Osvaldo Martins Rizzo*
“Muitos não compreenderão. Porque suas inteligências vão somente até os processos”.(Vinícius de Moraes).
A história do pensamento econômico ocidental ensina que o primeiro conjunto ordenado de teorias que recebeu o nome de escola foi o fisiocrata no século XVIII. Sua principal premissa básica era a prevalência dos interesses individuais contra a intervenção estatal nos rumos da economia. Ele introduziu a conhecida expressão “laisse faire” (deixa fazer) como enunciado de seu postulado. O modo de pensar dos fisiocratas influiu muito na formação do quase hegemônico atual pensamento liberal pró-mercado.
Os liberais, adeptos do livre mercado, defendem o modelo -creditado a Adams Smith- fundamentado na tese que os agentes mercadológicos -deixados desregulamentados- naturalmente conduzem a economia a resultados eficientes como se uma “mão invisível” a guiasse. Para eles, os indivíduos tomam suas decisões econômicas pautados na racionalidade e o mercado, sozinho, sempre encontra o equilíbrio.
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Deveras, novos estudos econômicos descrevem as muitas imperfeições do mercado, a irracionalidade dos agentes e as assimetrias das informações disponíveis -principalmente em países “emergentes”-, explicando que a “mão invisível” é inapta e favorece àqueles agentes melhor informados. Economistas contrários à teoria liberal clássica ganharam o prêmio Nobel nos anos de 2.001 e 2.002.
A concepção de Smith era a de que os indivíduos naturalmente preferem o processo de livre mercado e a egoísta chance de suplantar seu próximo. Essa tese era criticada por Karl Marx ao argumentar que a posse do capital é essencialmente injusta e os capitalistas sempre abusam do seu controle, profetizando a atual globalização com uma enorme concentração de capital.
Para os contemporâneos devotos da doutrina liberal/monetarista, “laisse faire” significa, por exemplo, deixar que os gananciosos operadores do desregulamentado setor de bônus privados norte-americano criem complexos instrumentos de derivativos para especularem livremente com as hipotecas imobiliárias dos pobres, pois o próprio mercado corrigiria eventuais abusos sem ônus para a sociedade.
As notícias provam que tais fisiocratas modernos estavam redondamente enganados ou -o que é mais provável- sabiam do erro, mas fizeram mesmo assim. Os fundamentos teóricos do modelo liberal dominante sofreram considerável abalo ao causarem uma crise mundial de graves conseqüências.
Paradoxalmente, os mercenários agentes liberais agora suplicam a keynesiana intervenção estatal para aumentar a liquidez no fragilizado setor bancário, além de mais gastos públicos anti-recessivos. Dinheiro do contribuinte está sendo desviado de ações sociais -como saúde e educação- para salvar bancos à beira da falência, com a implausível justificativa de que a recusa poderia gerar uma seqüência de insolvências.
Discurso semelhante foi adotado pela equipe econômica do governo FHC para justificar o socorro aos bancos pelo programa PROER. Segundo o professor da PUC, Samuel Kilszlajn, pela quantidade de variáveis existentes era impossível saber se os bancos realmente quebrariam ao não receberem a ajuda governamental.
Como as autoridades monetárias estão cedendo às imposições dos agentes mercadológicos -convertidos em matreiros intervencionistas- espera-se por um rearranjo dos mercados em moldes semelhantes aos pré-crise. Convenientemente, o assunto começa a sumir dos noticiários sendo substituído por um superestimado choque de oferta de alimentos instigador do medo da fome na desinformada população.
As conseqüências futuras desse enorme fiasco do modelo liberal será o aumento no número de pobres; de doentes e de iletrados, em escala mundial. Noutras palavras: um mundo pior para se viver.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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