Não faz muito tempo, ouvimos discursos entusiasmados pelo fato de o Real ter sido a moeda com maior valorização no mundo. Gente de governo e outros de mídia ressaltaram a façanha. Para os razoavelmente entendedores, essa valorização se deu graças à entrada volumosa de moeda estrangeira para a aquisição de empresas, fusões, algumas novas plantas industriais e pelas atraentes taxas de juros. Do outro lado, produtores e também exportadores, com o suporte de rigorosos estudos de diversos economistas, de instituições públicas e privadas, apontaram sinais graves de desindustrialização, de perda de mercado interno para produtos chineses, indianos e coreanos, como em São Paulo com os têxteis, calçados e máquinas de lavar.
Situado em posição apontada anos atrás por Celso Furtado como de integração dependente à globalização, o Brasil se viu numa encruzilhada. A moeda que mais valorizara estava na economia que se desindustrializava, com saldo negativo no balanço de transações correntes, em especial alimentado por forte déficit na balança comercial de bens de média e alta tecnologia. Agora, com os ventos mudando de direção, há fuga rápida de capitais para os Estados Unidos. Assim, a moeda que era a mais valorizada um dia desses passou a ser a mais desvalorizada. Ninguém imaginava, porém, que isso poderia acontecer meses atrás. São dois lados de uma mesma “moeda”.
Como pode o país de dimensões territoriais e industriais como o nosso, com instituições acadêmicas respeitáveis, produção e pesquisa consolidadas na esfera da economia, encontrar-se de forma tão grave, em tão curto espaço de tempo? Como admitir que agora a orquestra do caos ocupe o teatro, escolha as peças que quer interpretar e nos imponha sua verborragia crítica afirmando que a atual crise é fruto de problemas internos? Ora, desde quando essa separação existe num país de câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário, tripé que dilui as fronteiras entre o interno e o externo? Juros altos atraem capitais especulativos. Tal avalanche valoriza o Real, o que estimula importações, gastos no exterior e encarece exportações. Nesse cenário, eleva-se a dívida pública e reduz-se a capacidade de investimento público.
Por isso, a esquerda e seus setores possuem um grande desafio neste momento. A economia não vai crescer como antes, ancorada em transferências de renda, endividamento, desonerações e antecipações de receitas, juros altos e câmbio flutuante. O modelo se esgotou. Não adianta bater o pé em nome da “responsabilidade fiscal” para agradar aos mercados. É um risco o país continuar a elevar juros, aumentar dívida e torrar receita para pagá-la sem produzir. Para avançarmos, será preciso romper com essa armadilha herdada de FHC desde 1999. Temos bons quadros e presença nos movimentos sociais e podemos convocá-los para construir, justificar e defender esse passo. Quanto mais demorar, menos tempo haverá para explicá-lo e mais munição a oposição terá para deitar e rolar nas críticas ao baixo PIB, ao déficit comercial e de transações correntes, à fuga de capitais, dentre outros sinais perversos. Esse caminho neoliberal, predominante desde 1999, tem que ser abandonado. Mesmo quando a inflação ficou sob controle, a riqueza mudou de mãos veloz e amplamente com os encargos da dívida pública. Basta calcular e comparar. O país tem que recuperar sua soberania e fazer um projeto de desenvolvimento. A isso devem se submeter a política monetária, a busca da estabilidade, o câmbio e a gestão do endividamento.
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