Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2011.01.1.200509-0
Vara : 1406 – 6° JUIZADO ESPECIAL CIVEL
Processo : 2011.01.1.200509-0
Ação : INDENIZACAO
Requerente : MONICA BENTIM ROSA
Requerido : CARACOL WEB DESIGN
Sentença
Dispensado o relatório, conforme autorização legal (Artigo 38, caput, Lei 9.099/95).
Passo a fundamentar e a decidir, em observância ao disposto no Artigo 93, inciso IX, da Constituição da República:
A controvérsia ora trazida ao exame do Judiciário distrital consiste na arguição pela parte autora de que publicação eletrônica promovida pela parte ré, noticiando o valor bruto de sua remuneração como servidor(a) do Senado Federal, supostamente pago acima do teto constitucional, seria causa de violação à sua intimidade, honra, imagem e vida privada, infringindo-se assim o preceito jusfundamental insculpido no inciso X do Artigo 5º da Constituição da República.
Assevera a parte autora que a ré teria noticiado em seu sítio na internete (www.congressoemfoco.uol.com.br), na data de 17/08/2011, informação de que servidores do Senado Federal perceberiam rendimentos mensais que alcançariam o valor de até R$42.000,00 (quarenta e dois mil reais), referentes ao mês de agosto de 2009. Diz ainda que a ré, em 29/08/2011, levou a público novo documento jornalístico, cujo teor é o seguinte, ipsis:
Exclusivo: todos os supersalários do Senado
Veja a lista completa dos 464 servidores do Senado que, de acordo com auditoria do TCU, desde 2009 ganham além do teto do funcionalismo, o equivalente ao salário de um ministro do Supremo. Maior salário já era de quase R$ 46 mil por mês.
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Cúpula do Senado está entre os 464 servidores que ganham acima do teto constitucional. Veja aqui a lista completa dos supersalários
Em agosto de 2009, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) ganhava R$ 24.500,00. À época, o Tribunal de Contas da União identificou a existência de nada menos que 464 servidores do Senado que mensalmente recebiam vencimentos que ultrapassavam esse valor. O salário dos ministros do STF é determinado na Constituição como o teto salarial do funcionalismo. Em tese, ninguém poderia ganhar mais do que isso. O Congresso em Foco obteve com exclusividade cópia da auditoria do TCU, e publica agora, nome por nome, quem integra essa elite do Senado, detentora dos supersalários.
Respaldado pela opinião de juristas, como o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcanti, e Fábio Konder Comparato, o Congresso em Foco entende que se trata de informação de interesse público. Afinal, há no momento intensa discussão jurídica em torno do tema. Embora o teto esteja fixado na Constituição, há servidores não apenas no Senado mas em toda a administração pública (nos três poderes) que recebem vencimentos que ultrapassam os salários dos ministros do STF. A auditoria do TCU feita em 2009 é a base para uma ação do Ministério Público que busca impedir essa prática. A partir dessa ação, inicialmente a 9ª Vara Federal de Brasília proibiu o pagamento. Senado e Câmara, porém, entraram com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. E duas decisões opostas foram tomadas recentemente. O presidente do TRF, Olindo Menezes, autorizou o Senado a pagar acima do teto. Logo em seguida, porém, a desembargadora Mônica Sifuentes proibiu a Câmara de fazer o mesmo. A polêmica deverá parar no Supremo, onde, segundo apuração do jornal Folha de São Paulo, a tendência é de proibição dos pagamentos acima do teto.
Veja também: por que estamos publicando a lista
O relatório de auditoria 629/09 do Tribunal de Contas da União (TCU), ao qual o Congresso em Foco teve acesso, trabalhou sobre os salários pagos no Senado, e identificou 464 servidores que ganhavam além do teto constitucional. Outras auditorias investigaram os demais órgãos da administração pública. No Executivo, por exemplo, estimava a existência de mais de mil supersalários. Na Câmara, a auditoria não foi concluída. No Executivo e no Senado, o prejuízo com o pagamento além do teto soma R$ 307 milhões por ano. No Senado, segundo o anexo 2 do documento, os salários que em 2009 excediam o teto iam de R$ 24.500,47 a até quase R$ 46 mil em um único mês.
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O que dizem os servidores que ganham os maiores salários
O benefício além do teto não é exclusivo de funcionários. Os senadores, incluindo o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), também ganham mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), como revelou o Congresso em Foco na quarta-feira (24). Na avaliação do relator da reforma administrativa do Senado, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), o número de servidores com supersalários hoje pode ser ainda bem maior – ele estima em mais de 700. Dos 464 nomes identificados em 2009 pelo TCU, 130 ingressaram no Senado trabalhando na gráfica e 110, no Centro de Processamento de Dados, o Prodasen.
Quase o dobro
O servidor com a maior remuneração, conforme o levantamento, é o consultor aposentado Osvaldo Maldonado Sanches. Ele continua trabalhando como consultor de orçamentos na Câmara. De acordo com o TCU, seu salário em 2009 era de R$ 22 mil no Senado e de R$ 23.800 na Câmara. Isoladamente, as remunerações não ultrapassaram o teto, mas juntas, chegaram a R$ 45.963,59, quase o dobro do que ganhava um ministro do STF na época.
Sanches escreveu ao Congresso em Foco um texto com seus esclarecimentos, no qual defende a aplicação do teto, mas para todos os agentes públicos, isto é, também para os políticos. Lembra ainda que a Constituição determina que exista “uma clara explicitação de como as normas serão aplicadas para todos e a partir de quando”. Veja a íntegra da resposta de Sanches
Média de R$ 26 mil
O grupo de 464 funcionários capitaneado por Sanches tinha salário médio de R$ 26.327. Entretanto, a metade deles, ou seja 232 servidores, ganhava um pouco menos que isso, entre R$ 24.500 e R$ 25.874.
A cúpula do Senado integra o grupo de servidores com supersalários. Constam da lista a secretária-geral da Mesa, Cláudia Lyra, e a diretora-geral da Casa, Dóris Marize Peixoto. Os antecessores delas também figuram na relação: a ex-secretária geral Sarah Abrahão e os ex-diretores Haroldo Tajra, Alexandre Gazineo e Manoel Vilela. O ex-diretor Agaciel Maia não está nessa lista, mas sim a sua mulher, Sânzia Maia.
Alexandre Gazineo recebeu em agosto de 2009 R$ 24.527,02, apenas R$ 27 a mais que o teto da época. Ele disse ao Congresso em Foco que hoje não recebe mais que um ministro do STF e que os valores foram recompostos aos cofres públicos. “Eu nem isso recebo mais”, afirmou Gazineo. “Isso foi estornado.” Em outras duas ocasiões, ele informou que estourou o limite em no máximo R$ 80, mas também foi feito o abate no salário. Como advogado do Senado, Gazineo preferiu não dar sua opinião particular a respeito da legalidade dos pagamentos feitos pela Casa em oposição aos argumentos do Ministério Público e à auditoria do TCU.
De acordo com o TCU, foram pagos R$ 848 mil indevidamente somente naquele mês de agosto de 2009, valor que corresponde a uma despesa pública anual de cerca de R$ 11 milhões. Como a auditoria detectou outras irregularidades na folha, como pagamento indevido de horas extras, os auditores do tribunal chegam à conclusão de que houve perda anual de R$ 157 milhões no Senado. Auditoria semelhante no Poder Executivo apurou prejuízo de R$ 150 milhões por ano. Na Câmara, os valores ainda são analisados pelo TCU.
