Edson Sardinha
O reajuste salarial de 62% autoconcedido pelos parlamentares na quarta-feira passada (15) foi aprovado por uma maioria silenciosa. Apenas oito dos 395 deputados que marcaram presença na sessão que resultou na elevação do salário dos congressistas dos atuais R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil, registraram voto contra a proposta. Apenas 11 se dispuseram a usar o microfone para defender o aumento.
A leitura atenta das notas taquigráficas daquela sessão da tarde revela o modo peculiar com que um grupo de parlamentares enxerga o exercício do mandato. Nos discursos, houve de tudo um pouco: de deputado envergonhado com a magreza do seu contracheque a deputado lamentando passar cinco meses do ano “sem fazer absolutamente nada”. De deputado querendo ganhar quase o dobro dos R$ 26,7 mil aprovados a deputado querendo que o contribuinte garantisse sua “independência financeira”.
Eles apoiaram sem qualquer pudor o aumento
Eles criticaram o aumento
Leia a íntegra do decreto legislativo que estabeleceu o aumento de 62%
Teve até deputado que, após defender a votação do aumento e ver o projeto de decreto legislativo aprovado, pediu ao presidente da sessão que registrasse seu voto contra a proposta por um motivo inusitado. “Agora, demagogicamente, eu sou contra”, disse Manato (PDT-ES), logo após a proclamação do resultado. Uma hora antes, Manato havia usado o microfone para chamar seus colegas de partido ao plenário para votar “esse projeto importantíssimo para o funcionamento da Casa”.
Além do irônico Manato, apenas os deputados Augusto Carvalho (PPS-DF), Chico Alencar (Psol-RJ), Fernando Gabeira (PV-RJ), Ivan Valente (Psol-SP), Luiza Erundina (PSB-SP), Mauro Nazif (PSB-RO) e Marcelo Itagiba (PSDB-RJ) levantaram o braço durante a votação simbólica, manifestando-se contra o aumento.
Nessa modalidade de votação, o deputado não precisa registrar seu voto no painel eletrônico nem declará-lo ao microfone. A estratégia costuma ser usada em votações polêmicas, em que os parlamentares preferem que seus eleitores não saibam como votaram.
Diferentemente do que ocorreu na sessão imediatamente anterior, quando os parlamentares aprovaram o pedido para que a proposta fosse votada naquele mesmo dia, nenhum deputado subiu à tribuna para defender o aumento. Enquanto isso, seis se revezaram na tribuna para criticar o reajuste, que também beneficia senadores, ministros de Estado, presidente e vice-presidente da República. Foram eles: Luiza Erundina, Chico Alencar, Ivan Valente, Eduardo Valverde (PT-RO), Magela (PT-DF) e Fernando Chiarelli (PDT-SP).
Na sessão anterior, o número de deputados que discursaram a favor do aumento superou o dos que o criticavam: 11 a nove. Entre os que usaram o microfone para defender a votação do projeto de decreto legislativo naquela quarta-feira, três se destacaram pela veemência com que argumentaram: Abelardo Camarinha (PSB-SP), Nelson Marquezelli (PTB-SP) e Sérgio Moraes (PTB-RS), aquele que no ano passado disse “se lixar” para a opinião pública ao antecipar que absolveria um colega acusado de mandar recursos da Câmara para as próprias empresas.
20 mil dólares
Um dos principais articuladores do aumento, o atual quarto-secretário da Câmara, Nelson Marquezelli, lamentou que a Casa estivesse votando o reajuste de apenas 62%. Para ele, o percentual era injusto e os parlamentares deveriam ganhar por mês quase o dobro dos R$ 26,7 mil que estavam aprovando, tamanha a defasagem salarial, segundo o petebista.
“Se fôssemos fazer a devida correção, o valor seria quase o dobro do que a Mesa está propondo, pois teríamos de voltar lá atrás, antes de 1988, talvez a 1986, para fazer a correção. Quando entrei nesta Casa, em 1990, o salário do Parlamentar era de aproximadamente 20 mil dólares, o que equivaleria hoje a uns 38 mil reais, quase 40 mil. Não podemos fazer essa correção simples, porque extrapolaríamos o teto pago ao funcionalismo público. Temos de nos ater ao teto de hoje, não há outra forma de trabalhar”, declarou o atual quarto-secretário da Câmara.
Ainda em seu discurso, Marquezelli disse que apresentará em fevereiro uma proposta de emenda constitucional equiparando oficialmente os salários dos parlamentares aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teto atual do funcionalismo público. A ideia, segundo ele, é também acabar com o efeito cascata produzido nos legislativos estaduais e municipais país afora toda vez que se aprova o reajuste do Legislativo federal.
Independência financeira
Em seu pronunciamento, Abelardo Camarinha qualificou como criminosa a distorção salarial no Executivo. “De fato, um policial rodoviário ganhar 9 mil e um ministro 8 mil é um crime”, avaliou. O ex-prefeito de Marília (SP), que responde a 14 ações penais e inquéritos no Supremo, disse que os parlamentares precisam ter sua “independência financeira” para desempenhar melhor o mandato.
