Heitor Scalambrini Costa*
Parodiando recente artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo intitulado “Quem não quer a Eletrobras privatizada”, escrito pelo jornalista Celso Ming, resolvi escrever algumas linhas sobre o que considero um crime lesa-pátria, a venda da Eletrobras.
Ao longo do referido texto, o jornalista, conhecido defensor do mercado, assevera sua crença no mercado como guardião da ética e da eficiência, ao defender a privatização da maior empresa do setor elétrico da America Latina, que atua em todas as três faixas da cadeia produtiva do setor: geração, transmissão e distribuição.
Convenientemente esquece, só para dar um exemplo, da irresponsabilidade corporativa, da conduta anti-ética, e da incompetência técnica das empresas envolvidas no flagelo causado pelo maior desastre do gênero da história mundial nos últimos 100 anos, o desastre evitável em Mariana (MG). É uma falácia dizer que o setor privado é mais responsável, eficiente e ético. A ética do mercado é muito particular: o lucro vem em primeiro, e acima de tudo.
Na história recente, o “modus operandi” usado para justificar a privatização de setores estratégico para a soberania de um país é o mesmo. Procura-se descredibilizar a empresa estatal junto a população, e isto é, algumas vezes, conseguido de várias maneiras. Provocar uma diminuição na qualidade dos serviços prestados faz parte desta estratégia, assim como desmoralizar com acusações levianas seus funcionários.
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Assim, esperam os detratores, virá o apoio e a aceitação popular para a privatização. Situação que tem demonstrado na prática que nem os serviços melhoram, nem as tarifas abaixam, e que geralmente trazem a reboque a demissão em larga escala de funcionários, que no caso do setor elétrico são altamente qualificados, e patrimônio da nação.
PublicidadeO que tem acontecido é que as empresas estatais, lamentavelmente, são tratadas como pertencentes aos governos, e não como empresas do Estado. E assim, interesses econômicos e políticos partidários acabam prevalecendo, dependendo do governo de plantão. O caso da Eletrobras é um caso emblemático de como interesses econômicos se sobrepõem a questões da própria soberania nacional.
Vender a Eletrobras pelo (des)governo ilegítimo para arrecadar míseros 12,2 bilhões (ou 20 bilhões) de reais, e assim amortizar o déficit fiscal de 180 bilhões de reais, previsto até o final de 2018, é uma piada de péssimo gosto. O nobre missivista em seu artigo, vai além afirmando de maneira inconsequente, que somente com dinheiro privado será possível fazer os investimentos que a Eletrobras precisa. Será um tipo de neoterrorismo?
Ora, ora!!! O tesouro não está na “pindaíba” como o jornalista quer nos fazer crer. São opções e prioridades de uma política econômica que sacrifica a maioria da população em prol de setores que levam vantagens, e estão muito bem, obrigado. Vide o setor bancário que comanda, através de seus representantes diretos, de dentro do governo, a política econômica e fiscal. Seus lucros estratosféricos, seus juros siderais, que não são mencionados, e nem questionados pelo jornalista.
Também outro dado relevante que demonstra que o país é (des)governado para uma elite, é que o número de milionários brasileiros continuam a crescer, aumentando cada vez mais o fosso da desigualdade social em nosso país. Crise? Somente para os de sempre.
Fazer caixa, como afirma o professor da USP, Paulo Feldman em recente artigo “Sem a previdência, só taxando grandes fortunas”, bastaria somente aumentar a alíquota efetiva para os mais ricos do país, taxando suas grandes fortunas, de 6% para 9%, e a arrecadação do tesouro seria de R$ 186 bilhões a mais por ano. Sem falar de uma discussão necessária, e urgente, de como somos escravos de uma fatura impagável, a da dívida externa, que drena nossos recursos com a complacência de setores entreguistas da sociedade brasileira. Isto é omitido da discussão.<< Leia também: Eletrobras pagou quase R$ 2 milhões para que falassem mal da própria empresa
Outra maledicência do senhor Ming é afirmar que quem defende a não privatização, são os funcionários destas empresas, pelo corporativismo. Privilégios não existem somente nas empresas do setor elétrico, mas em toda estrutura da sociedade brasileira, e devem ser eliminados. Defender interesses faz parte do jogo democrático. Os banqueiros o fazem, os empresários da comunicação, as empresas privadas de energia elétrica, as corporações, etc, etc. Cabe o Estado impor regras, regular, e a sociedade estar vigilante e organizada, para que interesses corporativistas não acabem se impondo, e prejudicando outros setores menos organizados, o conjunto da sociedade, enfim o país.
Salários e benefícios exorbitantes, através de penduricalhos não é prerrogativa dos funcionários do setor elétrico, como nos quer fazer crer, o jornalista em seu artigo. Lamentavelmente tais privilégios existem em várias instituições, inclusive no setor elétrico. Mais recentemente ficou claro para a sociedade brasileira a discussão sobre a farsa do auxílio moradia dos juízes, desembargadores que há mais de 4 décadas recebem este famigerado benefício, permitindo superar o teto de salário. O senhor Ming tomou posição a respeito? Qual foi?
Infelizmente há muito o Estado brasileiro foi privatizado. Hoje, na verdade, quem quer a Eletrobras privatizada são grandes corporações, fundos de pensão estrangeiros, ávidos por aumentar seus ganhos em um setor altamente rentável e estratégico. Além daqueles que naturalmente se beneficiariam da privatização como autoridades governamentais, técnicos, consultores, lobistas, jornalistas/palestrantes, entre outros. Todos comprometidos com os futuros compradores da estatal.
Deixo aqui, como mensagem, toda minha indignação e repulsa aos vendilhões. Que defendem por míseros tostões (em poucos casos por ideologia) a venda do patrimônio público. Que por sua vez só tem contribuído para a miséria e sofrimento de nosso povo. É inadmissível o que constata a respeitável ONG Oxfam, que 82% da riqueza gerada entre 2016 e 2017 ficou com o, 1% dos mais ricos em nosso país. Está concentração de riquezas é intolerável, é ofensiva, e a venda da Eletrobras somente irá agravar esta situação.
Como toda mentira tem pernas curtas, não adianta os golpistas de dentro e de fora do governo inventarem justificativas para a venda desta fundamental, essencial e estratégica estatal brasileira. A população já está convencida de que esta iniciativa vai deixar vidas ainda mais difíceis e onerosas. O político que apoiar a privatização da Eletrobras não será eleito. E o cidadão, de qualquer atividade profissional, que apoiar esta medida, merece toda repugnância daqueles que almejam viver em um país mais justo, solidário, soberano, sem tamanha desigualdade social. NÃO A PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS.
*Heitor Scalambrini Costa é professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco.
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