Essencialmente, a parte autora sustenta que o texto publicado pela requerida dá ensejo à reparação pretendida, a título de danos morais, pelos argumentos que assim se resumem: 1) trata-se de informação inútil e sem relevância, ensejadora de situações indesejáveis e constrangedoras; 2) versa sobre dados pessoais e sigilosos; 3) configura exposição a perigo de atentado contra a vida e patrimônio, bem como violação flagrante a direitos fundamentais da personalidade humana, notadamente a intimidade, a vida privada e a dignidade da pessoa humana, valores que, em regra, segundo a parte autora, ostentariam o caráter de absolutos; 4) a ré não observou a cautela de divulgar apenas os cargos e respectivas remunerações, e não os nomes dos servidores elencados; 5) a divulgação não guarda semelhança com os fatos noticiados como ocorridos no Estado de São Paulo e Paraná, onde teria ocorrido a divulgação de dados semelhantes por decisão do próprio Executivo local, reconhecendo o interesse público correlato.
Passo à análise do mérito das questões postas por ambas as partes.
De início, é preciso ter em mente, quando se fala em reparação a título de danos morais, que os valores constitucionais da intimidade e da vida privada (qual a honra e a imagem) não constituem palavras míticas ou sagradas, que miraculosamente possam ser invocadas para satisfazer o desejo de reparação judicial em todos e quaisquer casos envolvendo situações interpretadas pelo indivíduo como causadora de desconfortos pessoais, irritações, dissabores, aborrecimentos, contrariedades, constrangimentos, ofensas, inquietações ou, numa palavra, desacordos. Seria ilógico imaginar que o Legislador, editor da ordem jurídica positiva, fosse tão alheio à realidade social a ponto de imaginar uma sociedade completamente asséptica, onde tais desacordos não eclodissem a todo momento e que cada desacordo verificado ensejasse responsabilidades e reparação. A vida em sociedade seria absolutamente insuportável neste cenário “ausente de política”, onde findaria desconstruída a própria idéia de sociedade, ante a impossibilidade de se estabelecerem os laços políticos que lhe dão sustento.
Como ensinava e ensina o eminente Professor Joaquín HERRERA-FLORES,
Os direitos humanos não pode ser entendidos separados do político. Entender os direitos como algo prévio à ação social pressupõe uma dicotomia absoluta entre ‘ideais’ e ‘fatos’. Os ideais, ou as essências – em termos platônicos -, comporiam um mundo transcendente separado das realidades cotidiana, de uma subjetividade abstrata não situada em contextos reais de convivência, de uma subjetividade abstrata não situada em contextos reais de convivência. Já os fatos seriam vistos como os elementos que conformam a objetividade social, isto é, o conjunto de obstáculos ‘objetivos’ – situados além do mundo tranqüilo das idéias – que impedem a implementação real desses ideais abstratos. Por essa razão, os direitos humanos, ‘vistos como ideais’, se apresentam como instâncias neutras e prévias em relação ao político, como esferas cindidas do todo que significa a vida com todos os seus conflitos, seus consensos e suas incertezas.
A realidade, porém, é o oposto disso, pois todo produto cultural é sempre uma categoria impura, contaminada de contexto e sempre submetida às iniludíveis relações fáticas de poder. Definitivamente, uma concepção dos direitos como ideais prévios à ação social conduz a uma concepção muito restrita do político, pois o reduz à mera colocação em prática de valores que conformam um ‘consenso ideal a priori’. Os ideais – em nosso caso, os direitos humanos – são pensados como produtos dados de antemão e sem qualquer relação com os conflitos sociais. Ou seja, estaríamos diante de uma concepção restrita do político: busca de consensos à margem dos antagonismos reais que aparecem nos contextos, deslocando o conflito e a oposição à esfera autônoma e separada de toda intervenção institucional; quer dizer, levados ao âmbito do privado ou ao âmbito do espiritual.” (HERRERA-FLORES, Joaquín. A (re)invenção dos direitos humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia, Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Boiteux, 2009. P. 79-80)
Ademais, dada essa positiva perspectiva política dos direitos humanos, cumpre reconhecer que a liberdade de expressão não pode ser resumida estritamente à veiculação de informações “favoráveis”, “inofensivas” ou “indiferentes”, mas também daquelas que eventualmente causem desconfortos, inquietações e até constrangimentos, como proclamou a Corte Européia de Direitos Humanos, no julgamento do leading case Handyside c. Royaume-Uni (Requête 5493/72, Cour plénière, 7/12/1976), in verbis:
La liberté d’expression constitue l’un des fondements essentiels de pareille société, l’une des conditions primordiales de son progrès et de l’épanouissement de chacun. Sous réserve du paragraphe 2 de l’article 10 (art. 10-2), elle vaut non seulement pour les “informations” ou “idées” accueillies avec faveur ou considérées comme inoffensives ou indifférentes, mais aussi pour celles qui heurtent, choquent ou inquiètent l’État ou une fraction quelconque de la population. Ainsi le veulent le pluralisme, la tolérance et l’esprit d’ouverture sans lesquels il n’est pas de “société démocratique”. Il en découle notamment que toute “formalité”, “condition”, “restriction” ou “sanction” imposée en la matière doit être proportionnée au but légitime poursuivi.
No cerne das democracias está a idéia de conflitos, desacordos e limites à liberdade individual ou coletiva. As democracias são regimes políticos contingentes e imperfeitos. É da natureza das democracias (constitucionais), outrossim, o reconhecimento de que nelas ninguém pode escolher ser completamente livre. Democracias são regimes ou sistemas baseados na idéia paradoxal da limitação das liberdades privadas e públicas. Nesse sentido, a democracia consiste em “um sistema onde ninguém pode escolher a si mesmo, ninguém pode investir a si mesmo com o poder de governar e, por conseguinte, ninguém pode arrogar-se um poder incondicional e ilimitado.” (SARTORI, Giovanni. A Teoria da democracia revisitada. Vol. 2. São Paulo: Ática, 1987)
Não há sociedade sem desacordos e conflitos. Os conflitos representam a nossa principal (senão única) universalidade axiológica. O que distingue as sociedades primitivas das modernas, contudo, é a forma violenta ou pacífica como umas e outras resolvem os seus conflitos e desacordos. Sendo assim, há efetivamente a possibilidade de reconhecer nos conflitos uma feição positiva, como fatos ou fenômenos que moldam as nossas democracias. Nessa perspectiva, paradoxalmente, mais democráticas serão as nossas sociedades quanto mais oportunidades de manifestação puderem ser criadas em favor do maior número possível de pessoas, capazes e habilitadas a estabelecerem e externarem os seus (contra)pontos de vista, a sua divergência crítica e positiva, e portanto gerar conflitos em sentido positivo, suscitando assim o debate público notadamente sobre questões que, em regimes autoritários, prefere-se manter em sigilo, às ocultas dos olhos da sociedade. A liberdade de suscitar conflitos positivos e ensejar debates públicos sobre questões relevantes é o princípio que confere o verdadeiro sentido político a uma sociedade democrática. A consectária liberdade de expressão constitui assim o mais importante instrumento deste exercício de cidadania e de aprendizagem coletiva, baseada na troca de informações, na possibilidade dos debates e da crítica comunitária.