“Quanto ganha um diretor da Nestlé? Quanto ganha um diretor da Globo? Quanto ganha um diretor dos jornais de grande circulação do país? O que se passa nesta Casa? Temos de ter independência financeira”, alegou.
O deputado do PSB paulista ainda reclamou do valor registrado em seu último contracheque. “Os funcionários e os deputados, que estão sem reajuste há quatro anos, não podem mais continuar sem aumento. Este mês, deputado Marquezelli, recebi da Casa R$ 7.450. Quando se informa isso na rua, dizem que é mentira. Ninguém acredita que um deputado ganha 12 mil reais de salário bruto.”
Camarinha desafiou os colegas dispostos a votarem contra a proposta que doassem o valor correspondente ao aumento para instituições filantrópicas. “Minha sugestão é a seguinte: quem não aprovar a proposição faça uma doação para a Apae [Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais], pegue todo mês um recibo e o apresente à Casa.”
Perdendo tempo
O mesmo apelo foi feito por Sérgio Moraes. O deputado gaúcho fez uma curiosa conta, levando em consideração o tempo que “perde” no avião, no aeroporto e nos deslocamentos terrestres, e chegou à conclusão de que passa cinco meses do ano “sem produzir absolutamente nada”.
“Parlamentares: eu fico em média, senhor presidente, 200 horas por ano dentro de um avião, mais ou menos isso; eu fico mais ou menos outras 300 horas por ano nos aeroportos; e no deslocamento entre a minha casa e o aeroporto eu levo mais ou menos duas horas, para ir e para vir; então, eu fico ao redor de 900 horas por ano nisso, o que daria, no que seria uma jornada de 44 horas, ao redor de cinco meses de trabalho sem produzir absolutamente nada”, contou.
Reeleito em outubro com 97 mil votos, Sérgio Moraes disse que votar contra o aumento seria “demagogia pura”. O ex-prefeito de Santa Cruz do Sul (RS) disse enfrentar sacrifícios para seguir na vida política.
“Ora, abandonei os meus negócios, abandonei a minha família, para me dedicar a uma causa que há 30 anos tenho, como deputado, como vereador, como prefeito; então, àqueles que votam contra, que votarão contra, aqui, eu faço um apelo: que abram mão do aumento, porque é muito bonito vir aqui a esta Casa, fazer um discurso contrário, fazer demagogia e depois colocar o dinheiro no bolso. É o que tem acontecido aqui”, discursou. “Eu, presidente, voto sim porque eu acho que os deputados têm de ganhar bem, porque senão, logo ali na frente, não vai haver ninguém qualificado aqui nesta Casa”, emendou.
Hipocrisia
Os deputados Moreira Mendes (PPS-RO) e Pedro Fernandes (PTB-MA) também pediram pressa na votação do aumento. Vanderlei Macris (PSDB-SP), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Júlio Delgado (PSB-MG) declararam apoio, mas com ressalva: defenderam a redução de outros benefícios a que os parlamentares têm direito.
Em nome de seus respectivos partidos, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Maurício Rands (PT-PE) e Antonio Cruz (PP-MS) também se manifestaram a favor da aprovação. Moreira Mendes contou até que interrompeu uma licença médica apenas para votar o próprio aumento: “Acho isso uma hipocrisia. O parlamentar merece receber o que é justo”.
Transparência à tarde
Na presidência da sessão, o segundo-secretário da Câmara, Inocêncio Oliveira (PR-PE), também fez uso do microfone para contestar as críticas feitas pelos deputados Luiza Erundina e Chico Alencar de que o aumento deveria ser discutido de forma mais transparente com a sociedade.
“Não quisemos fazê-lo na última semana para não dizerem depois que o fizemos na calada da noite. Estamos tratando a questão de forma transparente, clara. A vinculação vai ser feita com o que se ganha nesta Legislatura. Ninguém fala em vinculação com o Supremo, e a Mesa quer explicar isso. Na Mesa Diretora, este assunto foi decidido por unanimidade. Até o presidente Michel Temer, que estava fora e foi consultado, disse que não tinha nenhuma objeção a fazer”, declarou.
“De toda forma, quando se fala que se está votando com total transparência, de fato, isso é real: três horas da tarde é melhor do que três horas da madrugada!”, ironizou Chico Alencar. O deputado do Psol disse que o aumento “aprofunda o abismo e o fosso entre o Parlamento e a sociedade”. “É, de certa maneira, advocacia em causa própria”, criticou. “É bom lembrar que, durante a campanha eleitoral recente, milhares de candidatos e partidos jamais apresentaram essa pretensão que, pelo efeito cascata e pela amplitude, afeta as contas públicas e diz respeito àqueles que representamos”, ressaltou.
Ainda na fase de encaminhamento da votação da urgência, Erundina alertou os colegas para o risco que corriam com o aumento. “Tirem os seus bótons, porque vão sofrer agressões, críticas e reações da população, que não aceita essa arbitrariedade, esse desrespeito e essa desconsideração com o interesse público”, declarou. “O meu voto é não; o meu voto é de denúncia contra o desrespeito ao interesse público que esta medida representa, em especial por ser apreciada num final de Legislatura, sem transparência, sem uma lógica que justifique este reajuste tão diferenciado, concedido em favor de quem decide a respeito da questão”, declarou a deputada.
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