Sylvio Costa
Quer guardar na caixola uma lembrança positiva da legislatura que hoje chega ao fim? Então anota aí. Nos últimos quatro anos, deputados e senadores aprovaram a reforma do Judiciário, o Estatuto do Idoso, a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, a nova Lei de Falências, o fundo para financiamento da educação básica (o Fundeb) e os inúmeros textos legais que possibilitaram ao Executivo planejar e executar o orçamento federal com relativa tranqüilidade.
Sob a ótica legislativa, foi um Congresso que produziu muito em 2003, primeiro ano do governo Lula, e, em menor grau, 2004. A partir de 2005, perdeu-se nas crises que se sucederam: Correios, mensalão, mensalinho, sanguessugas… Para fechar com chave de ouro, o vexame da fracassada tentativa dos parlamentares de dobrar seus vencimentos, no final do ano passado.
Matérias fundamentais não foram votadas ou foram examinadas apenas parcialmente. Alguns exemplos: o fim das votações secretas que protegeram a identidade dos parlamentares que absolveram 16 deputados envolvidos no caso do mensalão; a reforma tributária; a reforma política; a extinção de 1.353 cargos comissionados, prometida e não votada; a proposta de emenda constitucional (PEC) do trabalho escravo.
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A safra de congressistas que agora encerram o mandato – muitos dos quais se reelegeram – fica conhecida, porém, menos pelas leis que fez ou deixou de fazer, do que pelas repetidas demonstrações de desafio às aspirações da população. O Congresso em Foco as tem registrado sistematicamente, desde o lançamento do site, três anos atrás. Saiba, ou lembre, por que Suas Excelências frustraram tanto seus eleitores…
O grande nó
Escândalos + corporativismo. Parte da imensa crise de credibilidade na qual o Parlamento mergulhou vem dessa combinação. Quase um terço do Congresso foi alvo de acusações criminais ou investigações oficiais (leia mais), um recorde histórico. E o Congresso aplicou poucas punições contra seus integrantes. Cassou menos parlamentares que a Justiça eleitoral.
No caso do Senado, registre-se, não houve punição nenhuma contra parlamentares por vontade dos senadores (João Capiberibe, PSB-AP, foi cassado pela Justiça). E a instituição, que não é exatamente um ás no volante, exibiu notável agilidade para tirar da curva os senadores denunciados por envolvimento com o escândalo das ambulâncias.
Pouco trabalho
Como o Senado não divulga tais informações, há dados disponíveis apenas sobre a Câmara. Das 140 sessões deliberativas realizadas em 2006, só em 24 (17,14%) houve votação (veja os detalhes).
Um em cada cinco deputados que estiveram no exercício do mandato compareceu a menos de 75% das sessões deliberativas. As faltas somadas pelos parlamentares nos últimos quatro anos chegam a 51.830 (leia mais).
Inconstância partidária
Levantamento deste site mostrou que 193 deputados trocaram de partido desde janeiro de 2003. Também mudaram de legenda no período 15 dos 81 senadores. Raros foram os casos em que as mudanças foram movidas por divergências ideológicas. Na grande maioria das vezes, tratou-se de escolher um lugar mais aprazível para desfrutar das benesses do poder.
Daí para deduzir que a maior parte dos políticos age em função de interesses pessoais, é um pulo. A dança dos partidos ajuda a consolidar no imaginário popular a visão de que política é, para a maioria dos que a ela se dedicam, um negócio, com freqüência escuso, no qual vale a pena ser infiel e não se apegar a idéias, propostas.
Grau de iniciativa
Ficou patente, mais uma vez, que o Executivo é o grande legislador no Brasil. Em 2006, ele tomou a iniciativa de 67% das 186 leis e emendas constitucionais que entraram em vigor (saiba mais). O Congresso também ficou a reboque na discussão dos grandes temas nacionais, como a definição da política econômica e de políticas públicas setoriais ou a discussão sobre a inserção do país no mundo.
Bobagem pensar, contudo, que nada presta no Congresso ou na legislatura que se vai. Ou, erro ainda mais grave, supor que o Brasil estaria melhor sem ele. Bem ou mal, o Parlamento reflete as angústias nacionais e, vez por outra, dá passos positivos no sentido de superá-las.
Há congressistas, além disso, que se distinguem pelo bom uso que fazem do mandato. Foi na tentativa de estimular os brasileiros a os identificarem que este site lançou ano passado o Prêmio Congresso em Foco (veja quais foram os parlamentares mais votados pelos internautas e como foi a cerimônia de premiação). Esperamos que a partir de 2007 tenhamos mais motivos para premiar. Leia-se: que mais parlamentares contribuam para melhorar a qualidade da representação política no país. E que cada vez mais brasileiros acompanhem e fiscalizem os eleitos, desenvolvendo inclusive a sabedoria que permite separar o joio do trigo.
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