Uma sociedade politizada em seu sentido mais profundo é aquela capaz não apenas de aceitar os mais diversos pontos de vista dos outros, ainda que amplamente discordantes, desconfortáveis, chocantes, irritantes, controversos – manifestados de forma não conducente nem estimulante à violência física -, mas também de desenvolver todos os meios lícitos possíveis para que a crítica social se exerça em sua plenitude. Uma sociedade despolitizada, de outra sorte, é aquela baseada ora na perspectiva da ideologia do pensamento único – que opera o ocultamento das vozes discrepantes -, ora na diretiva autoritária de hierarquizar a diversidade das formas de vida democraticamente possíveis, e a impedir a possibilidade da exsurgência dos conflitos positivos, da palavra contrária, dos projetos de vida diferentes do predominante, do exercício da liberdade do pensamento crítico, enfim, do exercício da política no mais profundo e legítimo sentido de inclusão social e realização da justiça em última instância.
Nessa perspectiva, ensina Jeremy WALDRON, in verbis:
Discrepamos acerca de los derechos, y es comprensible que lo hagamos. No deberíamos temer ni estar avergonzados de dichos desacuerdos, ni atenuarlos ni llevarlos más allá de los foros en los que se toman importantes decisiones de principios en nuestra sociedad. Deberíamos darles la bienvenida. Estos desacuerdos son un síntoma – el mejor síntoma posible en las circunstancias actuales – de que la gente se toma los derechos en serio. Por supuesto, como he dicho un millón de veces, a una persona que se encuentra en desacuerdo con los demás no se le prohíbe seguir pensando que su punto de vista es el correcto. Debemos, cada uno de nosotros, mantener la fe en nuestras propias convicciones. Pero tomarse los derechos en serio tiene que ver también con la forma en que respondemos cuando los demás nos contradicen, incluso en una cuestión de derechos. Aunque todos consideramos razonablemente importantes nuestros propios puntos de vista, debemos también (todos nosotros) respetar la condición elemental de estar con otros, que es a la vez la esencia de la política y el principio de reconocimiento que reside en el corazón de la idea de los derechos. Cuando estamos ante un portador de derechos (rights-bearer), no estamos tratando sólo con una persona a la que se le ha reconocido la libertad, el sustento o la protección. Sobre todo, estamos ante una inteligencia particular – una mente y una conciencia distinta a la nuestra, que no está bajo nuestro control intelectual, que tiene su propia visión del mundo y su propia concepción de las bases adecuadas de las relaciones con los demás, a quienes él también ve como otros -. Tomar los derechos en serio, entonces, es responder respetuosamente a este aspecto de la otredad, y estar deseoso entonces de participar dinámicamente, pero como un igual, en la determinación de cómo debemos vivir conjuntamente en las circunstancias y en la sociedad que compartimos. (WALDRON, Jeremy. Derechos y desacuerdos. Traducción de José Luis Martí y Águeda Quiroga. Madrid: Marcial Pons, 2005. P. 371-372)
As múltiplas feições da liberdade de expressão, de manifestação do pensamento, de opinião, de imprensa ou de informação, atendem primordialmente a esse propósito de construir uma sociedade profundamente democrática, politizada, madura, avançada e plural, capaz de produzir e aceitar a crítica e os conflitos positivos como a sua principal razão de ser e como um valor social a ser protegido e difundido dia após dia, geração após geração, ainda que ao custo nem sempre compreendido do sacrifício de múltiplos interesses privados.
Segundo Robert DAHL,
… a liberdade de expressão é um requisito para que os cidadãos realmente participem da vida política. Como poderão eles tornar conhecidos seus pontos de vista e persuadir seus camaradas e seus representantes a adotá-los, a não ser expressando-se livremente sobre todas as questões relacionadas à conduta do governo? Se tiverem de levar em conta as idéias de outros, será preciso escutar o que esses outros tenham a dizer. A livre expressão não significa apenas ter o direito de ser ouvido, mas ter também o direito de ouvir o que os outros têm para dizer.
Para se adquirir uma compreensão esclarecida de possíveis atos e políticas de governo, também é preciso a liberdade de expressão. Para adquirir a competência cívica, os cidadãos precisam de oportunidades para expressar seus pontos de vista, aprender uns com os outros, discutir e deliberar, ler, escutar e questionar especialistas, candidatos políticos e pessoas em cujas opiniões confiem – e aprender de outras maneiras que dependem da liberdade de expressão.
Por fim, sem a liberdade de expressão, os cidadãos logo perderiam sua capacidade de influenciar o programa de planejamento das decisões do governo. Cidadãos silenciosos podem ser perfeitos para um governante autoritário, mas seriam desastrosos para uma democracia. (DAHL, Robert. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UnB, 2001.
P. 110)
Neste cenário, o papel do juiz democrático, que tem na Constituição da República e na ordem jurídica internacional a sua principal bússola de orientação na hora de decidir, é o de zelar para que o valor da liberdade de expressão e a decorrente liberdade de imprensa, de notável transcendência social, jurídica, política e ética, seja cada vez mais fortalecida e não o de contribuir para a diminuição de suas notáveis possibilidades, de forma que somente em casos excepcionalíssimos, de gravíssima violação aos direitos da personalidade do indivíduo, poderia imputar responsabilidades pelo exercício da liberdade de dizer, o que não deixa de ser uma forma de censura, ainda que posterior e também prospectiva, porquanto deve o magistrado ter em conta que a cada condenação que impõe a um veículo de imprensa, nas suas mais diversas formas e instrumentos, está inibindo o exercício futuro da liberdade de expressão e com isso reduzindo as possibilidades dos avanços na seara da aprendizagem democrática.
Nesse sentido, não cabe à magistratura democrática contribuir com as suas decisões para a formação de uma imprensa e uma cidadania silenciosa. O que se exige da magistratura democrática é, compreendendo que os direitos humanos não podem ser separados da ação política, como acentuado anteriormente, intensificar os próprios processos democráticos de inclusão verdadeiramente política das “partes que não têm partes”, sem a qual resta apenas a dominação ou a desordem da revolta, como ensina Jacques RANCIÈRE: “Politics exists when the natural order of domination is interrupted by the institution of a part of those who have no part. This institution is the whole of politics as a specific form of connection. It defines the common of the community as a political community, in other words, as divided, as based on a wrong that escapes the arithmetic of Exchange and reparation. Beyond this set-up there is no politics. There is only the order of domination or the disorder of revolt.” (RANCIÈRE, Jacques. Disagreement: Politics and philosophy. Translated by Julie Rose. Minnesota: Minnesota University, 1999. P. 11-12)
Não se descura, contudo, que a liberdade de imprensa – como de resto ocorre com as demais liberdades democráticas, e ao contrário do que sustenta a parte autora – seja relativa.
O próprio Texto Constitucional de 1988, a despeito de vedar qualquer forma de censura ou de embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (Artigo 220, §§1º e 2º, CRB/88), dispôs que o exercício dessa liberdade deve observar a própria Constituição, notadamente o disposto nos incisos IV, V, X, XIII e XIV do seu Artigo 5º, que cuidam precisamente da vedação ao anonimato, da proteção ao direito de resposta e da indenização pelos danos materiais, morais ou à imagem, da vedação à violação à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, das exigências para o exercício da profissão e do resguardo ao sigilo das fontes.
