Capitão Nascimento foi promovido a tenente-coronel e provavelmente votou em Marina Silva no primeiro turno das eleições. Deve ter virado vegetariano. Perdeu aquele fascismo delicioso que era o combustível de sua Tropa 1. O tenente-coronel não enquadra mais os maconheiros da PUC e abandonou os sacos plásticos para asfixiar a arraia miúda da bandidagem. Como diz o subtítulo do filme, agora os inimigos são outros.
Parece que a lógica brucutu foi reciclada com o intuito de calar a boca dos mauricinhos-otários da imprensa. Eu já havia notado isso nas entrevistas e fotos do diretor do filme, José Padilha. Peito estufado, e aquela cara do sádico satisfeito e disciplinador que cumpriu sua missão, rosnando para dentro, manjam? A mim não engana. Padilha continua achando que os estudantes da PUC são uns maconheirozinhos de merda que sustentam o tráfico de drogas e a violência no Rio (não discuto isso). No entanto, agora usa argumentos politicamente corretos e “civilizados” para enquadrar os manés “esquerdopatas” que o acusaram de fascista no primeiro filme. Creio que Padilha se imagina um estrategista. No entanto, se o Capitão Nascimento de Tropa 1 tivesse lido Philip Roth, diria que o diretor é um frouxo, vacilão.
A propósito. Uma declaração de Roth sobre Céline: “Na França, meu Proust é Céline. Mesmo se seu antissemitismo o torna um ser abjeto, intolerável, trata-se de um grande escritor – para lê-lo, porém, devo deixar em suspenso minha consciência judaica. Céline é um grande libertador: sinto-me chamado por sua voz.”.
Alguém consegue imaginar um Céline compassivo? Um Pasolini burguês? Antonioni tagarela? Alguém consegue imaginar um Nelson Rodrigues de braços dados com Dr. Alceu de Amoroso Lima numa passeata contra a ditadura?
Van Gogh bem-sucedido só existe no banco Real, atual Santander.
Todo grande artista tem uma marca, que nada tem a ver com marketing. Uma assinatura que transcende ideologias, ignora conveniências e atravessa o tempo, mais ou menos foi isso o que Roth quis dizer aí em cima. Pois bem, José Padilha perdeu uma grande chance nesse Tropa 2. Abriu mão da assinatura, do esculacho fascistóide que servia para lavar a alma de uma classe média racista, acuada, arrogante e sedenta de vingança e trocou o seu tesouro (cada um tem o tesouro que merece…) pelas teses do inimigo; ou seja, para agradar meia dúzia de patrulheiros da USP e outra meia dúzia de viadinhos culturais histéricos, José Padilha perdeu a chance de ser ele mesmo. Alguém consegue imaginar frei Leonardo Boff colunista da Veja?
Tem coisas nessa vida que não combinam. Mas que – às vezes – por obra do imponderável acabam se transformando em consenso. Esse Tropa de Elite 2 proporciona o mesmo efeito de uma pizza de chocolate. Ou é tão esdrúxulo quanto. Claro que todos os recordes de público serão quebrados e talvez o Brasil ganhe o primeiro Oscar, mas como criador, esse Padilha devia ir pra casa (“Vai pra casa Padilha!”, lembram?) e acertar as contas com sua escrotice seminal. Não se faz arte de outro jeito. Aliás, não dá para comungar nem com Deus nem com o diabo, não dá sequer pra se dizer bom dia pro porteiro do seu prédio se você – ao menos duas vezes na vida – não for honesto com a banda podre de si mesmo. Fora disso, é tudo artifício, dissimulação, mentira.
No caso do Zé Padilha, sobrou a velha retórica de escoteiro e uma arma de brinquedo apontada para um ente abstrato chamado “sistema” (?). Não bastasse, o resultado da soma retórica+inimigo abstrato é igual a lugar-comum. Uma lógica encurralada em si mesma. Coitado do tenente-coronel Nascimento. Esgotou-se. Ou, pensando melhor, ainda tem um destino. Num eventual Tropa 3, o coronel Nascimento acabaria virando uma espécie de monge zen-macrobiótico com especialização em decoração de interiores e feng-shui. Seria o papel da vida de Wagner Moura, que finalmente teria a oportunidade de encarnar um Karatê Kid no esplendor de sua maturidade, fofura e autocontrole. Os homens-caveira do Bope iriam relaxar os esfíncteres e se identificariam, eu aposto. E assim Padilha arrumaria um pretexto para disfarçar sua limitação. Assim, ele se converteria à lenga-lenga politicamente correta e à babaquice de uma vez por todas.
Tem mais. Tenente-coronel Nascimento é corno de um “deputado do bem” que enfia um monte de minhocas na cabeça de seu filho adolescente. O moleque é baleado numa emboscada. Eita! Nesse momento, o herói do Zé Padilha e do Bráulio Mantovani (co-roteirista do filme) se converte à causa corno-humanista e vai caçar seus inimigos ou o tal do “sistema” como se estivesse no filme mais imbecil do Arnold Shuwazenegger.
Quando eu tinha 13 anos de idade, também acreditava que a culpa era do sistema. Hoje, acho que o problema está no roteiro. Bem, eu falava do ápice do filme. Isso mesmo, acreditem. O ápice, quando Nascimento cerca um político corrupto numa blitz e enche o fulano de porrada. A plateia sente-se vingada, urra e quase interrompe a sessão aos aplausos.
Pô, Zé Padilha! Aquele personagem inspirado no apresentador Wagner Montes contaminou você e o Bráulio Mantovani até dizer chega. Que fiasco! Vocês conseguiram ser mais sensacionalistas que ele, o Datena e o Ratinho juntos. A gente não precisa pagar ingresso para ver o Wagner Montes esculachar o “sistema”, denunciar as milícias e meter porrada em político corrupto. Uma questão de savoir-faire. Além do mais, Montes, Datena e Ratinho são toscos de verdade e a ambição dialética deles é igual a zero. O falecido capitão Nascimento virou uma moça de leite Ninho histérica. Se o filme é bom?
Acho que os sociólogos da USP, a Regina Casé e a Patrícia Travassos vão adorar. Mas quem é que está falando de pipoca? Estou dizendo que José Padilha tem apenas uma chance para recuperar seu talento (ou tesouro). Recomendo a leitura de Céline, Cioran e Pasolini, além dos filmes desse último. Depois disso, ele podia ir ao encontro do fascismo que bombeia todas as veias de seu coração sádico e justiceiro. Ouça o coração, meu chapa. Seja fascista, Padilha!
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