O financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos é questão controversa e quase sempre mal resolvida na maioria das democracias e existe em toda parte a suspeição de que esteja associado à corrupção ou, no mínimo, a interesses escusos. Escândalos são frequentes e atingem até a figuras impolutas com o ex-chanceler da Alemanha Helmut Kholl, vários presidentes norte-americanos, o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, a cúpula do PS francês, nos anos 90, e por aí vai. Na França, durante muito tempo, existiram oficialmente os chamados fonds secrets (fundos secretos) recursos públicos disponíveis para ocupantes de cargos, a partir de um certo escalão, para fazer política. Ficavam disponíveis em espécie e sem obrigação de prestação de contas (!). John Kennedy, se fosse francês, não precisaria ter recebido e guardado no seu armário, na Casa Branca, uma mala de dólares em espécie trazida por sua amante Judy Campbell Exner que também se relaconava com o chefe da mafia Sam Giancana (1). Teria à disposição, na gaveta do Oval Office, uns tantos pacotes de notas com as efígies de alguns de seus antecessores, oficialmente providas pelo governo.
No Brasil, ao contrário do que se imagina, as normas são severas, detalhistas ao extremo, alimentando uma gigantesca burocracia de controle e fiscalização, ela própria se nutrindo, como soe acontecer com as grandes burocracias de fiscalização, da criação de dificuldades para venda de facilidades que o labirinto de uma normatização intrincada propicia. A mídia aborda o assunto da mesma forma com que trata da temática de corrupção em geral: cobre insistentemente escândalos reais ou forçados dentro de um padrão já consagrado há muitos anos: a dança das cadeiras. A música para, algum político fica com as nádegas em riste e, depois, a musica recomeça, a espera do próximo bola da vez. Há muito ruído e fúria, mas a impunidade grassa. Por outro lado, as injustiças são freqüentes. É lama para todo lado. Cria-se um nivelamento por baixo. Para todos os efeitos, são todos ladrões para a grande alegria dos ditos cujos que podem suspirar reconfortados: Viu? Somos todos iguais!
Na pauta das editorias políticas, ano passado, estavam as supostas doações ocultas. São as contribuições legais feitas diretamente aos partidos, não aos candidatos, e que não são propriamente ocultas mas divulgadas ao TRE e ao público nos meses de abril de todos os anos e não nos finais de outubro dos anos eleitorais, como aquelas feitas aos comitês eleitorais ou aos candidatos individualmente. Faz-se um grande alarde em torno dessa não divulgação durante as campanhas a qual candidato proporcional exatamente vai a doação específica de tal empresa. Imagina-se que essa modalidade de doação decorra de compromissos escusos entre a empresa e o político, o qual deseja esconder seus doadores. Embora isso possa até ser verdade em alguns casos, longe está de constituir a regra. A realidade é tão simples quanto isso: a informação de que a empresa x doou para o candidato y tem de saída duas conseqüência: 1) a empresa y será assediada por inúmeros outros candidatos irritados – por vezes ameaçadores -: Então como vocês doam para fulano e não para mim??? e 2) fica exposta às represálias dos adversários do candidato x com toda virulência que a ciumeira eleitoral – para alguns mais forte que a sexual – é capaz. A obrigação de divulgar a doação neste período teria duas conseqüências óbvias: inibir doações legais e estimular o caixa 2.
Mas teria ainda uma terceira consequência: uma vez depositadas as doações na conta do partido e feitos os seus repasses aos candidatos, é simplesmente impossível provar que parte da doação de qual empresa ou pessoa foi para tal ou qual candidato. Fica-se totalmente à mercê de uma declaração do próprio beneficiário que, no entanto, não terá como oferecer nenhuma comprovação, o que torna todo o processo almejado perfeitamente inócuo… a não ser pela sua consequência de complicar mais ainda o já alucinante processo de prestação e fiscalização de contas eleitorais. Criando mais corredores no labirinto de dificuldades para venda de facilidades da qual, na prática, tornar-se-á mais um novo e suculento filão.
Há duas verdades que precisam se ditas a respeito de financiamento de campanhas no Brasil, este nosso país do faz-de-conta. A primeira é que os grandes esquemas que envolvem candidatos de boa parte do grande establishment governamental, nos três níveis de poder, financiam suas campanhas apenas acessoriamente via doações legais nos períodos de campanha. Possuem enormes caixa 2 tesouros de guerra amealhados no dia a dia da gestão pública envolvendo fornecedores, obras, licenças, caixinhas institucionalizadas. Os políticos mais íntegros e não associados a esses esquemões é que têm no período eleitoral sua janela de oportunidade para obter doações. Sempre partem para a campanha com uma grande inferioridade logística vis-à-vis aos seus adversários encastelados nos governos e/ou manejando centros assistenciais, currais ou clientelas. A retração maior a cada eleição do chamado voto de opinião é um dado da realidade brasileira. A se manter o atual sistema eleitoral pode-se conceber um futuro ainda mais hegemonicamente dominado pelo assistencialismo e pelo clientelismo que se nutrem logisticamente da corrupção e vice-versa.
