Assis Carvalho*
— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.
— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.
João Cabral de Melo Neto, “Morte e vida severina”
A associação da seca com o Nordeste está impregnada no imaginário popular brasileiro. De fato, há relatos de grandes secas na região desde o século XVI; uma das mais devastadoras ocorreu em 1877, quando morreram cerca de 500 mil pessoas. O imperador D. Pedro II esteve no Nordeste e prometeu “vender até a última joia da Coroa” para amenizar o sofrimento dos súditos nordestinos. Não vendeu, é claro, e novas secas vieram. No século XX, a mais longa estiagem se deu entre 1979 e 1985, provocando uma onda de saques. A ponto de o último general da ditadura, João Figueiredo, dizer que “só restava rezar” para chover no Nordeste.
Durante décadas, a seca foi manipulada politicamente. As oligarquias locais – os chamados “coronéis” – difundiram a ideia de que a natureza era a grande responsável pela miséria que martirizava o povo nordestino. Ocultava-se, desta maneira, as causas históricas dessa miséria – a enorme concentração fundiária e de poder político. Ao mesmo tempo, os senhores da terra se beneficiavam com os subsídios do governo federal, via Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). A União também realizava grandes obras, como barragens e açudes, que consumiam muito dinheiro público e beneficiavam os grandes proprietários, em detrimento dos pequenos produtores, os que mais sofrem com a seca. Era a “indústria da seca”, que reforçava o latifúndio e o mandonismo.
Nos últimos anos, contudo, as coisas começaram a mudar. Desde o início do governo do presidente Lula, o Nordeste vem sendo beneficiado com investimentos maciços em infraestrutura e com a implantação de uma ampla gama de programas sociais, como o Bolsa Família, e programas de incentivo ao pequeno produtor rural. Além disso, a reforma agrária já criou milhares de assentamentos na região. O resultado foi que a renda do Nordeste aumentou 72,8% em apenas uma década. Em relação à seca, o governo começou a adotar políticas públicas de caráter permanente, bem como práticas sustentáveis para lidar com o semi-árido nordestino.
Agora, a região enfrenta mais uma vez um período de escassez de chuvas, que os técnicos acreditam ser o pior em 50 anos. Preocupado com os problemas da região, o governo federal adotou rapidamente uma série de medidas de urgência. Em reunião da Sudene com governadores do Nordeste, a presidenta Dilma Rousseff anunciou a liberação de R$ 9 bilhões em programas emergenciais para enfrentar os efeitos da seca. Com isso, subiu para R$ 16,6 bilhões o montante de recursos federais destinados ao convívio da população com os efeitos da estiagem. Também foi ampliada em R$ 350 milhões a linha de crédito emergencial, que já disponibilizou R$ 2,4 bilhões. O governo também ampliou o prazo para pagamento das dívidas dos agricultores dos municípios que decretaram situação de emergência.
Como parlamentar, minha contribuição para resolver o problema do déficit hídrico é a proposta de integração das bacias, que visa implantar um sistema hidráulico para integrar a Bacia do rio São Francisco e as bacias da fronteira seca do estado do Piauí. O governo está estudando a proposta.
Como bem lembrou a própria presidenta Dilma, a seca atual, apesar de severa, não produziu os mesmos efeitos trágicos de outros tempos. As medidas emergenciais são absolutamente necessárias; contudo, elas não substituem a consolidação de políticas públicas permanentes, que garantam à população o acesso aos serviços sociais básicos e criem condições de desmontar as estruturas oligárquicas de poder. Ainda estamos longe de acabar com as mazelas que afligem o povo nordestino. Mas agora temos a oportunidade histórica de acabar de vez com essa chaga.
*Assis Carvalho é deputado federal pelo PT do Piauí
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