Com o título de Dirceu é pressionado por Rui Falcão a sair do PT, mas diz que ninguém o tira, a colunista social Mônica Bergamo publicou a seguinte nota na Folha de S.Paulo desta quarta-feira (11):
“A situação de José Dirceu no PT chegou a um impasse. O presidente do partido, Rui Falcão, diz abertamente a vários interlocutores que o ex-ministro deveria se desfiliar da legenda. Fundador da agremiação, Dirceu recebe os recados. E responde: do PT ele não sai, do PT ninguém o tira.
Uso pessoal
Falcão, que chegou a ser explícito em uma entrevista à Folha ao afirmar que se ‘ocorrer’ uma condenação Dirceu deve se desfiliar do partido, tem dito que o fato de as acusações estarem ligadas a desvio de dinheiro para uso pessoal torna a situação do ex-ministro insustentável”.
Detesto ver um ser humano com passado ilustre em desgraça, abandonado pelos seus. Mantive-me reticente com relação ao Zé Dirceu durante o processo do mensalão porque a rede chapa branca insistia em proclamar sua inocência e inocente eu sabia que ele não era. Então, preferi calar.
Mas, quando se evidenciou que ele estava sendo degradado pelo PT, manifestei minha estranheza num artigo que continuo considerando totalmente válido, este aqui.
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E agora ocorreu-me ter deixado de abordar um aspecto importante da questão, então o farei em seguida.
Se o Zé ora é tratado como a Geni da canção célebre do Chico Buarque, isso se deve à constatação de que desviou dinheiro para seu bolso – além dos cofres do partido, como outros fizeram. Aqueles continuam recebendo solidariedade e desagravos, enquanto a ele querem ver o mais longe possível.
Ora, isso não passa de uma deturpação da postura adotada amplamente pelas organizações de esquerda no século passado: considerávamos aceitável tomar dinheiro dos grandes capitalistas para promover a revolução; o que não podíamos era lesar os assalariados, os pequenos e médios empreendedores, nem o Estado, pois seria apropriarmo-nos dos impostos pagos pelo povo.
O PT parece estar mantendo uma parte desse pacote e descartando outras. Apossou-se de recursos que deveriam estar sendo aplicados pelo Estado em benefício da população e o fez não para aplicar na revolução, mas sim para permanecer mais tempo no poder, com seus governos que podem, quando muito, ser qualificados de reformistas (aqueles que apenas introduzem pequenas melhoras no capitalismo, desistindo de extirpar a exploração do homem pelo homem).
Há muito tempo deixou de lado as bandeiras anticapitalistas e, neste ano da desgraça de 2015, chegou ao cúmulo de aderir ao neoliberalismo como tábua de salvação, após ter gerado uma gravíssima crise econômica para a qual parece não encontrar uma saída pela esquerda.
Se na hora do aperto vale socorrer-se com o receituário do Milton Friedman, por que o PT passou tanto tempo execrando suas teses? E no que Dilma Rousseff se diferencia, afinal, de Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Augusto Pinochet, três que poderiam igualmente alegar terem recorrido ao neoliberalismo por falta de solução melhor?
Finalmente: o que nós, revolucionários, tradicionalmente aceitávamos como justificável era a expropriação da grana da burguesia para utilizá-la na revolução. Algo bem diferente de esquerdistas beneficiarem-se de uma associação ilícita (vantajosa para os dois lados) com máfias empresariais sem estarem encaminhando revolução alguma.
E, se o butim não ia diretamente para os seus bolsos, servia para sustentar o projeto de poder do PT, do qual também auferiam vantagens pessoais. A diferença me parece ser apenas entre a sutileza e a falta de.
Ao fazer do Zé um bode expiatório, o PT acrescenta a hipocrisia aos seus pecados.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.
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