Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Lincoln Macário e Elizabel Ferriche, na Rádio Câmara:
A televisão brasileira é um ícone. Quase um símbolo da brasilidade, um verdadeiro emblema, não apenas da cultura nacional, mas, também, a nossa credencial para o mundo. Vai além-mar o sucesso da televisão aberta no Brasil, como um modelo único no mundo. Aqui, a TV é gratuita. Aberta. Universal. Chega à casa de quase todos os brasileiros. Basta um pedaço de Bombril, e lá está a televisão, cheia de chapiscos, ao lado do fogão.
Com esse discurso nacionalista, a televisão brasileira ganhou milhões em audiência e tornou-se um negócio milionário para os empresários, em que pese seja uma concessão pública, por força da Constituição, ou seja, o controle é do governo, que delega ou não esta missão ao privado. E que missão é esta? Educar, entreter, informar, promover os valores morais e da família.
Não é bem isso que vemos na programação de almoço manchada de sangue nos canais abertos da TV brasileira, nem nos programas sensacionalistas e de baixo custo, baixo calão e baixo nível cultural que se multiplicam nos auditórios e estúdios televisivos no Brasil.
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O descasamento entre a Constituição e o que se vê na telinha não é a única contradição do discurso da mídia televisiva. A qualquer tentativa de debate deste conteúdo, vem a resposta ruidosa e corporativa do setor: não mexam na liberdade de expressão. Afinal, a TV brasileira é aberta e gratuita. O que poucos sabem, e os radiodifusores não falam, é que a sociedade brasileira paga sim, e caro, para assistir a televisão, entre aspas, “de graça”, no Brasil. E você sabe?
PublicidadePode chutar à vontade! Os números são, mesmo assim, imprecisos, embora todos eles sempre grandiosos. Segundo estimativas da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), o governo federal gastou mais de R$ 2,3 bilhões em publicidade e propaganda governamentais no ano de 2013. Isso é dinheiro meu, seu, e de todo contribuinte brasileiro. Essa estimativa inclui não apenas gastos dos ministérios, mas, também, os anúncios da combalida Petrobras e do lucrativo Banco do Brasil.
Como todo brasileiro já sabe, o problema da propaganda governamental não é apenas o gasto vultoso, mas a finalidade. Campanhas de vacinação? Orientações sobre a infância e aleitamento materno? Utilidade pública para tirar documentos ou exercer direitos? Promoção da política e prestação de contas ao cidadão? Nada disso faz parte da publicidade governamental. Tanto que o número de projetos de lei em tramitação nesta Casa para regular e, em especial, limitar a fúria propagandista dos diversos governos é enorme.
Os projetos atacam três vertentes principais. A primeira é proibir qualquer tipo de informação ou conteúdo que promova partidos ou governantes. Também é vedado fazer propaganda na base do “eu fiz isso”, “eu fiz aquilo”. A estratégia do “faz, mas mostra”, não é bem vindo para aqueles que querem, digamos assim, moralizar a publicidade no Brasil. Isso porque a própria Constituição diz, no seu artigo 37: a publicidade governamental deve ser educativa. Outros projetos tentam limitar o valor dos orçamentos destinados à publicidade, com base tanto em orçamentos, quanto nos investimentos. Ou seja, um deles atrela os gastos com publicidade a um percentual ínfimo, de apenas 0,1% dos investimentos feitos pelo governo federal naquele ano. Se investimento foi zero, não há nada para se divulgar.
E qual é a outra vertente dos projetos?
Bem, o terceiro viés é o da transparência. Quem pagou? Com que dinheiro? Pagou quanto e para quem? Quanto foi para TV, quanto para cada emissora, com que critério, quanto se destinou para publicidade no Ministério da Educação e quanto foi para a reforma das escolas ou para a construção de laboratórios?
No ambiente de absoluta transparência que a internet propicia, em que todos os dados oficiais podem ser disponibilizados pelos próprios sites oficiais sem qualquer truque de propaganda ou estratégia de marketing institucional, e, o melhor, a custo zero, é temerário reconhecer que ainda vivemos numa lógica em que audiência vale ouro e que o dinheiro do povo pode financiar, sim, indiretamente, a televisão brasileira, em detrimento dos investimentos a serem feitos nas políticas de saúde, educação, segurança e outros setores básicos de interesse da sociedade.
O governo não presta conta desses recursos da propaganda?
Num relatório de gestão da Secom de 2014, encontra-se à página 69 a rubrica “Despesas com ações de publicidade e propaganda”, mas a leitura é para especialistas. Um dos tópicos afirma que “não ouve no exercício o reconhecimento de passivo por insuficiência de créditos ou recursos”. A linguagem da transparência da propaganda governamental tem que ser tão clara quanto à dos telejornais. A discussão sobre a conveniência da propaganda governamental e suas regras e fluxos precisa sair dos muros do Congresso para ganhar as ruas. Se o eleitor atento vigiasse o seu governante, ele não precisaria usar de técnicas de marketing para vender a sua gestão. E os recursos públicos poderiam ter um destino mais nobre do que os cofres das emissoras.
Acreditamos que esta programação de TV que varia do luxo ao lixo nos vem gratuitamente. Eu estou longe de ser iconoclasta e tenho maior respeito pelos grandes ícones nacionais. Só acho que o povo brasileiro tem o direito de escolher se vai investir em escolas, ou se está tudo bem financiar alguns minutos do Jornal Nacional. Num país de alta renda, grande pujança e fartura para todos, vai bem. Mas a gente sabe bem que a vida real não é nenhuma novela.
Eu sou a Beth Veloso e este é o Papo de Futuro. Mande suas dúvidas, críticas e sugestões para beth.veloso1@gmail.com
Texto produzido originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara.
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