Também as convenções internacionais que regem os três importantes Sistemas Regionais de Proteção de Direitos Humanos (Sistema Europeu, Sistema Africano e Sistema Interamericano) estabelecem limites ao exercício da liberdade de expressão, nos seguintes moldes, in verbis:
CONVENCIÓN AMERICANA SOBRE DERECHOS HUMANOS
Artículo 13. Libertad de Pensamiento y de Expresión
1. Toda persona tiene derecho a la libertad de pensamiento y de expresión. Este derecho comprende la libertad de buscar, recibir y difundir informaciones e ideas de toda índole, sin consideración de fronteras, ya sea oralmente, por escrito o en forma impresa o artística, o por cualquier otro procedimiento de su elección.
2. El ejercicio del derecho previsto en el inciso precedente no puede estar sujeto a previa censura sino a responsabilidades ulteriores, las que deben estar expresamente fijadas por la ley y ser necesarias para asegurar:
a) el respeto a los derechos o a la reputación de los demás, o
b) la protección de la seguridad nacional, el orden público o la salud o la moral públicas.
CONVENTION DE SAUVEGARDE DES DROITS DE L’HOMME ET DES LIBERTÉS FONDAMENTALES
Article 10
Liberté d’expression
1. Toute personne a droit à la liberté d’expression. Ce droit comprend la liberté d’opinion et la liberté de recevoir ou de communiquer des informations ou des idées sans qu’il puisse y avoir ingérence d’autorités publiques et sans considération de frontière. Le présent article n’empêche pas les Etats de soumettre les entreprises de radiodiffusion, de cinéma ou de télévision à un régime d’autorisations.
2. L’exercice de ces libertés comportant des devoirs et des responsabilités peut être soumis à certaines formalités, conditions, restrictions ou sanctions prévues par la loi, qui constituent des Convention européenne des droits de l’homme mesures nécessaires, dans une société démocratique, à la sécurité nationale, à l’intégrité territoriale ou à la sûreté publique, à la défense de l’ordre et à la prévention d
u crime, à la protection de la santé ou de la morale, à la protection de la réputation ou des droits d’autrui, pour empêcher la divulgation d’informations confidentielles ou pour garantir l’autorité et l’impartialité du pouvoir judiciaire.
AFRICAN (BANJUL) CHARTER ON HUMAN AND PEOPLES’ RIGHTS
Article 9
1. Every individual shall have the right to receive information.
2. Every individual shall have the right to express and disseminate his opinions within the law.
(
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Chapter II: Duties
Article 27
1. Every individual shall have duties towards his family and society, the State and other legally recognized communities and the international community.
2. The rights and freedoms of each individual shall be exercised with due regard to the rights of others, collective security, morality and common interest.
Ademais, a relativização da liberdade de expressão e da derivada liberdade de imprensa não constitui uma nota específica de países menos desenvolvidos em termos democráticos, porquanto reconhecida mesmo no contexto de democracias tradicionais. Nos Estados Unidos da América, exempli gratia, onde a liberdade de imprensa constitui seguramente um modelo a ser seguido, a ponto de muitos lhe reconhecerem o status de liberdade preferencial (preferred freedom), segundo uma leitura peculiar da Primeira e da Quarta Emenda à Constituição Americana, há muito a Suprema Corte tem acolhido a tese do balanceamento da liberdade de expressão (freedom of speech).
No julgamento do caso Konigsberg v. State Bar of California (366 U.S. 36, 1961), o Ministro (Justice) Harlan, da Suprema Corte dos EUA, consignou em seu voto vencedor:
At the outset, we reject the view that freedom of speech and association (NAACP v. Alabama, 357 U. S. 449, 357 U. S. 460), as protected by the First and Fourteenth Amendments, are “absolutes,” not only in the undoubted sense that, where the constitutional protection exists it must prevail, but also in the sense that the scope of that protection must be gathered solely from a literal reading of the First Amendment. Throughout its history, this Court has consistently recognized at least two ways in which constitutionally protected freedom of speech is narrower than an unlimited license to talk. On the one hand, certain forms of speech, or speech in certain contexts, has been considered outside the scope of constitutional protection. On the other hand, general regulatory statutes, not intended to control the content of speech but incidentally limiting its unfettered exercise, have not been regarded as the type of law the First or Fourteenth Amendment forbade Congress or the States to pass, when they have been found justified by subordinating valid governmental interests, a prerequisite to constitutionality which has necessarily involved a weighing of the governmental interest involved.
À mesma conclusão, na esteira de inúmeros precedentes, chegou a Suprema Corte do Brasil, quando do julgamento do caso Siegfried Ellwanger (HC 82424), concluído em 17/09/2003, no qual se assentou que, dada a natureza principiológica da liberdade de expressão, é possível a sua restrição pela via do princípio da proporcionalidade (das Verhältnissmassigkeitsprinzip), conforme se extrai do voto proferido pelo eminente Ministro Gilmar Ferreira MENDES, in verbis:
Pode-se afirmar, pois, que ao constituinte não passou despercebido que a liberdade de informação haveria de se exercer de modo compatível com o direito à imagem, à honra e à vida privada (CF, art. 5º, X), deixando entrever mesmo a legitimidade de intervenção legislativa, com o propósito de compatibilizar os valores constitucionais eventualmente em conflito. A própria formulação do texto constitucional – “Nenhuma lei conterá dispositivo…, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” – parece explicitar que o constituinte não pretendeu instituir aqui um domínio inexpugnável à intervenção estatal. Ao revés, essa formulação indica ser inadmissível, tão-somente, a disciplina legal que crie embaraços à liberdade de informação. A própria disciplina do direito de resposta, prevista expressamente no texto constitucional, exige inequívoca regulação legislativa.
Outro não deve ser o juízo em relação ao direito à imagem, à honra e à privacidade, cuja proteção pareceu indispensável ao constituinte também em face da liberdade de informação. Não fosse assim, não teria a norma especial ressalvado que a liberdade de informação haveria de se exercer com observância do disposto no art. 5º, X, da Constituição. Se correta essa leitura, tem-se de admitir, igualmente, que o texto constitucional não só legitima, mas também reclama eventual intervenção estatal com o propósito de concretizar a proteção dos valores relativos à imagem, à honra e à privacidade.
Da mesma forma, não se pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. Daí ter o texto constit
ucional de 1988 erigido, de forma clara e inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5º, XLII), além de ter determinado que a lei estabelecesse outras formas de repressão às manifestações discriminatórias (art. 5º, XLI).
É certo, portanto, que a liberdade de expressão não se afigura absoluta em nosso texto constitucional. [destaques não constantes do original]
O importante, contudo, não é apenas reconhecer a restringibilidade do direito fundamental, mas principalmente analisar a legitimidade das restrições possíveis, especialmente no plano concreto. À luz dos regramentos internacionais de direitos humanos, as restrições à liberdade de expressão podem ser resumidas na fórmula geral estabelecida pela Convenção Européia de Direitos Humanos, qual seja, a de que tais restrições ou delimitações do direito fundamental somente são válidas ou legítimas quando configurarem “medidas necessárias no contexto de uma sociedade democrática” (mesures nécessaires, dans une société démocratique). Esta idéia reguladora ou princípio geral, por conseguinte, aponta para a necessidade de que as limitações a serem impostas à liberdade de expressão, seja no plano das decisões concretas, judiciais ou administrativas, seja no âmbito de conformação legislativa, estejam em consonância com a idéia do “bem comum” ou dos interesses gerais da sociedade, e somente possam ser admitidas em casos excepcionalíssimos e expressamente amparados em norma jurídica.
