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A ideia em um segundo
Nas duas últimas semanas a intervenção de Bolsonaro na Petrobras, a perspectiva forte de um auxílio emergencial sem corte de gastos e os desdobramentos do caso Daniel Silveira iluminaram como raramente se viu antes os caminhos pelos quais governo, Executivo, Legislativo e Judiciário avançam. Cada vez mais se desnuda a dinâmica de um presidente populista que só almeja a reeleição em 2022 enquanto o restante do sistema político cuida de seus próprios interesses.
Rasgando a fantasia econômica
Bolsonaro perdeu as peias que o impediam de intervir nas estatais. Após demitir, de forma ruidosa, Joaquim Levy da presidência do BNDES ainda no primeiro ano de seu governo, deu há poucas semanas um freio no presidente do Banco do Brasil que pretendia demitir funcionários e trocou agora o comando da Petrobras para instalar um controle de preços – negue quem puder, acredite quem quiser. Ainda promete intervir no setor elétrico. Não há mais constrangimento.
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Sem se interessar nos últimos dois anos por nenhuma solução técnica para os preços dos combustíveis que diminuísse a volatilidade no mercado interno de forma transparente, o presidente resolveu, em prol de sua popularidade, dar um tiro de canhão na companhia. O custo em Bolsa de Valores passou de uma centena de bilhões, mas o gesto dá uma sobrevida ao capitão com sua dileta categoria dos caminhoneiros, que o apoiou em massa na eleição de 2018.
Na frente fiscal o Congresso passou o recado em cores e ao vivo: haverá auxílio emergencial, mas não virão cortes de gastos hoje e nem promessas para o amanhã. Pode e deve surgir alguma maquiagem, mas a clareza é meridiana: voltamos ao expediente do financiamento via dívida como solução principal para qualquer conflito político.Por trás das decisões de Bolsonaro e do Congresso, que age com a concordância do Planalto, ergue-se a lógica brasileira ancestral de não enfrentar conflitos políticos e passar a conta para a coletividade, seja a atual, via inflação, ou futura, via dívida.
A degradação das expectativas econômicas deve fluir naturalmente caso não ocorra um choque externo benigno tão imprevisível quanto improvável. A dúvida é se a degradação será suficiente para corroer de forma definitiva o bolso do eleitor de Bolsonaro até outubro de 2022. Quanto aos donos do dinheiro grande, a lição está clara e posta sobre a mesa: Bolsonaro não gere a economia de forma responsável e não faz reformas. Em 2022 deverão avaliar decisões do passado e escolher o rumo a seguir: continuação ou mudança.
PublicidadeMemórias do cárcere
O deputado Daniel Silveira foi preso por atacar os ministros do STF… e por atentar contra princípios democráticos, constitucionais etc. Não há dúvida que princípios não são a grande motivação das transações a ocorrer, basta lembrarmos da omissão ou impunidade ululantes dos casos Flordelis e Wilson Santiago. Como nos ensinou Roberto Schwarz com As ideias fora do lugar, democracia e República no Brasil têm cheiro de verniz, e função. Princípios moldam-se a conveniências pessoais.
Procurar entender a decisão do Supremo dentro dos cânones judiciários pode dar um bom trabalho, como por exemplo entender o que é “flagrante”, mas o que avulta na decisão é seu aspecto político. O STF manifestou posição unânime, corporativa, definindo a linha política da qual ele não arreda pé.
Nossa suprema corte tem sido um ator político extremamente ativo, cioso de seu naco de poder. Árbitro de conflitos externos, vigia atentamente suas prerrogativas e interesses. Diante da claque política que alcançou a Câmara dos Deputados atirando pedras na Cidadela dos Magistrados, seus habitantes avisaram à planície que algumas ações não serão aceitas.
O Centrão, agora dominante na Câmara dos Deputados, articulou de bate-pronto o enfrentamento. Ao defenderem o próprio telhado de vidro, muitos correram a levantar as mãos e as vozes para que o teto não desabasse sobre suas cabeças. Depois, diante de aconselhamento e melhor juízo, perceberam que era possível expelir o “corpo estranho”, deputado novato com discurso antissistema, sem abalos ao principal – business as usual.Processou-se a manutenção de Daniel Silveira no cárcere dentro do figurino, mas recados começaram a ser dados. O presidente da Câmara, Arthur Lira, falou em “ponto fora da curva” e imediatamente anunciou uma comissão para defesa das prerrogativas parlamentares. Três propostas legislativas, uma inclusive de mudança na Constituição, surgiram durante a semana na tentativa de restringir o poder do Judiciário sobre a prisão de parlamentares e praticamente inviabilizar a prisão de deputados e senadores.
O silêncio de Bolsonaro em relação ao seu fiel apoiador soou límpido. Não quer desagradar ao STF, pois o teme. E seguirá de braços com o Centrão na expectativa de conseguir seu apoio em 2022.
A claque certamente não gostou do silêncio do presidente, o que colocou mais energia no desgaste da relação e no desgarramento do líder.Numa eleição que terá novamente a cara de “normal”, isto é, em que contam tempo de TV, palanques estaduais, financiamento de campanha, e quando as chances eleitorais de Bolsonaro passarão pela avaliação de seu desempenho pregresso no trato da economia, da pandemia e de tudo o mais que o eleitor reputa ao presidente de plantão, o empilhamento de crises e vexames morais desgasta. Bolsonaro provavelmente se assemelha aos petistas mais ferrenhos quando eleva suas orações aos deuses que montarão a cena em 2022; suspira “Lula livre”, sua chance de “desnormalizar” a eleição e aumentar a probabilidade de vitória.
Quanto à esquerda, navega submersa nos acontecimentos das últimas semanas, como se quisesse simplesmente evitá-los num distanciamento confortável. Emergirá à frente sem olhar para trás, sem discutir corporativismo, falta de responsividade do Parlamento e do STF, intervenção nas estatais e gastos públicos não sustentáveis.
As duas últimas semanas foram riquíssimas em significado. Agora há luzes para compreender melhor o futuro, mas elas caem sobre a treva da realidade.
Termômetro
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Geladeira
O Congresso não esperou uma semana, desde o dia em que aprovou a prisão do deputado Daniel Silveira, para dar uma resposta ao Supremo Tribunal Federal. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o seu grupo político, o Centrão, elaboraram em tempo recorde uma proposta de emenda constitucional para dificultar a prisão de deputados e senadores. E a colocaram na pauta do plenário com rapidez nunca vista. A PEC reduz o poder do Judiciário e aumenta o do Congresso para blindar parlamentares flagrados cometendo crimes. Ministros do STF e deputados contrários à proposta consideram a manobra revanchista.
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Chapa quente
O Brasil chegou nesta semana à trágica marca de 250 mil mortes em decorrência da covid-19. Atrás no ranking mundial apenas dos Estados Unidos, que já passam de meio milhão de mortos, o país assiste ao número de óbitos crescer em ritmo cada vez mais acelerado, em meio à falta de vacinas e à disseminação de novas variantes do vírus. Motivos para temer pelo que vem pela frente são vários: da postura negacionista do presidente, que contagiou grande parte da população que ignora as medidas de biossegurança, passando pelo cenário econômico e social desolador, à incompetência do Ministério da Saúde, que não consegue implementar um plano de vacinação.
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