Arnaldo Jardim*
O marco regulatório do setor de telecomunicações completa dez anos e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), num prazo recorde, quer alterá-lo sob o argumento de nos adequarmos às novas tendências tecnológicas globais, à dinâmica do mercado e ao avanço no atendimento ao consumidor. Todavia, é preciso esclarecer os reais motivos da pressa. Estará pautada pelo interesse do consumidor, pela defesa da concorrência ou pela universalização dos serviços?
Em São Paulo, dispomos de duas operadoras de TV por assinatura, que nos brindam com longos intervalos comerciais, reprises sem fim, uma manutenção precária e pagamos caro por isso.
As cinco operadoras de telefonia móvel nos oferecem celulares gratuitos, mas o minuto cobrado faz com que tenhamos milhões de aparelhos “Pai de Santo”, ou seja, só recebem.
Temos duas operadoras de telefonia fixa que nos oferecem pulsos a preços recordes e uma banda larga que de rápida só tem o nome. Para instalar um telefone ou adquirir qualquer serviço, são extremamente eficientes. Todavia, quando manifestamos o desejo de interromper o serviço, nos pedem para enviar uma carta (?!), para que, num prazo de sete dias, que serão cobrados na próxima fatura, seja feita a desconexão.
As propostas de mudança do marco regulatório são um emaranhado de questões técnicas que acabam por confundir os objetivos de uma política pública para o setor. Exemplos: preços adequados, serviços de qualidade e a ampliação dos serviços em escolas e áreas longínquas dos grandes centros urbanos, ou seja, promover uma verdadeira inclusão digital da população.
Apesar das negativas da Anatel sobre a pressão do governo federal e das grandes concessionárias, recentes manifestações de Luiz Eduardo Falco, o todo poderoso da BrOi (empresa formada a partir da fusão entre a Oi e a Brasil Telecom), causam embaraço, ao afirmar que a fusão já é uma realidade, pois está em curso a compra de ações preferenciais da Brasil Telecom pela Oi, tendo como avalista, pasmem, o próprio BNDES.
A desagregação de rede, objetivo original da regulação, não é uma realidade, o que demonstra a falta de investimentos das concessionárias na estrutura atual, incapaz de atender essa “nova demanda” que seria proporcionada pelas empresas prestadoras de serviço, em geral, pequenas e médias, que poderiam oferecer serviços mais baratos e ampliar as oportunidades de acesso à população, mas não conseguem quebrar o monopólio estabelecido pelas grandes, que utilizando-se de subsídios cruzados, oferecem toda sorte de serviços.
Também é imprescindível regulamentar o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), assim como, as parcerias com o Ministério Público e os Procons, para melhorar a qualidade dos serviços, e os investimentos em inovação nacional, que serviriam de contrapartida das empresas pelas concessões. Na questão do FUST, a Comissão Especial da Câmara que integrei, aprovou a regulamentação da matéria para que estes recursos sejam efetivamente usados, porém isto está longe da realidade.
Assim, a Anatel realiza audiências públicas (três previstas inicialmente e outras duas incluídas posteriormente, uma delas, inclusive se realizará três dias antes do prazo final para entrega da proposta de alteração do Plano Geral de Outorgas – PGO). Este instrumento democrático não estaria servindo para dar legitimidade a um “processo viciado”, em que a sociedade está sendo deixada de lado?
Destaco o exemplo de municípios paulistas como Pedreira e Sud Menucci, que oferecem Internet e acesso grátis a toda a população. Necessário também lembrar o plano de implantar a banda larga em 55 mil escolas, onde o governo não fala sobre o aperfeiçoamento de professores, recursos para equipamentos e metas de inclusão digital de alunos, além de deixar a rede em mãos privadas.
A palavra competitividade se tornou comum, assim como a justificativa de que as alterações no marco regulatório objetivam atender as novas demandas tecnológicas. Entretanto, do jeito que estão sendo colocadas, fica claro, que o governo abdicou de elaborar uma política pública de inserção digital pela ambição ufanista de contarmos com uma “supertele nacional”.
A Anatel deve ser o órgão mediador entre as demandas das empresas e do consumidor, fiscalizador e responsável pelo arcabouço legal da política pública para o setor, porém, revela os efeitos da captura política, da dependência financeira e da ausência de quadros técnicos. Uma realidade que não é exclusivamente sua, demonstrando a importância do debate no Congresso Nacional em torno da nova Lei das Agências, que objetiva oferecer a estes órgãos de Estado, e não de governo, a independência política, técnica e financeira necessárias para proporcionar um ambiente regulatório propício para novos investimentos em áreas prioritárias e estratégicas para o País.
Em uma sociedade pautada pelo capital, o consumidor deveria ser REI. Todavia, no setor de telecomunicações brasileiro, nos tornamos REFÉNS de monopólios. E, pior, pagamos caro por serviços com parâmetros de qualidade extremamente baixos e não dispomos de alternativas.
A Anatel apresenta as alterações regulatórias sem qualquer balanço ou análise do marco legal, sem a apresentação de qualquer estudo técnico que justifique as alterações propostas. Este, inclusive, foi um questionamento que fiz ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, via ofício, do qual ainda não obtive resposta.
Do jeito que a discussão está sendo conduzida, corremos o risco de reeditar a desigualdade social, agora na área digital, sentenciando milhares de brasileiros à exclusão digital em plena Era do Conhecimento. Assim, defendo a ampliação do prazo de análise das mudanças no PGO, dos atuais 45 dias para 120 dias, além da definição de prazos para adoção de medidas pró-competição previstas no Plano Geral de Atualização da Regulamentação (PGR).
*Arnaldo Jardim é deputado federal, vice-líder do PPS na Câmara e membro da Comissão de Ciência e Tecnologia
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