Trata-se portanto da idéia de que a concepção e o exercício dos direitos humanos fundamentais contemplam, além de sua dimensão individual, uma dimensão social, coletiva ou comum. Tal fórmula geral, concebida pelo Sistema Europeu de Direitos Humanos, foi igualmente consagrada na Convenção Americana, que, em seu Artigo 32, item 2, dispondo sobre os “deveres humanos”, dispôs que “los derechos de cada persona están limitados por los derechos de los demás, por la seguridad de todos y por las justas exigencias del bien común, en una sociedad democrática.”
A despeito das inúmeras possibilidades de densificação ou concretização que gravitam em torno do conceito de “sociedade democrática”, há uma noção básica que integra o seu senso comum semântico, que pode ser reconhecida na jurisprudência da mais prestigiada Corte de Direitos Humanos do planeta, a saber, a Corte de Estrasburgo (Corte Européia de Direitos Humanos). Esta importante corte supranacional delineou, a partir de sua interpretação da Convenção Européia de Direitos Humanos, algumas diretrizes fundamentais que devem ser seguidas pelo intérprete por ocasião da análise da legitimidade democrática da restrição ao direito de liberdade de expressão. Segundo esse entendimento consolidado, as restrições à liberdade de expressão devem ser reguladas pelo princípio da legalidade/constitucionalidade, com base no qual deve-se indagar se a restrição pretendida está expressamente prevista em lei (restrictions ou sanctions prévues par la loi).
Tal diretriz, a propósito, está em consonância com o Sistema Americano de Direitos Humanos, uma vez que o Pacto de São José da Costa Rica – que integra o sistema jurídico brasileiro por força do que dispõe o Decreto Federal n. 678, de 06/11/1992 – também determina, em seu já mencionado Artigo 13.2, que o exercício da liberdade de expressão somente admite responsabilidades posteriores expressamente estabelecidas em lei (“El ejercicio del derecho previsto en el inciso precedente no puede estar sujeto a previa censura sino a responsabilidades ulteriores, las que deben estar expresamente fijadas por la ley”).
A Corte de Estrasburgo, na oportunidade do julgamento do caso Talidomida (Sunday Times c. Royaume-Uni, de 26/11/1991), assentou o entendimento de que o imperativo da legalidade da restrição à liberdade de expressão atende ao ditame geral da previsibilidade e da acessibilidade das normas que imponham responsabilidades ou sanções decorrentes do uso constitucionalmente inadequado do direito fundamental pelo particular, abrangente tanto do direito escrito quanto o direito costumeiro, tudo a depender da correta análise do caso concreto, in verbis:
A. L’ingérence était-elle “prévue par la loi”?
(…)
47. La Cour constate que dans “prévue par la loi” le mot “loi” englobe à la fois le droit écrit et le droit non écrit.
(…)
49. Aux yeux de la Cour, les deux conditions suivantes comptent parmi celles qui se dégagent des mots “prévues par la loi”. Il faut d’abord que la “loi” soit suffisamment accessible: le citoyen doit pouvoir disposer de renseignements suffisants, dans les circonstances de la cause, sur les normes juridiques applicables à un cas donné. En second lieu, on ne peut considérer comme une “loi” qu’une norme énoncée avec assez de précision pour permettre au citoyen de régler sa conduite; en s’entourant au besoin de conseils éclairés, il doit être à même de prévoir, à un degré raisonnable dans les circonstances de la cause, les conséquences de nature à dériver d’un ac
te déterminé. Elles n’ont pas besoin d’être prévisibles avec une certitude absolue: l’expérience la révèle hors d’atteinte. En outre la certitude, bien que hautement souhaitable, s’accompagne parfois d’une rigidité excessive; or le droit doit savoir s’adapter aux changements de situation. Aussi beaucoup de lois se servent-elles, par la force des choses, de formules plus ou moins vagues dont l’interprétation et l’application dépendent de la pratique.
Neste cenário e à luz do entendimento que vigora assim no plano internacional como no plano doméstico, cumpre indagar acerca do caso concreto: há norma jurídica escrita ou não-escrita que vede expressamente a qualquer órgão de imprensa ou mesmo ao particular, no pleno exercício da liberdade de expressão, seja em sua dimensão social, sejam em sua dimensão individual, obter e dar publicidade a informações objetivas referentes à remuneração paga a qualquer servidor público do País, máxime quando (1) há dúvidas sobre a constitucionalidade e legalidade da percepção remuneratória, que, segundo o noticiado, estaria em descompasso com o teto constitucional estabelecido pela expressa regra do Artigo 37, inciso XI, da Constituição da República; (2) tais informações, nomeadamente em relação a valores pagos, são objeto de investigação administrativa levada a efeito, em sede de auditoria externa, pelo órgão constitucionalmente legitimado para realizá-la (Tribunal de Contas da União)?
Em nosso sentir, a resposta é inequivocamente negativa. Muito ao contrário do que sustenta a parte autora, o único entendimento que se pode extrair das normas jurídicas vigentes no ordenamento pátrio é o de que essas não apenas amparam mas principalmente recomendam a publicidade de informações como as veiculadas pela requerida. Desse modo, como as informações prestadas à sociedade pelo órgão de imprensa eletrônica ostentam interesse coletivo ou geral relevante, sua restrição, no presente caso, não poderia ser entendida como compatível com os valores de uma “sociedade democrática”, como a que preconiza a Constituição da República (Artigo 1º, caput, c/c Artigo 3º, inciso I). Ao contrário, é a restrição à vida privada, à imagem ou à intimidade que se impõe no caso.
Válido é acentuar, en passent, que, nos termos do inciso XXXIII do Artigo 5º da Constituição da República, “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.” A fim de regulamentar este dispositivo constitucional, foi editada a recente Lei Federal n. 12.527, de 18/11/2012, que se acha em período de vacatio legis pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação.
Sem embargo, a nota do interesse público subjacente às informações fornecidas pela parte ré em seu sítio eletrônico na internete decorre da própria circunstância de que a remuneração dos cargos e funções públicos envolve dispêndios à conta do orçamento público, em relação aos quais não restam dúvidas de haver o permanente interesse da opinião pública e de toda a sociedade e de seus órgãos institucionais, que os desejam cada vez mais transparentes e acessíveis, pois é a partir dessas informações de caráter público que os mecanismos de crítica social, fiscalização e controle podem ser exercitados, fortalecendo-se o princípio republicano, sejam pelos próprios cidadãos (por intermédio das ações individuais constitucional e legalmente previstas, como a ação popular, nos termos do Artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição, a fim de obstar qualquer lesão ao patrimônio público, aqui concebido em sentido lato, ou a representação ao órgão de controle externo, nos termos do Artigo 74, §2º, da Constituição da República); seja pelo Ministério público (que, com base nas informações fornecidas pela imprensa, pode desencadear uma gama diversa de medidas administrativas ou judiciais para discutir a legitimidade dos pagamentos realizados com dinheiros públicos); seja pelos órgãos de controle interno ou externo da administração pública etc.
