A pouco mais de quatro meses do fim de seu mandato, Michel Temer (MDB) é figura evitada em palanques e está cada vez mais distante dos holofotes, seja qual for a pauta. Ao contrário do histórico nacional, em que o presidente da República da vez costuma se valer da máquina de governo para tentar eleger seu sucessor, o emedebista vê aliados em aberto esforço para se descolar de sua imagem, a começar pelo próprio candidato oficial do governo.
“Sou o candidato da minha história”, tem repetido o ex-ministro da Fazenda de Temer (e do ex-presidente Lula) até abril, Henrique Meirelles, que também evita avaliar a gestão do correligionário.
Meirelles divide com o tucano Geraldo Alckmin, que apoiou a gestão Temer e sua política reformista, a pecha de “candidato do governo”. Mas, a exemplo do ex-ministro, tenta esquecer de qualquer jeito a associação de seu nome ao do presidente. Recentemente, quando Temer disse que Alckmin parece ser o candidato do governo “porque tem o apoio de todos”, o incômodo ficou claro. Questionado sobre o assunto pela imprensa, o tucano disparou:
“Eles querem prejudicar a nossa campanha.”
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Alckmin chegou a cogitar a exoneração, em outubro do ano passado, de seus secretários de estado com mandato na Câmara, com o objetivo de barrar a segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer, esta por organização criminosa e obstrução de Justiça. Hoje, com duas investigações contra si congeladas no Supremo Tribunal Federal (STF) até 1º de janeiro de 2019, o próprio presidente reconhece seu caráter tóxico para as pretensões eleitorais de aliados, dizendo ter o cuidado de não fazer campanha “para um ou para outro”.
“Até porque falam muito da impopularidade. Não quero nem incomodar, digamos”, ponderou o presidente, em entrevista publicada pela Folha de S.Paulo em 16 de agosto.
PublicidadeIlusão de candidato
O governo Temer tem míseros 2,7% de aprovação popular, segundo a mais recente pesquisa CNT/MDA, divulgada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) na última segunda-feira (20). Mas já chegou até a almejar a própria sucessão – como o Congresso em Foco mostrou com exclusividade em outubro do ano passado, seu marqueteiro, Elsinho Mouco, tinha o ambicioso plano de aumentar sua popularidade dos então 3% de aprovação para 50%, em seis meses. Com a intervenção federal no Rio de Janeiro, medida de forte apoio popular, Elsinho parecia reportar o entusiasmo do chefe.
“Ele já é candidato. A vela está sendo esticada. Agora começou a bater um ventinho”, comentava o marqueteiro, como este site também mostrou em fevereiro deste ano, a partir de informações publicadas pelo colunista Bernardo Mello Franco no jornal O Globo.
Mas o período eleitoral chegou a despejou um oceano de água fria em Temer. Enquanto a corrida presidencial segue a todo vapor, o presidente fica a reboque da própria pauta nacional, sem qualquer protagonismo. Ontem (sábado, 25), em uma participação reativa à crise de imigração de venezuelanos em Roraima, o emedebista figurou no noticiário defendendo a manutenção das fronteiras abertas aos estrangeiros.
“As nossas fronteiras estão abertas. É claro que disciplinadamente, porque fomos capazes, lá em Pacaraima, de organizar um sistema de ingresso que desde logo importa, por exemplo, na vacinação mais ampla em relação a todos os eventuais males físicos que a eventual entrada de venezuelanos possa acarretar para o nosso país. É uma proteção a eles próprios e para todo país”, disse Temer, durante lançamento de uma ação humanitária de médicos voluntários em Roraima, com quase nenhuma repercussão na imprensa.
Bernardo Mello Franco voltou à carga na edição deste domingo do jornal O Globo. “Aos 77 anos, Michel Temer vaga pelo palácio como uma alma penada. Rejeitado pelos eleitores, abandonado pelos aliados, ele finge que ainda governa enquanto o sucessor não chega. […] Governantes em fim de mandato costumam reclamar da maldição do café frio. Temer parece conformado com o ostracismo. Neste mês, ele reduziu as aparições públicas e cancelou duas viagens internacionais. Passou a maior parte do tempo no gabinete, cercado por outros políticos enrolados com a Justiça”, escreveu o jornalista, no artigo intitulado “Ex-presidente em atividade”.
Amigos, pero no mucho
Até aliados mais fiéis têm se distanciado de Temer em tempos eleitorais. Nomes como os deputados Darcísio Perondi (MDB-RS) e Beto Mansur (MDB-SP), que desempenham funções de liderança na Câmara, têm evitado até aparecer em imagens ao lado do presidente, temendo ser contaminados pela impopularidade do correligionário. Segundo reportagem veiculada pela Folha neste fim de semana, recentemente Perondi participou de evento no Palácio do Planalto sobre liberação de linha de empréstimos para Santos Casa e, ao contrário do que costumava fazer, não desceu a rampa palaciana com o colega de partido.
