José Rodrigues Filho*
Vem de longe a percepção do poder destrutivo do sistema financeiro do Brasil, que funciona numa obscuridade total, dificultando a avaliação de questões relacionadas com um modelo de finanças sustentáveis. As denúncias de corrupção no sistema financeiro público são alarmantes no Brasil.
Comenta-se que o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) investiu mais de 30 bilhões de dólares na corrupção de megaprojetos em países pobres da África e América Latina. São mencionados os péssimos exemplos de investimentos feitos pelo BNDES, que afetam a distribuição de renda e a injustiça social.
Um deles, bastante criticado, é o empréstimo de alguns milhões subsidiados, a uma taxa de juros muito baixa, que beneficiou o apresentador de TV, Luciano Huck, para a compra de um avião privado para ser usado poucas vezes por semana, num percurso limitado. Enquanto a maioria dos trabalhadores brasileiros, nas grandes cidades, gasta mais de duas horas e tomam dois ou três veículos desconfortáveis para chegarem ao trabalho, é inaceitável que um avião privado, subsidiado com dinheiro público, não tenha uma utilização bem justificada.
O que se esperar de um sistema financeiro público envolvido com práticas corruptas e uma governança insustentável e de um sistema financeiro privado dominado por menos de meia dúzia de grandes bancos, com lucros exorbitantes, cobrando taxas de juros imorais dos contribuintes?
Este sistema financeiro só causa instabilidades, sendo o seu custo muito elevado para a sociedade. Nem sempre o dinheiro deste sistema está disponível para projetos sociais e ecológicos, por exemplo. O que se pode esperar deste sistema são crises múltiplas, destruição ambiental, desigualdades crescentes e desemprego em massa. Observem o discurso neoliberal dos últimos anos enfatizando a destruição do bem-estar social, atacando os sindicatos com regulações draconianas, de tal modo que a liberdade humana é transferida para a liberdade do mercado, através de ações coercitivas do Estado.
No mundo inteiro e principalmente no Brasil o regime financeiro produziu uma concentração de capital e o poder econômico nas mãos de poucos que lucram muito, enquanto os cidadãos mais fracos são incapazes de confrontar as classes dominantes para que a voz sobre suas necessidades seja ouvida.
PublicidadeSerá que os nossos candidatos presidenciáveis vão propor algumas mudanças do nosso sistema financeiro, a exemplo do que está acontecendo em vários países, sobretudo na Europa? Os sistemas financeiros tradicionais são insustentáveis e novos enfoques estão sendo propostos para integrar a sustentabilidade nos sistemas financeiros, evitando que seus custos sejam transferidos e socializados pela sociedade, devido às más práticas destas instituições.
A imprensa comenta que alguns partidos e grupos políticos já buscam se alinhar com o candidato que, possivelmente, vai manter o status quo e que deveria ser rejeitado pelos eleitores. Infelizmente a influencia do capital tem sido decisivo nas eleições brasileiras, pois a prioridade é o mercado e não a democracia, a justiça social e as práticas éticas dos candidatos. Sem mudanças e compromissos claros, o que for eleito, de esquerda ou direita, só vai trazer mais sofrimento para a sociedade.
Para alguns pesquisadores brasileiros, através da ideia de meritocracia emergiu no campo das finanças uma convergência das elites financeiras. Estes grupos dominantes, com práticas validadas pela meritocracia, legitimadas pelas especialidades e aquisição de qualificação educacional como a chave do sucesso são hoje os “experts” e tomadores de decisões nas grandes corporações financeiras do país e em parte da academia, todos responsáveis pela reprodução da estrutura de poder, exclusão e violência simbólica, sociologicamente falando.
Neste sentido, é impossível se pensar em finanças sustentáveis no Brasil com uma meritocracia de especialistas agindo contra os princípios básicos de desenvolvimento sustentável. O desmatamento da Mata Atlântica brasileira, da Floresta Amazônica, sobretudo em 2017, e a explosão da corrupção no sistema financeiro do Brasil exigem que as finanças sustentáveis sejam tratadas diferentemente da forma como as elites dominantes têm preconizado até agora, enfatizando a obscuridade e relegando a comunidade e outros stakeholders beneficiários.
Já foi dito há muito tempo que os sistemas financeiros são incompatíveis com a sustentabilidade, razão pela qual uma reflexão profunda é requerida, considerando que o setor afeta diretamente a humanidade e o planeta Terra. Neste caso, os presidenciáveis deveriam discutir o assunto com a sociedade brasileira, garantindo que, no mínimo, as ações da Lava Jato sejam fortalecidas no setor, considerando as constantes denúncias que começam a mostrar a ponta do iceberg da corrupção. Além dos casos de polícia e justiça, o sistema financeiro do Brasil é carente de uma discussão sobre finanças sustentáveis.
*Jose Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (USA).
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