De outra sorte, não se pode conceber que a simples invocação das normas que protegem a intimidade e a vida privada, observadas as especificidades do caso concreto, constituam elas próprias impedimento à divulgação levada a efeito pela requerida. Ao contrário do alegado na exordial, não se verifica na espécie qualquer violação àqueles valores constitucionais, porquanto a informação prestada diz respeito a dados de interesse coletivo, e não exclusivamente à intimidade ou à vida privada da parte autora. Conforme os documentos colacionados aos autos, verifica-se que a parte ré limitou-se a divulgar a matrícula, o nome do servidor, o seu setor de trabalho, o valor da remuneração percebida, o valor de eventual abate-teto, o salário bruto e o valor que a requerida aponta como percebido acima do teto.
No tocante ao nome, além de se tratar de elemento pertinente e inserido no contexto redacional da matéria jornalística sub examen, não se extrai do simples fato da sua divulgação no texto da matéria que a parte autora tenha sido submetida ao “desprezo público” ilegítimo, requisito insculpido no Artigo 17 do CCB/2002 para fundamentar eventual reparação por violação a esse atributo da personalidade. Primeiramente, cumpre destacar que a legislação civil não veda peremptoriamente a divulgação do nome da pessoa física ou jurídica; veda apenas a sua divulgação indevida ou abusiva que, a par disso, exponha injusta e ilegitimamente tal pessoa ao desprezo público; sendo assim, tal dispositivo legal deve ser interpretado em consonância com o texto da norma do Artigo 188, inciso I, do CCB/2002, segundo o qual “Não constituem atos ilícitos: I. os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;”. Por conseguinte, uma vez exercitada de forma regular a liberdade de expressão, no caso concreto, pois presente o interesse público e sendo verdadeiros os fatos narrados, afasta-se a responsabilidade civil, ainda que configurado em tese o desprezo público (mas não ilegítimo) pela divulgação do nome completo da pessoa, circunstância que decorre portanto do próprio fato divulgado e não da divulgação em si.
Em segundo lugar, cumpre analisar duas hipóteses possíveis, no caso, conforme a licitude ou ilicitude da remuneração objeto da divulgação ora impugnada (tema que desborda da presente apreciação judicial): 1) sendo lícita a percepção pecuniária, não poderia a sua divulgação justificar a ocorrência de “desprezo público” ilegítimo, porquanto ninguém poderia ser publicamente desprezado por perceber vantagem consentânea com a ordem jurídica e, se o fosse, não o seria por ato ou fato imputável ao veículo de imprensa; nessa perspectiva, cumpre entender que o Artigo 17 do CCB/2002 não se refere ao fato puro e simples do “desprezo público”, mas sim ao “desprezo público” ilegítimo, decorrente de uma publicação ilícita, baseada no abuso do direito de publicação, entendimento este consentâneo com a idéia de responsabilidade civil subjetiva, exigente da prática do ato ilícito e culposo (culpa em sentido amplo); se o fato em si, objeto da divulgação, causa repúdio social (como se daria por exemplo com a divulgação da prática por determinado indivíduo confesso de um crime que cause clamor público), mas a divulgação está regularmente amparada na liberdade de expressão, levada a efeito sem qualquer excesso ou inverdade, não há falar em ilicitude na publicação do nome do indivíduo, nem em responsabilidade civil do veículo de imprensa; 2) sendo ilícita a percepção pecuniária, reforça-se ainda mais o interesse público na sua divulgação, de forma que assim também se afasta a possibilidade de configuração do “desprezo público” ilegítimo.
Desse modo, é forçoso concluir que a hipótese de “desprezo público”, observadas estritamente as circunstâncias do caso, somente poderia ocorrer se comprovada cabalmente a conduta dolosa imputável ao veículo de imprensa, o que se daria na estrita hipótese de este ter plena consciência que a remuneração divulgada seria inequivocamente lícita e mesmo assim divulgá-la como se ilícita fosse, vinculando tal ilicitude ao nome do funcionário público, o que não é o caso dos autos; em outras palavras, somente restaria configurado o “desprezo público” e portanto o abuso na divulgação do nome da pessoa quando igualmente demonstrado o exercício abusivo da liberdade de expressão, malgrado a certeza sobre a licitude da remuneração divulgada.
Este, contudo, não é o caso dos autos, porque são razoáveis as dúvidas suscitadas pela ré acerca da licitude da remuneração (o que, a propósito, não é objeto de discussão entre as partes), ante a circunstância objetiva de a remuneração da parte autora superar objetivamente o limite constitucional, ainda que possa haver decisões judiciais ou administrativas que tenham ensejado os pagamentos acima deste limite.
Especificamente em relação ao argumento de que a divulgação da remuneração do servidor poderia colocar em risco a sua segurança pessoal ou familiar, porquanto poderia despertar o interesse torpe de toda uma gama de delinquentes, a questão principal não nos parece ser a de que tal risco exista, mas sim se tal risco poderia ser imputado à requerida, a ponto de tolher a própria liberdade de expressão e justificar a reparação a título de danos expatrimoniais. Em nosso sentir, a simples causação do alegado risco subjetivo, no caso, não constitui violação aos direitos da personalidade da parte autora. O simples fato de se divulgar que determinado servidor público percebe determinada remuneração não é causa de danos morais, notadamente quando preservados os demais dados pessoais do servidor (endereço, RG, CPF etc). E o risco que decorre dessa divulgação não configura um fato capaz de produzir, de forma direta e imediata, qualquer dano de ordem material ou moral.
Sobre o tema assim se pronunciou o excelso Supremo Tribunal Federal, no voto proferido pelo em. Ministro Carlos Ayres Brito, na SS 3.902/AGR/SP, in verbis:
No tema, sinta-se que não cabe sequer falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo ‘nessa qualidade’ (§6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. Estado que somente por explícita enunciação legal rimada com a Constituição é que deixa de atuar no espaço da transparência ou visibilidade dos seus atos, mormente os respeitantes àquelas rubricas necessariamente enfeixadas na lei orçamentária anual, como é o caso das receitas e despesas públicas. Não sendo por outra razão que os atentados a tal lei orçamentária são tipificados pela Constituição como ‘crimes de responsabilidade’ (inciso VI do art. 85). (DJE, 30/09/2011, Ementário n. 2599-1)
Se assim não fosse, estaria vedada a possibilidade de a Administração Pública divulgar até mesmo a nomeação de determinado indivíduo para certos cargos públicos, cuja remuneração é amplamente conhecida, por constar de norma legal expressa, o que contrariaria a própria essência do princípio constitucional da publicidade administrativa. Ao contrário disso, a sociedade civil tem o direito constitucional de saber o quanto tem dispendido com cada um de seus servidores, e mais ainda, de discutir porque certos dispêndios ultrapassam os limites estabelecidos nas normas legais, se for o caso. E não seria uma situação de risco hipotético ou subjetivo que poderia impedir o acesso público a informações desta natureza.
