Osvaldo Martins Rizzo*
Comenta-se que, quando os altos executivos das grandes empreiteiras do cartel brasileiro de obras públicas se reúnem, circula uma antiga anedota representativa da imagem que esses empresários têm de si mesmos. Freqüentemente contada entre histéricas gargalhadas e sucessivas doses de whiskey importado, a chalaça conta o caso de um turista que, ao visitar pela primeira vez um imaginário restaurante especializado em pratos feitos com carne humana, perguntou o motivo do preço da carne de empreiteiro ser o mais caro do cardápio. Dá muito trabalho pra limpar, respondeu o garçom.
Como jocosamente reconhecem seus participantes, o adjetivo “limpo” continua ausente do rol das peculiaridades desse importante setor da economia nacional. Juntamente com outros segmentos como o de publicidade, informática e outros, o de obras públicas vem sendo freqüentemente acusado pelo desvio de milionários recursos orçamentários. Rara é a semana cujo noticiário político-policial não traz o relato de outro escândalo envolvendo direta ou indiretamente uma grande empreiteira suspeita de ter subornado autoridade; superfaturado serviço; edificado prédio inabitável ou matado alguém ao derrubar estação de metrô.
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Esse assunto ganha particular importância este ano quando, segundo o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os investimentos do governo poderão dobrar sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) de 0,5% para 1% devido às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O desvio de verbas pode dobrar junto. Os lobistas das empreiteiras já conseguiram incluir na recém editada Medida Provisória 413 algumas desonerações tributárias para aquelas que terão contratos do PAC.
Reunidos na forma de um forte cartel, algumas entidades patronais dos empreiteiros funcionam como agentes fomentadores dos conluios, cuidando da defesa dos interesses do cartel e não da classe empresarial ou, menos ainda, da sociedade, merecendo ser sumariamente fechadas.
Nos últimos dias, outro indício de incompetência foi noticiado. Sob a responsabilidade técnica de uma grande empreiteira, uma barragem de terra em construção no município de Vilhena (RO) rompeu quase varrendo uma cidade do mapa. Ademais, ressurgiu o escândalo da obra da ampliação do edifício da Assembléia Legislativa paulista que deverá custar quase quatro vezes mais do que o valor inicialmente orçado. O ex-presidente daquela Casa de Leis – ironicamente filiado ao partido dos Democratas – acusa pelo assalto aos cofres estaduais a empresa pública contratada para fiscalizar as obras. Esta se defende culpando o projetista e a pressa. De novo, monta-se a farsa para que a empreiteira seja inocentada do suposto desvio de dinheiro público.
O emprego de práticas delituosas pelo segmento não é recente. Ao contrário, em parte constitui-se em outro maldito legado do regime militar e do governo Sarney. Para ilustrar, lembremos alguns fatos: em fevereiro de 1.971, devido ao prazo político de entrega, desaba o Pavilhão da Gameleira em Belo Horizonte matando 64 operários, cujos dependentes não receberam indenização até hoje. Nessa época, irado com o resultado da licitação, o general presidente Emílio Médici casuisticamente rompe o contrato com a construtora vencedora entregando a obra da Ponte Rio-Niterói para um seu velho amigo empreiteiro paulista, pagando mais caro.
Em 1.987, o jornalista Jânio de Freitas denuncia a fraude da prévia partilha dos lotes da concorrência das obras da Ferrovia Norte-Sul pelo cartel das grandes empreiteiras. Quatro delas compõem o consórcio construtor da obra do Metrô paulistano onde, em janeiro de 2.007, um tecnicamente estranho colapso matou sete pessoas. Culparam a chuva pelo desabamento, como se engenheiro brasileiro só soubesse fazer obra no deserto.
Tentando reduzir o tamanho do ralo das obras públicas por onde, todo ano, são desviados bilhões de reais, a Polícia Federal (PF) implanta um novo sistema que permitirá detectar, previamente, fraudes desde a fase licitatória. Agindo antes de os recursos serem repassados, a PF expandirá um sistema que já vem sendo usado pelo Departamento de Inteligência incluindo o acompanhamento on-line das licitações, e espera fechar convênio com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para rastrear a movimentação financeira dos grandes empreiteiros.
A suja práxis do mercado das obras públicas pode estar começando a ser limpa por ações policiais de combate ao crime organizado, sendo que seus meliantes talvez percam as benesses de serem considerados como respeitáveis empresários, passando a receber tratamento semelhante ao imposto pela justiça italiana à máfia siciliana na operação “Mãos Limpas”.
* Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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