cântico ao machismo e à imposição da eterna dor da opressão e da humilhação. É a bela se resignando diante de todas as dores.
Felizmente, sabendo o significado desse cântico, mulheres brasileiras o negaram e o escracharam.
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