É importante ressaltar, sem pretender estabelecer qualquer tratamento discriminatório em relação a quaisquer servidores públicos ou qualquer pessoa pública, que o exercício da liberdade de expressão em relação a temas que lhes sejam afetos, como se dá na espécie, assume contornos mais amplos e comparativamente diversos daqueles normalmente aplicáveis aos indivíduos e pessoas privadas em geral. Por ser titular de um cargo ou uma função público, é natural que o indivíduo esteja sujeito a uma exposição e a um controle mais amplo, e que determinadas informações referentes a seu cargo ou função devam ser tornadas conhecidas de toda a sociedade em maior amplitude, seja pela própria natureza pública dos cargos e funções, seja porque, afinal, é a sociedade que custeia a sua existência, por meio do conjunto das receitas tributárias e não-tributárias do Estado. Desse modo, a liberdade de expressão goza de um âmbito de proteção mais alargado quando se trata da difusão de informações acerca de agentes públicos de qualquer natureza, em comparação com a liberdade de expressão referente a dados do particular. Por conseguinte, os valores privados da imagem, intimidade e vida particular têm, neste sentido, uma dimensão de proteção mais restrita, sendo tal discriminação constitucionalmente legítima, porquanto fundada no interesse público subjacente à informação e portanto à dimensão social da liberdade de expressão nesta seara.
Sobre o tema, pronunciou-se a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por ocasião do julgamento do caso HERRERA ULLOA VS. COSTA RICA, nos termos da sentença proferida em 02/07/2004, conforme o seguinte excerto, in verbis:
125. La Corte Europea de Derechos Humanos ha sostenido de manera consistente que, con respecto a las limitaciones permisibles sobre la libertad de expresión, hay que distinguir entre las restricciones que son aplicables cuando el objeto de la expresión se refiera a un particular y, por otro lado, cuando es una persona pública como, por ejemplo, un político. Esa Corte ha manifestado que:
Los límites de la crítica aceptable son, por tanto, respecto de un político, más amplios que en el caso de un particular. A diferencia de este último, aquel inevitable y conscientemente se abre a un riguroso escrutinio de todas sus palabras y hechos por parte de periodistas y de la opinión pública y, en consecuencia, debe demostrar un mayor grado de tolerancia. Sin duda, el artículo 10, inciso 2 (art.10-2) permite la protección de la reputación de los demás – es decir, de todas las personas – y esta protección comprende también a los políticos, aún cuando no estén actuando en carácter de particulares, pero en esos casos los requisitos de dicha protección tienen que ser ponderados en relación con los intereses de un debate abierto sobre los asuntos políticos. La libertad de prensa proporciona a la opinión pública uno de los mejores medios para c
onocer y juzgar las ideas y actitudes de los dirigentes políticos. En términos más generales, la libertad de las controversias políticas pertenece al corazón mismo del concepto de sociedad democrática.
126. En otra Sentencia, esa Corte sostuvo que:
[
] la libertad de expresión e información [
] debe extenderse no solo a la información e ideas favorables, consideradas como inofensivas o indiferentes, sino también a aquellas que ofenden, resulten chocantes o perturben. [
] Los límites de críticas aceptables son más amplios con respecto al Estado que en relación a un ciudadano privado e inclusive a un político. En un sistema democrático, las acciones u omisiones del Estado deben estar sujetas a un escrutinio riguroso, no sólo por parte de las autoridades legislativas y judiciales, sino también por parte de la prensa y de la opinión pública.
127. El control democrático, por parte de la sociedad a través de la opinión pública, fomenta la transparencia de las actividades estatales y promueve la responsabilidad de los funcionarios sobre su gestión pública, razón por la cual debe existir un margen reducido a cualquier restricción del debate político o del debate sobre cuestiones de interés público.
128. En este contexto es lógico y apropiado que las expresiones concernientes a funcionarios públicos o a otras personas que ejercen funciones de una naturaleza pública deben gozar, en los términos del artículo 13.2 de la Convención, de un margen de apertura a un debate amplio respecto de asuntos de interés público, el cual es esencial para el funcionamiento de un sistema verdaderamente democrático. Esto no significa, de modo alguno, que el honor de los funcionarios públicos o de las personas públicas no deba ser jurídicamente protegido, sino que éste debe serlo de manera acorde con los principios del pluralismo democrático.
129. Es así que el acento de este umbral diferente de protección no se asienta en la calidad del sujeto, sino en el carácter de interés público que conllevan las actividades o actuaciones de una persona determinada. Aquellas personas que influyen en cuestiones de interés público se han expuesto voluntariamente a un escrutinio público más exigente y, consecuentemente, se ven expuestos a un mayor riesgo de sufrir críticas, ya que sus actividades salen del dominio de la esfera privada para insertarse en la esfera del debate público.
Outrossim, sob outro enfoque, mesmo empregando no caso os critérios tradicionalmente adotados para a solução de supostos conflitos entre textos de normas constitucionais, à luz da teoria das chamadas colisões de direitos fundamentais e da proporcionalidade/ponderação de normas jusfundamentais, outra não poderia ser a conclusão a adotar. Como se sabe, sob este enfoque, nos casos de conflito entre normas constitucionais, a solução deve ser buscada a partir da máxima da proporcionalidade, assentada em três critérios (subprincípios): adequação (idoneidade), necessidade e ponderação.
Pelo primeiro critério (adequação/idoneidade, Angemessenheit/Geignetheit), somente se autoriza a restrição de determinada norma constitucional se essa for adequada para atingir os fins razoavelmente estabelecidos, a partir de juízo de prognóstico ou de probabilidade (die Prognosenentscheidung). No caso sub examen, mostra-se adequada a restrição, não da liberdade de expressão, mas sim da alegada intimidade e vida privada da parte autora, considerado o interesse público na divulgação da remuneração do servidor público e dos gastos orçamentos decorrentes.
O segundo critério da proporcionalidade é o da necessidade (Notwendigkeit/Erförderlichkeit), segundo o qual a restrição de um direito constitucional somente é admitida quando dentre todas as alternativas possíveis e disponíveis adota-se aquela que restrinja ou interfira o menos possível no âmbito de proteção do direito. Em outros termos, havendo meios menos gravosos, esses devem ser os adotados. No contexto que ora se examina, não há dúvidas de que a ré adotou o meio menos gravoso possível aos direitos da personalidade da parte autora, uma vez que se limitou a divulgar-lhe o nome e a remuneração, sem explicitar outros dados pessoais que devam permanecer em segredo, como números de documentos de identificação pessoal e endereço residencial.
Por fim, o terceiro critério da proporcionalidade corresponde ao que a doutrina (ALEXY, Robert. Epílogo a la teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004; ALEXY, Robert. On balancing and subsumption. A structural comparison. Ratio Juris. Vol. 16. Dec/2003. p. 433-39) denomina de “Lei substantiva da ponderação” (The Substantive Law of Balancing), enunciada pelo nos seguintes termos:
Quanto maior o grau de não-satisfação de um direito ou de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro.
