Na falta de um parlamentar assumidamente homossexual em Brasília, o movimento gay aposta nas eleições municipais deste ano para estabelecer uma base eleitoral mais consistente. O PT de São Paulo está lançando, inclusive, uma sugestão de plano de governo direcionada à comunidade homossexual paulistana como forma de alcançar o eleitorado da prefeita Marta Suplicy, candidata à reeleição e autora do projeto que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Por enquanto, as entidades que defendem os direitos dos homossexuais têm de apostar na multiplicação do sucesso de dois vereadores travestis, eleitos em estados que têm no conservadorismo e no machismo os seus principais laços: Piauí e Minas Gerais.
A pequena Colônia do Piauí, a 350 quilômetros de Teresina, prepara-se para eleger pela quarta vez consecutiva a vereadora Kátia Tapety (PPS), uma das figuras de maior respeito na região do atual governador do estado, Wellington Dias (PT). Ex-presidente da Câmara Municipal, a sua reeleição é dada como favas contadas na cidade de 5 mil eleitores.
Registrada como José Nogueira Tapety Sobrinho, a parteira e dublê de assistente social conseguiu reunir o apoio de adversários políticos do estado, como os ex-governadores Hugo Napoleão (PFL) e Mão Santa (PMDB). Filha de uma família de políticos – ela é prima do ex-deputado federal Tapety Junior e dos estaduais Juarez e Mauro Tapety –, Kátia vive com o companheiro e duas crianças, uma delas filha de outro relacionamento do atual “marido”.
A militância social e política, segundo ela, fez com que conquistasse o respeito daqueles que, de início, resistiam à sua figura. “Todos me respeitam e tratam como uma senhora. Quando chego e estão falando sobre sexo, mudam de assunto na hora e dizem: ‘Vamos respeitar a vereadora’”, diz a parlamentar que há oito meses trocou o PFL, pelo qual se elegeu nas três eleições que disputou, pelo PPS, do ministro Ciro Gomes, seu ídolo político. “O meu sonho, além de ser prefeita, é conhecer Ciro pessoalmente”, conta Kátia.
As ambições políticas da piauiense não são acompanhadas pelo vereador Galo Véio (PMN), de Formiga (MG). Moacir Alves, como é batizado, classifica-se como travesti, embora faça questão de vestir o terno toda vez que se dirige à Câmara Municipal. “Quando estou fora, me sinto mais à vontade para me vestir como quiser”, diz.
O envolvimento do vereador com a política veio por acaso e não tem qualquer relação com a militância pelos direitos humanos. Em 1999, depois de uma rápida aparição no Programa do Ratinho, do SBT, em que tentou, sem sucesso, conseguir apoio para a realização da cirurgia de troca de sexo, Galo Véio viu sua popularidade crescer no município de 60 mil habitantes. “O preconceito ainda é forte, nenhum projeto meu vai para frente”, avalia. A experiência, na opinião do vereador, tem sido válida. Com o salário que recebe da Câmara, está juntando dinheiro para fazer a cirurgia.
Rumo às urnas
O movimento homossexual promete intensificar este ano o lançamento de candidatos que defendam a causa e não reforcem os estereótipos, diz o secretário-geral da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Toni Reis, que já se candidatou duas vezes a vereador pelo PSB de Curitiba. “Teremos candidatos a vereadores em vários estados, representantes de todos os partidos, do PSTU até o PFL, para quebrar a resistência de um homossexual votar em outro homossexual.”
Entre as capitais, o maior avanço político do movimento homossexual se deu em Salvador, onde há quatro anos, Marcelo Cerqueira, ligado ao Grupo Gay da Bahia, é suplente de vereador. No Executivo, apenas o prefeito de Paraty (RJ), José Cláudio Araújo, assumiu a homossexualidade.
O insucesso eleitoral da comunidade nos grandes centros e a surpreendente vitória em pequenos municípios é uma curiosidade que poucos se arriscam a explicar. Para o deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ), a proximidade contribui para quebrar o preconceito. “Só votarão em um travesti que se apresenta no horário eleitoral aqueles que defendem a causa. Agora, quando o eleitor conhece um travesti, de carne e osso, aumentam as chances de o candidato ser respeitado e ganhar a eleição”, avalia.
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