Encerradas as eleições, nem todos os apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) souberam lidar pacificamente com o resultado. Na mesma noite em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proclamou a vitória de Lula (PL), manifestantes bolsonaristas partiram para as principais rodovias do país e para frente dos quartéis das Forças Armadas em seus estados, exigindo ou a anulação do resultado ou um golpe militar contra o presidente eleito. Especialistas consultados pelo Congresso em Foco, porém, alertam que essa conduta pode resultar em até 12 anos de prisão.
Tanto o advogado constitucionalista Joaquim Pedro Rodrigues quanto o criminalista Christian Thomas Oncken concordam que ao menos dois crimes podem ser identificados nos atos: tentativa abolição violenta do Estado democrático de Direito, com pena de quatro a oito anos de prisão; e/ou tentativa de deposição violenta ou por grave ameaça o governo legitimamente constituído.
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Apesar do atual governo ainda ser o de Jair Bolsonaro, Joaquim Rodrigues aponta para o intuito das manifestações ao considerar a tipificação. “Temos que lembrar que essas manifestações estão com um teor golpista no sentido de não deixar que um governo legitimamente eleito tome posse”, apontou. Christian Thomas pensa da mesma forma, e chama atenção para o fato de já existir um caminho para recursos contra o resultado de eleições em que uma das partes considere que houve fraude, que é o próprio TSE.
Bloqueios rodoviários
Desde a onda de protestos de 2013, a defesa de um golpe militar virou uma constante entre manifestantes de extrema direita em protestos pelo país. Atos em frente a quartéis também já aconteceram, apesar de nunca terem alcançado volume significativo desde a redemocratização. A novidade de 2022 são os bloqueios rodoviários em massa, muitas vezes envolvendo incêndios nas pistas.
Esse tipo de ato foi classificado como criminoso pelo próprio presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Na avaliação de Christian Thomas, não se trata de um crime apenas contra a segurança nacional, mas de terrorismo. Ele fundamenta com base no inciso IV do Art. 2º da Lei Antiterrorismo que define a prática como “sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça à pessoa ou servindo-se (…), do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias”.
“Além da própria apropriação da rodovia, temos diversas situações em que esses protestos puseram a vida das pessoas em risco. Impediram a passagem de ambulâncias, impediram o transporte de medicamentos, equipamentos cirúrgicos e outros equipamentos muitas vezes necessários para a sobrevivência de pessoas mais vulneráveis. Nesse caso, é bem possível se tratar de terrorismo”, afirmou o criminalista.
O constitucionalista já discorda desse ponto, tendo como base o caput (trecho inicial) do mesmo artigo. “O terrorismo precisa estar ligado a questões ligadas à xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião. Mas, no final das contas, o que está havendo é uma discordância política muito mais ligada à questão de segurança nacional”, explicou.
Contraponto
Aliado de Bolsonaro e contrário aos bloqueios rodoviários, o deputado General Peternelli (União-SP) discorda dos advogados que as manifestações nos quartéis venham a caracterizar algum crime. “Do que eu pude observar nessas manifestações, de volume relativamente expressivo, é que eles solicitam o Art. 142 da Constituição. Vejo que a manifestação é livre, e se a solicitação de um artigo da Constituição é democrático ou não, depende da interpretação de cada um”, declarou.
O Art. 142 é o trecho da Constituição que estabelece as funções e as normas básicas de funcionamento das forças armadas. Ele inclui a função de “garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Apesar de se tratar de um mecanismo de proteção dos poderes democráticos, esse termo é constantemente utilizado entre militantes de extrema direita para tentar legitimar um eventual golpe militar.
Peternelli considera que, independentemente de como o artigo for interpretado, cobranças de golpe por parte das Forças Armadas não são realistas. “Desde o início do atual governo, sempre falei que as Forças Armadas teriam sempre uma atuação institucional. Foi exatamente o que eles executaram. Vejo que, da parte das Forças Armadas, não devemos ter problema nenhum”, avaliou.
A Polícia Rodoviária Federal, Ministério da Defesa, Centro de Comunicação Social do Exército e a Procuradoria-Geral da República foram contactados pelo Congresso em Foco para prestar as respectivas posições sobre as manifestações em quartéis e rodovias. Não houve resposta até o momento. Já o ministro da Segurança Pública, Anderson Torres, replicou o vídeo de Jair Bolsonaro solicitando a desobstrução das rodovias, mas defendendo a legitimidade dos atos. Ele também informou que até a manhã desta quinta-feira (3), foram desbloqueados 834 pontos, e a PRF mantém 4,5 mil policiais atuando nos desbloqueios rodoviários.
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