Ana Paula Siqueira
Assim como os médicos, professores do ensino fundamental também poderão ser obrigados a fazer uma espécie de residência antes de começar a atuar profissionalmente em sala de aula. Está pronto para ser votado na Comissão de Educação do Senado um projeto de lei (PL 227/07) que obriga os professores do ensino infantil e dos dois primeiros anos do ensino fundamental a fazerem um estágio de 800 horas.
Caso a proposta seja transformada em lei pelos parlamentares, só após a residência educacional os professores poderão dar aula. O autor do projeto, senador Marco Maciel (DEM-PE), alega que a falta de preparo dos educadores é um dos principais fatores para a baixa qualidade de ensino do país. Mas a medida enfrenta a resistência de professores, que não vêem nela nenhuma possibilidade de avanço qualitativo.
De acordo com o professor do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Erasto Mendonça, o curso de Pedagogia já tem um estágio supervisionado que consome 300 horas durante a graduação. Segundo ele, a proposta de Maciel é um “remendo” e não oferece elementos para superar o problema estrutural da educação no país.
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“Se um curso não presta ou funciona de forma precária, não deveria ter sido autorizado”, afirma. Mendonça também questiona o limite do projeto de lei, que torna a residência obrigatória apenas para os professores dos dois primeiros anos do ensino fundamental. “Por que não é estendido aos demais anos do ensino fundamental? Todas as séries são importantes”, criticou.
Segundo Erasto, também não há necessidade de se alterar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), como prevê o projeto, para que a residência seja obrigatória. O educador defende, contudo, a intervenção do Estado na educação e na formação dos professores. “Defendo uma formação inicial e continuada que integre os esforços dos estados, municípios e do governo federal para a qualificação dos profissionais da educação”, ponderou o professor.
Sindicalistas criticam
Outros profissionais da área também discordam da proposta e afirmam que o atual estágio supervisionado, iniciado a partir do segundo ano da faculdade, já cumpre o papel da residência. Para o presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apoesp), Carlos Ramiro de Castro, o fundamental é investir na formação dos professores.
“Durante a graduação os estudantes já fazem estágio supervisionado”, disse. Castro defende a qualidade contínua da educação. “É mais importante que a universidade ofereça ensino de qualidade e que seja mantido um sistema de formação continuada para os professores”.
O presidente da entidade defende mais atenção à educação. “A universidade forma diversos profissionais de qualidade, mas, quando se trata dos professores, deixa a desejar”, avaliou.
Especialistas em educação
O senador Marco Maciel, autor da proposta, defende sua idéia: “O objetivo é formar especialistas em educação”. Maciel culpa a falta de preparo dos profissionais da educação pelos elevados índices de reprovação no ensino fundamental. O entendimento é de que o contato inicial do aluno com a sala de aula é fundamental para o futuro do estudante.
“Entre as inúmeras causas dessa catástrofe, que irá comprometer o futuro de milhões de brasileiros, está o atual despreparo das professoras e professores para o desafio da alfabetização”, afirmou. Segundo o autor, na justificativa do projeto, esse despreparo também “está na raiz da questão” do “analfabetismo absoluto de 19 milhões de brasileiros e de quase 40 milhões de analfabetos funcionais”.
Para o relator da proposta, senador Mão Santa (PMDB-PI), a exemplo dos médicos, os profissionais da educação terão “oportunidade de conviver nas grandes unidades escolares”. Ele acredita que a residência irá aliar “o lado teórico do curso com a convivência prática”.
Mão Santa, que é médico, afirma que é a residência que possibilita, de fato, a formação de grandes profissionais. “Qualquer médico de grande sucesso passou por essa experiência. Se deu certo na medicina, com muito mais razão dará na educação”, disse o senador, ao apresentar seu parecer favorável à proposta de Maciel.
A expectativa é de que o projeto de lei seja votado pela Comissão de Educação ainda este mês. Alguns pontos do texto, no entanto, ainda não estão claros.
Mudança gradual
Pelo texto, os professores residentes receberiam uma bolsa de estudos durante as 800 horas de residência. O dinheiro sairia dos cofres do governo federal. Entre outras coisas, não se sabe, por exemplo, qual seria o valor da bolsa, nem como se daria o acompanhamento da residência em sala de aula, ou seja, se os professores seriam tratados como estagiários ou não.
Para não prejudicar os professores que já estão trabalhando ou se preparando para concluir o curso de Pedagogia, Maciel propõe que a residência educacional só se torne obrigatória dois anos depois de a lei entrar em vigor.
Até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, professores que atuavam em salas de aula do ensino infantil ou de 1ª a 4ª série precisavam apenas da formação do antigo magistério, que equivalia ao ensino médio. De forma gradual, a lei determinou que todos tivessem diploma de curso superior até o final deste ano.
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