“Nos Estados Unidos, uma expressão sintetiza o melancólico fim dos mandatos presidenciais: “lame duck” (pato manco). Por aqui, o declínio do poder do ocupante do Planalto é medido por um indexador imaginário chamado ‘temperatura do cafezinho’. Quanto mais frio, mais perto está o governo do fim. A frase resume a impotência do mandatário diante da inércia de seus assessores, da ausência de homenagens, dos paparicos habituais, da agenda esvaziada, dos projetos que não saem do papel”, diz introdução da reportagem assinada por Talita Fernandes.
“Na tentativa de reverter essa imagem de paralisia e fim de governo antes do tempo, a equipe presidencial tem tentado levar mais eventos para o Palácio. Um exemplo é a cerimônia realizada em 16 de agosto. Em vez de ir pessoalmente ao congresso das Santas Casas, em Brasília, Temer decidiu realizar na sede do governo um evento no qual anunciou uma linha de financiamento com recursos do FGTS para as instituições”, acrescenta a reportagem.
Dois anos, zero tranquilidade
Em pouco mais de dois anos de gestão, o professor de Direito Constitucional acumulou denúncias de corrupção, patrocinou medidas impopulares e protagonizou cenas de crise institucional que quase o derrubaram da cadeira principal do Planalto. Cheio de cicatrizes e alvo da Operação Lava Jato, Temer conseguiu barrar as denúncias da PGR sob acusação de comprar o voto de deputados por meio de emendas parlamentares e distribuição de cargos, projetos, medidas e demais benesses. Também acusado de corrupção passiva, o presidente ainda enfrenta outros dois inquéritos por suspeita de participação em malfeitos.
Em um deles, Temer é acusado de receber propina para favorecer a empresa Rodrimar S/A, concessionário do Porto de Santos, ao editar o Decreto dos Portos (Decreto 9.048/2017) em maio do ano passado. No inquérito, o presidente volta a ser apontado como suspeito de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Embora a Rodrimar atue no Porto de Santos, base de diversas operações do setor petrolífero, o caso não guarda relação com a Lava Jato.
O Ministério Público Federal (MPF) diz que o decreto de Temer – atrelado à edição de uma medida provisória editada em 2013, quando Temer era vice-presidente – serviu como contrapartida ao recebimento de propina paga pela Rodrimar. A negociata da chamada “MP dos Portos”, segundo as investigações, foi intermediada pelo ex-assessor especial da Presidência da República Rodrigo Rocha Loures (PMDB), suplente de deputado pelo Paraná que passou a ser chamado de “deputado da mala”.
Em 29 de abril, Loures foi filmado pela PF fugindo por uma rua de São Paulo com uma mala com R$ 500 mil em espécie e virou réu devido ao episódio, a exemplo do presidente. Blindado pela base aliada em duas votações de plenário, Temer, a quem foi atribuído o dinheiro, foi beneficiado pela legislação vigente e só pode ser investigado por ato cometido no exercício do mandato, e mesmo assim com autorização da Câmara. Com a negativa dos deputados, a continuidade do processo contra o presidente só terá curso quando ele deixar o mandato.
Quadrilhão e Joesley
O outro inquérito ativo contra Temer é referente ao que o MPF definiu como “quadrilhão do PMDB”. A investigação apura pagamento de propinas da Odebrecht, uma das empreiteiras-pivô da Lava Jato, aos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Enegia) – a propina, segundo as investigações, seriam contrapartida pelo tratamento especial dispensado à empresa na Secretaria de Aviação Civil, que foi comandada pelos dois ministros entre 2013 e 2015. Em 2 de março, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o ministro Edson Fachin, relator do petrolão no Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu o presidente entre os beneficiários do esquema de corrupção.
Para a Polícia Federal, Temer tinha poder decisório no “quadrilhão” e recebeu mais de R$ 30 milhões em propina. No pedido de inclusão de Temer nesse inquérito, Raquel Dodge citou a delação de Claudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht, que afirmou ao Ministério Público que um jantar foi oferecido no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República, para negociar o repasse e a divisão de R$ 10 milhões pagos pela empreiteira como ajuda de campanha ao MDB, partido de Temer.
Mas foi em maio do ano passado que Temer se viu a um passo do desfiladeiro. Em 18 daquele mês, Fachin divulgou uma das gravações realizadas pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, e apresentadas à PGR como parte da sua devastadora delação premiada – que, aliás, violou a lei pertinente e o levou à cadeia.
Recebida como uma bomba que alterou irreversivelmente a cena política do país, a ponto de até aliados jogarem a toalha sobre a situação do governo, o diálogo mostra Temer assentindo o pagamento de uma espécie de propina para comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso e condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por envolvimento no petrolão. O presidente até hoje nega qualquer irregularidade e diz que falou sobre repasses a Cunha por “solidariedade”.
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