Os íntegros procuram compensar essa inferioridade voltando-se para o voto minoritário de uma classe média politizada cada vez mais desinteressada em votar e refratária à política. É um eleitorado volátil: um notinha de jornal, uma gafe, podem comprometer irremediavelmente uma trajetória de dedicação e seriedade. Já a turma do centro assistencial com seu voto de cabresto garantido não tem esse problema: podem ser flagrados pelo Jornal Nacional num ato de pedofilia e serão votados do mesmo jeito pelos milhares de desvalidos aos quais concedem consulta média, ambulância, dentista, despachante, cimento e tijolos, etc… Numa situação dessas. no lugar da enésima pauta recorrente sobre o assunto e a milésima bola da vez, deveríamos nos perguntar se não há algo estruturalmente absurdo em tudo isso? Há. É o nosso sistema eleitoral de voto proporcional personalizado: o voto jabuticaba, que só existe no Brasil.
O financiamento deveria ser todo ele destinado aos partidos políticos de preferência público e bem regrado – que deveriam assumir a total responsabilidade sobre seus candidatos e suas prioridades. Seriam então coletivamente penalizados pelo eleitor por todo e qualquer deslize ou ato de corrupção quer interno – na elaboração das listas eleitorais – quer nas suas práticas de governo ou de mandato parlamentar. Em vez de milhares de candidatos individualmente correndo atrás de sua própria finança de campanha, teríamos duas dezenas de partidos como destinatários dos recursos de campanha públicos e/ou privados, o que facilitaria enormemente uma fiscalização, ela também mais enxuta, menos propensa aos vícios do hiper-cartorialismo e mais eficaz. Ai, seria totalmente viável uma transparência de doações em tempo real. O volume de recursos alocado nas campanhas eleitorais cairia drasticamente e com ele a influência do dinheiro nas eleições.
A inapetência dos atuais eleitos em relação à reforma do mesmo sistema eleitoral que os consagrou -resistem a serrar o galho sobre o qual estão sentados – é o drama recorrente da democracia brasileira. Tende a submeter todos os governos a um ambiente político instável, onde para governar é preciso encarar a negociação individual com cada senador, deputado ou vereador clientelista o que frequentemente se materializa em mensalões federais, estaduais ou municipais. Tende a perpetuar esse abscesso de fixação purulento esse descrédito generalizado que solapa pouco a pouco nossa democracia.
(1) The Dark Side of Camelot, de Seymour Hersh.
NOSSA PROPOSTA DE REFORMA POLÍTICA
O voto distrital misto plurinominal
Nem a “lista”,defendida pelo PT, nem o “distritão” por boa parte do PMDB, tem chances de ser aprovados. A bancada do PV propõe um plano b. No sistema proposto, o voto distrital misto plurinominal consiste na eleição de 50% dos deputados federais, estaduais e municipais numa lista fechada e 50% numa eleição majoritária. Diferencia-se do voto distrital misto uninominal (sistema vigente na Alemanha) pelo fato de prever grandes distritos com a possibilidade de eleger até 12 deputados e não o distrito “uninominal” que só elege um e que, no caso do Brasil, não poderia servir simultaneamente para a eleição de deputado federal e estadual. No caso do distrito plurinominal isso é possível. Veja a proposta em suas grandes linhas:
1 a eleição proporcional
1.1 Lista partidária em ordem de prioridade, com, no mínimo, um terço das vagas destinado às mulheres e a ordem de candidatos correspondendo a uma eleição por filiados em eleições primárias ou numa convenção com garantias de equidade e transparência na forma dos estatutos dos partidos devidamente adaptados.
1.2 As Listas teriam financiamento público e o número de vagas para cada partido não excederia o de cadeiras em disputa no voto proporcional.
2 a eleição majoritária
2.1 Primeira hipótese: grandes distritos (pessoalmente, prefiro essa hipótese)
2.1.1 – Os estados com mais de 8 vagas para deputado federal serão divididos em distritos plurinominais de número de eleitores obedecendo a uma proporção equivalente, feita pelos TREs com concurso de IBGE.
2.1.2 – Os distritos teriam de 8 a 12 vagas de deputado federal e um número de vagas de deputado estadual aproximadamente na proporção.
2.1.3 – Cada partido apresentaria no grande distrito em questão um número de candidatos equivalente, no mínimo, a 40% das vagas em disputa por essa modalidade.
2.1.4 – No caso dos vereadores nos municípios onde há segundo turno, poderiam ser criados distritos plurinominais de 8 a 10 vereadores; nos outros, o município seria o distrito.
2.1.5 – Nos estados com 8 vagas de deputado federal para menos, o distrito seria o próprios estado.
2.1.6 Os candidatos também serão escolhidos em primárias ou convenção com participação dos filiados, na forma dos estatutos partidários.
2.2 Segunda hipótese: o distritão
2.2.1.- O próprio estado funciona como distrito único, aplicando-se a mesma regra em relação ao número mínimo de candidatos.
2.3 Terceira hipótese: opção entre o distritão e os grandes distritos escalonada no tempo e a critério das Assembléias Legislativas dos estados.
3- Financiamento:
3.1 No componente proporcional, financiamento exclusivamente público.
3.2 No componente majoritário, os partidos podem receber apoio de particulares, empresas, entidades de classe e ONGs até um limite máximo e igualitariamente distribuído para as campanhas dos candidatos.
3.3 – Candidatos podem receber, em conta separada, contribuição de pessoa física (inclusive por internet) até um limite máximo a ser estipulado.
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