Segundo ALEXY, a aplicação da “lei da ponderação” deve seguir três etapas (o que o autor denomina de escala triádica, triadic scale), assim enunciadas:
A lei da ponderação mostra que a ponderação pode ser divida em três momentos. No primeiro momento, é preciso definir o grau de não-satisfação ou de afetação de um dos princípios. Logo, no segundo momento, define-se a importância da satisfação do princípio que atua em sentido contrário. Finalmente, no terceiro momento, deve definir-se se a importância da satisfação do princípio contrário justifica a afetação ou a não-satisfação do outro. (ALEXY, Robert. Epílogo a la teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios, 2004. P. 49.) [Traduzimos livremente]
Aplicando a teoria ao caso sub juditio chega-se às seguintes conclusões:
1ª – Primeira fase da lei “da ponderação”: nesta etapa, procura-se definir, de forma concreta, os graus de não-satisfação das normas constitucionais em colisão, comparativamente. Estuda-se portanto o grau de interferência no âmbito de proteção das normas jurídicas envolvidas no conflito/colisão. Assim, se se der prevalência à tese da parte autora, reconhecendo que a publicação não estaria amparada pelo princípio da liberdade de expressão (Artigo 5º, inciso IX, CRB/88), o grau de satisfação desse direito seria ZERO, ou seja, o grau de interferência no seu âmbito de proteção seria MÁXIMO. Pode-se dizer, pois, que se está diante de uma restrição ou não-satisfação ou cedência GRAVE (segundo ALEXY, uma não-satisfação “séria”, serious), porque nega toda a eficácia do direito constitucional. Por outro lado, se se der prevalência à liberdade de expressão, o grau de afetação dos direitos que circundam a intimidade e a vida privada, àquela contrapostos, é MÍNIMO, porque os dados referentes à remuneração dos servidores são de natureza pública, ainda que não sejam conhecidos do grande público; ademais, como acentuado a imagem, intimidade e vida privada do funcionário público ostenta um grau de proteção menor, se comparada com os mesmos direitos reconhecidos ao particular, como já assinalado. Estamos, portanto, diante de uma restrição LEVE ao direito em questão (segundo ALEXY, uma não-satisfação “leve”, light).
Desse modo, entre a restrição máxima de um dos direitos fundamentais envolvidos no aparente conflito de normas, e a restrição mínima do direito fundamental oposto, há de se optar por esta. Ademais, cumpre reconhecer que, no presente caso, a não-satisfação máxima da liberdade de expressão não implica uma maior e mais relevante satisfação dos direitos à intimidade e à vida privada. Ao contrário, a satisfação dos direitos de inviolabilidade à honra, à imagem, à intimidade e à vida privada da autora é compossível com um grau elevado e importante de satisfação do direito de liberdade de expressão e de imprensa. Os direitos em tensão, portanto, são compatíveis, e tal compatibilidade se dá precisamente na forma da divulgação levada a efeito pela ré, ou seja, sem a divulgação de dados de ordem pessoal como endereço e documentos de identidade pessoal.
2ª – Segunda fase da “lei de ponderação”: neste passo, procura-se definir o grau de importância aproximado de cada uma das normas em colisão, considerando-se 2 (dois) parâmetros: o sistema normativo constitucional, e o nível de perdas e ganhos das restrições impostas (relação custo-benefício). Assim, indaga-se: intuitiva ou cataleticamente, o que é mais importante do ponto de vista social e da perspectiva da ordem jurídica democrática, no caso concreto, manter o sigilo dos dados referentes à remuneração do servidor público ou assegurar a divulgação desses dados pelas diversas mídias? O que mais se afigura consentâneo com o sistema constitucional e internacional protetivo da liberdade de expressão e de informação? O que mais satisfaz ao interesse comum de uma sociedade democrática ou em via de democratização constante? Como já restou demonstrado, no presente caso, a liberdade de expressão apresenta um grau de importância abstrata mais significativo do que os direitos à intimidade e à vida privada do funcionário público no contexto que ora se examina, pelas razões que aduzimos.
3ª – Terceira fase da lei de ponderação: nesta etapa da aplicação da lei da ponderação, comparam-se os resultados obtidos nas duas etapas anteriores. Aqui ALEXY insere um novo elemento de argumentação, que denomina de confiabilidade das premissas empíricas (reliability of the empirical assumptions), que dá origem a uma Segunda Lei da Ponderação (chamada de Lei Epistêmica da Ponderação, Epistemic Law of Balancing), segundo a qual,
Quanto maior for o grau de interferência em um direito constitucional, maior deve ser a certeza das premissas empíricas.
Ora, no caso versado nos autos, a alegação de que a divulgação impugnada poderia colocar a autora em situação de perigo ou risco pessoal ou familiar não apresenta premissas empíricas que sejam confiáveis, certas ou seguras, dado o caráter puramente abstrato, aleatório e metafísico do risco alegado. Portanto, desserve a alegação para amparar a interferência máxima do direito à liberdade de expressão assegurado à requerida, que, também sob este enfoque, deve prevalecer.
No que tange ao pedido contraposto formulado pela requerida, não vislumbro sequer a necessidade de colheita da manifestação da parte autora, ora dispensada com base no princípio da economia processual (Artigo 2º, Lei 9.099/95), dado o manifesto descabimento do pleito e sua evidente improcedência. No caso, a pretexto de obter indenização a título de danos materiais, o que verdadeiramente pretende a requerida é o ressarcimento por despesas que, em rigor, qualificam-se como despesas processuais, inerentes ao próprio exercício do direito de ação e de defesa. Portanto, não deve prosperar a pretensão de reparação a esse título, uma vez que, no âmbito dos juizados, não cabe a condenação em verba correspondente a despesas processuais até a prolação da sentença, como dispõe expressamente o Artigo 54, caput, da Lei 9.099/95, in verbis: “Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.” Portanto, se a parte ré teve gastos com o deslocamento de seus prepostos, a fim de atender às sessões conciliações, esses gastos constituem despesas processuais cujo ressarcimento não encontra amparo legal.
Por fim, não se configura na espécie a alegada litigância de má-fé pela parte requerente, pois não preenchidos os pressupostos previstos no Artigo 17 do CPC, mas sim o legítimo e regular exercício do direito de ação, que goza de amparo constitucional (Artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República). Neste cenário, a simples circunstância de diversos servidores terem decidido, simultaneamente, acionar a parte ré, para a responsabilização por atos ou conduta que, no seu entender, configuraram violação a direitos fundamentais, não configura o abuso do direito de ação, ainda que improcedentes os pleitos formulados (análise que diz respeito ao mérito da ação e não ao seu juízo de admissibilidade). Ademais, como já acentuado, o fato de a Constituição da República e o direito internacional assegurarem o direito de liberdade de expressão não torna o titular deste direito imune à jurisdição, notadamente para a responsabilização posterior prevista no Artigo 13.2 do Pacto de São José da Costa Rica, quando este for o caso, norma esta que guarda relação de consonância com o preceito constitucional segundo o qual nenhuma ameaça ou lesão a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.
Por esses fundamentos, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e na contestação, razão por que DECLARO EXTINTA essa fase processual, com resolução de mérito, nos termos do Artigo 269, inciso I, do CPC.
Sem custas nem honorários sucumbenciais, nos termos dos Artigos 54 e 55 da Lei 9.099/95.
Operando-se o trânsito em julgado, desde que devidamente certificado pela Secretaria deste Juízo, fica deferido o desentranhamento dos documentos juntados.
Ato contínuo, promova-se a baixa e arquivem-se.
Publique-se/Intimem-se.
Brasília – DF, sábado, 11/02/2012 às 18h47.
Ruitemberg Nunes Pereira
Juiz de Direito Substituto
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