Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Márcio Salema na Rádio Câmara:
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O diálogo na sala parecia familiar:
– Deixa de lado o jornal! Pra quê? Jornal não serve para nada. Todo dia é a mesma coisa. Você só se sente mais miserável!
– Mas, pelo menos, você sabe o que está se passando pelo mundo. Pode conversar com as pessoas.
Quem abre o diálogo não é exatamente a televisão, que durante anos nos privou de uma convivência familiar e nos colocou como bípedes do sofá! Nada mais letárgico, de acordo com os estudos das ciências sociais e da comunicação, do que o fenômeno da alienação provocada pela programação monocromática das TVs mundo afora, que nos fez interagir com um tubo de cores, numa bolha calmante.
A internet veio para quebrar essa anestesia provocada pela televisão, onde o cérebro podia descansar dos embates diários da vida com uma programação unilateral e nada interativa.
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Na rede, agora, é tudo diferente. Aparte a avalanche de informações, você tem o hiperlink, que te joga para outro lugar o tempo todo; as mensagens instantâneas; o exibicionismo que dispara os hormônios da inveja; os bate-bocas virtuais que incitam a ira e outros pecados capitais; a tecnologia que não pára. A internet começa a ser colocada na berlinda como a nova fonte de estresse do Século XXI. Uma coleguinha da minha sobrinha dormia com o telefone debaixo do travesseiro… o novo companheiro inseparável. Coitado do cachorro…
A internet tem tudo de bom: você faz sua programação; enriquece de fato seu discurso para os debates na mesa do bar e pode ir além da pauta aparentemente inútil dos telejornais, restrita a crimes, violência urbana, corrupção e miséria humana, que nos deixa com ressaca social: que mundo horrível em que vivemos!
Na rede social, podemos dar vazão à criatividade, podemos exercitar ao máximo a liberdade de expressão, podemos ensaiar um discurso da diversidade, andar por mares novos e menos revoltos.
Então temos que dar UM VIVA para a internet?
Porém, ela não precisa ser tão invasiva, dividindo conosco todo o espaço e tempo que temos neste intervalo que chamamos de um dia. Os especialistas já pregam, com certeza, a necessidade de fazermos um detox digital, ou seja, um processo de desintoxicação, e os consultórios infantis estão ficando repletos de viciados nos gadgets modernos, ou seja, dispositivos como smartphone, Ipad, computador etc… Esses viciados são crianças com problemas de ansiedade, obesidade, insônia, dificuldade de concentração, estafa, além da síndrome do “pescoço de texto”, de tanto olhar para baixo…
Tão grande quanto o número de usuário de ansiolíticos – antidepressivos – hoje é o número de adeptos da tecnologia: cerca de 100 milhões de usuários de WhatsApp e 99 milhões de usuários do Facebook no Brasil, de acordo com as próprias empresas.
Diferentemente da televisão, onde se busca entretenimento e informação, a internet nos confere uma sensação de pertencimento, onde a necessidade de ser inserido, de ser aceito e de ser curtido é uma fenômeno ainda mais palpável nas gerações mais jovens, revela uma reportagem de página inteira publicada no jornal Correio Braziliense.
A falta de controle no uso ou abuso do acesso à parafernália digital nem sempre supera os problemas que ela mesma gera, uma vez que o sintoma de dependência é cada vez maior, associada a uma frustração. Se por um lado nos deixa mais sociáveis, a internet, e as redes sociais, em especial, reforçam em nós a propensão a copiar padrões pré-determinados ditados pela indústria do consumo, pelo mercado de massa ou pela cultura pop, seja lá o que for, e nos faz escravos de uma voz alheia, uma agenda que não é sua e uma certa inércia da reflexão.
Digo isto porque a internet oferece tantos universos bem mais profundos do que esse entretenimento de terceira categoria que todos os dias despejam na nossa página do Facebook, mas poucos são os que conhecem as ferramentas educacionais, os artigos acadêmicos, as teses e os sites de literatura que estão escondidos nessa enorme biblioteca digital.
É preciso dar uma pausa para pensar sobre o que estamos fazendo na internet. Sobre a nossa capacidade de refutar um conteúdo e buscar um novo site ou uma nova surpresa. É preciso preservar-se do debate meramente midiático que irá criar facções ideológicas dentro de nós.
Por que estamos respondendo sem pensar, se na internet não dá para apagar o que se falou? Por que não respiramos fundo neste mundo de um clique a cada segundo e não nos libertamos da resposta imediatista, do post em segundos, da adição por conversar com vinte pessoas ao mesmo tempo?
Estamos mais viciados em gente do que nunca, mas não nos damos conta do paradoxo da internet, que aproxima, mas descarta. Que conecta, mas onde você bloqueia as pessoas. Se queremos namorar, vamos atrás de um compatível na internet, quando tudo que buscamos é contato na forma de carinho. Difícil missão para um computador, não?
O nível de frustração em nossas buscas na internet, e com o uso da tecnologia em geral, deve-se ao fato de que, em muitos casos, a internet está reforçando e não revendo valores da vida humana, nos mantendo paralisados onde estamos, como num engarrafamento de trânsito.
Precisamos de uma tecnologia que nos torne pessoa melhores, mas, muitas vezes, ocorre o contrário, diz Zygmunt Bauman, um dos críticos mais ferrenhos das novas tecnologias. Hoje é tão fácil deletar um ciberchato, mas não se sabe o que fazer depois quando ele cruzar de novo o seu caminho. E, então, vamos nos tornando mais ansiosos, mais fúteis, mais carentes e mais intransigentes. Assim preconiza Bauman:
“As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.”
Seria a internet o cassino dos tempos modernos, que nos tornará a todos zumbis do imperialismo dos provedores de conteúdo e mantenedores de redes sociais sem os quais a morte lenta por ansiedade é quase certa?
Nem George Orwell, com seu livro 1984, previu uma engrenagem tão totalitária assim, numa sociedade não mais dominada pelo Estado, mas sim pelos aplicativos de rede.
Acho que ainda não inventaram um santo para as novas tecnologias, um padroeiro ou coisa semelhante. Mas já podemos começar a orar para ele.
Mande suas dúvidas e sugestões para papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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