Alegando “relevância e urgência”, o governo federal editou cinco medidas provisórias (MPs) este ano para abrir créditos extraordinários para diversas ações dos ministérios. Entretanto, três meses depois da autorização, somente R$ 288 milhões (17%) dos R$ 1,71 bilhão foram gastos. E apenas R$ 925 milhões – pouco mais da metade (54%) dos recursos supostamente emergenciais – foram empenhados, isto é, reservados no orçamento para serem gastos mais tarde. Os valores foram apurados pela Assessoria de Orçamento do PPS a pedido do Congresso em Foco (veja o quadro).
Das cinco MPs, apenas duas já foram aprovadas pela Câmara e pelo Senado. As demais ainda obstruem as votações no Congresso. Mas a maioria delas não precisaria sequer ter sido editada, na opinião do líder do PPS na Câmara, Fernando Coruja (SC). “É falta de planejamento do governo”, diz o oposicionista. Segundo ele, na falta de urgência, o governo deveria autorizar a liberação dos créditos adicionais por meio de projeto de decreto legislativo, instrumento que não paralisa as votações no plenário.
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Até um governista que pediu para não ser identificado admite que o Planalto comete excesso nas MPs: “O governo está apagando incêndio. Planejamos para apenas quatro anos”. A Casa Civil nega que o governo Lula esteja se excedendo na edição de MPs e diz seguir os preceitos da Constituição Federal (leia mais).
Segundo Ricardo Caldas, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), a tendência de o Executivo se sobrepor ao Legislativo por meio das medidas provisórias não é exclusividade brasileira, mas uma constante em diversos países do mundo.
Nas cinco MPs – 343, 344, 346, 354 e 356, todas de 2007 –, há diversos exemplos de gastos não executados ou sequer empenhados (reservados no orçamento). A autorização para o Ministério das Comunicações gastar R$ 90 milhões, por exemplo, está em vigor desde a publicação da MP 343, em 8 de janeiro, convertida na Lei 11.467/07. Mas nada foi empenhado até 11 abril, data do levantamento do PPS.
Pan-americano
A mesma medida provisória autoriza o Ministério do Esporte a receber R$ 6 milhões e o da Defesa, R$ 8,3 milhões. Também nesses casos nada foi reservado. O dinheiro da Defesa serviria para melhorar a “infra-estrutura aeroportuária para os Jogos Pan-americanos” no Rio de Janeiro – o maior evento esportivo do Brasil neste ano, que está a dois meses de começar.
A reforma e a modernização da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro deveriam receber R$ 19 milhões. Mas nada foi gasto até agora, mesmo com as verbas autorizadas há três meses. O mesmo aconteceu com a autorização para gastos de R$ 3 milhões para a Missão Antártida. Até 11 de abril, apenas R$ 994 haviam saído dos cofres públicos com essa finalidade.
Medidas evidentemente urgentes também não saíram do papel. A MP 344, também publicada em 8 de janeiro, destinava R$ 10 milhões para “socorro e assistência as pessoas atingidas por desastres”, numa clara reação às chuvas que atingiram o Sudeste no início do ano. Mas nada foi gasto. “Até nesse caso, que tinha uma justificativa de urgência, o recurso não foi empenhado”, comenta Coruja.
O pagamento de R$ 300 milhões em juros para extinguir a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) entrou na MP 343 como um caso de urgência. Três meses depois, nada foi empenhado e, muito menos, gasto.
“É a eficiência”, diz governista
O deputado João Leão (PP-BA), vice-líder do governo no Congresso, diz que a gestão de Lula mostra eficiência ao gastar apenas 17% dos créditos extraordinários que ele mesmo abriu por medidas provisórias este ano. “Eles [da oposição] deveriam é aplaudir. Se não gastou, é porque o governo é econômico”, responde Leão.
O deputado disse não ver problema no fato de os valores ainda não terem sido utilizados. “Temos o ano inteiro para gastar. Às vezes, não se tem o crédito disponível no orçamento”, comenta.
Mas, nos bastidores, governistas admitem que o Planalto abusa das medidas provisórias. “É como um amigo me disse: se o governo legisla, se o Supremo [Tribunal Federal] e o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] legislam, nós vamos fazer o quê?”, diz um parlamentar governista. Na opinião desse congressista, sobrou para o Legislativo o papel de “delegacia”, com a rotina das CPIs e dos processos de cassação no Conselho de Ética.
Urgência e relevância
De acordo com o artigo 62 da Constituição, as MPs são instrumentos que o Executivo pode usar para tratar de situações de “relevância e urgência”. Por isso, pressupõe-se que, ao publicar MPs sobre créditos extraordinários, o governo comece a gastar os recursos o mais rápido possível.
Mesmo assim, as MPs seguem para a apreciação do Congresso Nacional. Os recursos dos créditos extraordinários só podem ser barrados se as medidas provisórias forem derrubadas pelos parlamentares – fato raro num Parlamento com maioria governista. Normalmente, as duas Casas só apreciam as matérias quando os créditos já foram utilizados. Depois de 45 dias de tramitação, as MPs passam a trancar a pauta da Câmara e Senado, rotina comum no Congresso. Nesse caso, os parlamentares só podem examinar outras proposições, como projetos de lei e propostas de emenda constitucional, após votarem as medidas provisórias.
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