Paulo Pimenta*
Mais uma vez, volto a tratar da qualidade dos serviços prestados aos consumidores em nosso país. Recentemente, proferi no grande expediente da Câmara dos Deputados um discurso que levou a uma grande repercussão entre a população. As inúmeras manifestações de apoio me trazem a convicção de que, atualmente, esse é um dos maiores problemas enfrentados pelos brasileiros em suas relações com as empresas das quais contratam serviços.
Desde 1990, os brasileiros possuem um valioso instrumento de proteção: o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Quando entrou em vigor, o CDC foi apontado como um dos mais avançados do mundo. Com ele, nosso país deu um salto gigantesco na defesa do que sempre chamei de “lado fraco” da relação consumidor-empresa: o cidadão.
Com a vigência do novo Código, o fortalecimento e a multiplicação dos Procons, essa conquista se tornou visível. É incrível o esforço que esses abnegados servidores fazem cumprindo seu trabalho, tornando os Procons órgãos de verdadeira excelência. Mesmo tendo de atender a uma gigantesca demanda e possuindo limitados recursos estruturais e humanos, os serviços por eles prestados são eficientes e quase sempre irretocáveis.
Uma profunda mudança de mentalidade foi iniciada desde 1990, mas muito ainda precisa acontecer para que atinjamos a plenitude desse avanço. Muitas vezes o Código é desrespeitado, ocorrendo também implementações parciais de alguns pontos: o que interessa é aplicado; o que não, esquecido. Apesar de ser uma lei excelente, o Código sempre careceu de uma defesa mais incisiva em determinadas áreas. Faça-se justiça, os governos nem sempre deram o apoio institucional e político de que os órgãos de proteção precisavam para enfrentar seus adversários nessa luta quixotesca: as grandes corporações.
Sei como são negativos os efeitos do mau atendimento por parte das empresas, e acredito ser fundamental que lutemos por maior qualidade na prestação deste serviço. Por isso, sempre dediquei parte de minha atuação parlamentar a este tema.
Apesar de serem muitas as iniciativas parlamentares, elas invariavelmente encontram muitas dificuldades para tramitar no Congresso Nacional. Demoram anos a percorrer as comissões temáticas e, quando chegam à votação em Plenário, correm o risco de simplesmente não serem aprovadas. Isso ocorre, já disse em outras oportunidades, porque vão de encontro a interesses poderosos de grandes empresas.
Mesmo sabendo dessas dificuldades e enfrentando resistências dentro e fora do Congresso, estou convencido de que somente a persistência nessa luta poderá nos levar a um equilíbrio na relação consumidor-empresa.
Com o passar dos anos, alguns avanços pontuais se fizeram sentir, e há poucos dias foram anunciadas medidas que atacam os problemas em dois setores que são campeões de reclamações: a telefonia móvel e as televisões a cabo.
Na área da telefonia móvel, entraram em vigor medidas que irão beneficiar amplamente os seus mais de 120 milhões de consumidores. As operadoras terão de atender às solicitações de cancelamento de linha em até 24 horas, independentemente da existência de débitos. Todas as reclamações ou questionamentos deverão ser solucionados ou respondidos em até cinco dias. Em caso de cobrança indevida, os valores terão de ser ressarcidos em dobro e com correção monetária.
A validade dos créditos pré-pagos será de 180 dias, sendo que será revalidado o uso dos mais antigos quando de novas recargas. Mesmo quando não houver crédito, os aparelhos poderão continuar ligando para números 0800 e de emergência (parece incrível, mas, para as operadoras, o cliente que não possuísse créditos no celular não tinha o direito de chamar socorro em caso de necessidade!).
E aquele que aparenta ser o maior dos problemas também tem tudo para acabar: as empresas terão de manter atendimento presencial aos clientes, acabando com a situação surreal de nos indignarmos com gravações de vozes mecânicas que nem entendem o que dizemos, que dirá solucionar nossos problemas. Agora, poderemos nos dirigir à empresa e exigir, pessoalmente, o atendimento de nossa solicitação, acabando com o subterfúgio usado pelas empresas de se esconderem atrás de intermináveis – e pagas – ligações telefônicas para centrais de atendimento ineficientes.
Dentro de algum tempo, entrará em vigor também a possibilidade de o consumidor, ao trocar de operadora, manter o mesmo número de telefone, trazendo mais conforto para quem não estiver satisfeito com os serviços de determinada empresa e sem que se preocupe com eventuais dificuldades ou prejuízos decorrentes da mudança de número.
Um efeito certo dessas medidas será o aumento da qualidade dos serviços. Devemos torcer para que também ocorra a diminuição dos preços cobrados pelas operadoras, já que agora terão de disputar mais acirradamente os clientes, mais atentos às vantagens oferecidas por cada empresa.
No caso das televisões a cabo, a mudança também é profunda. Em dezembro passado, a Anatel editou o Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura, que disciplina estes serviços em todo o país.
As principais mudanças trazidas pelo novo Regulamento são: devolução em dobro e em dinheiro de cobranças indevidas; abatimento do valor proporcional ao período em caso de interrupção de sinal; possibilidade de os usuários pedirem a suspensão dos serviços, sem custo, de 30 a 120 dias por ano (em casos de viagem, por exemplo); prazo de cinco dias para as empresas resolverem reclamações ou responderem questionamentos dos usuários; atendimento telefônico diário e gratuito a reclamações no horário das 9h às 21h; obrigatoriedade de aceitação prévia por parte do usuário a todo novo valor incluído em sua fatura; informação com 30 dias de antecedência mínima no caso de alterações promovidas pelas operadoras no plano de serviços contratados, resguardada a possibilidade do usuário rescindir o contrato, sem ônus; e previsão contratual do preço do serviço, do índice de reajuste e de sua periodicidade.
Muitas vezes nos deparamos com a singeleza de algumas mudanças; parecem tão óbvias que nem precisariam de lei para prevê-las. Ocorre que precisam, sim, de previsão legal, todas as medidas que regem a relação do consumidor com a empresa contratada. Do contrário, elas sempre acharão uma brecha para aumentar seus lucros em detrimento da qualidade dos serviços ou da satisfação dos usuários. Isso decorre, no caso das operadoras de televisão a cabo, da falta de efetiva concorrência no setor. Existem pouquíssimas empresas no ramo, e os preços cobrados segmentam os usuários em faixas sócio-econômicas elitizadas e que não disputam dentre si. Torcemos para que chegue logo o dia em que os brasileiros possam contar com uma oferta de empresas, planos e serviços realmente variados, sendo possível escolher dentre estes o de seu maior interesse.
Por fim, vale lembrar que essas medidas, por si só, não farão as mudanças acontecerem. Para que possamos consolidar estas grandes vitórias, cabe a cada um de nós fiscalizar, exigir seu cumprimento, fazer uso dos serviços para aferir sua eficiência.
Assim, com o tempo, a postura crítica de cidadãos conscientes de seus direitos surtirá o efeito desejado, tornando possível um novo salto de qualidade na relação entre consumidores e prestadores de serviços, fazendo justiça a quem paga por eles.
Paulo Pimenta (PT-RS), 42 anos, é jornalista e deputado federal. Em 2006, foi relator da CPI do Tráfico de Armas.
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