Osvaldo Martins Rizzo*
Nos meses que antecederam à deflagração do levante militar de 1.964, os golpistas armavam-se para combater uma eventual resistência do governo do presidente João Goulart. O então governador paulista, Ademar de Barros, bancado pelo alto empresariado paulista sócio das multinacionais, contrabandeava armas para abastecer paióis clandestinos de munições espalhados por todo o Brasil. Convenientemente, um deles localizava-se em frente à chácara de Jango em Jacarepaguá.
Obedientes por formação, ao consolidarem o poder obtido pela força das armas, os militares passaram a saudar os compromissos assumidos com a classe empresarial que patrocinou a derrubada de um governo trabalhista democraticamente eleito. Dois decênios depois, para preservar seus interesses, essa mesma classe dominante abandonaria os militares articulando sua queda.
Os ministros reformistas de Jango – como o professor Celso Furtado – foram trocados por conservadores umbilicalmente ligados aos interesses econômicos das grandes corporações.
Indicados pela classe patronal – que tinha em um dos seus principais líderes o banqueiro mineiro Magalhães Pinto, instigador do voluntarioso general de três estrelas Mourão Filho, que precipitou a quartelada – os novos ministros da área econômica, para proteger o patrimônio dos ricos, lançaram a economia brasileira nas agruras dos efeitos deletérios da alquimia da correção monetária, embrião da hiperinflação inercial que enriqueceu os banqueiros-agiotas e corroeu o poder aquisitivo dos salários, jogando a maioria da população num nível de pobreza haitiana.
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Ávidos por lucrar mais com a exploração da classe obreira, os patrões – além de financiarem a Operação Bandeirantes, cujos ainda impunes paramilitares torturaram e mataram muitos brasileiros, inocentes opositores do governo – também exigiram, e obtiveram, dos generais a intervenção nos sindicatos para possibilitar o arrocho salarial e o fim da estabilidade no emprego. Em substituição, nasceu mais um dos dantescos instrumentos opressores criados pela coligação empresarial-militar que governou o país por 21 anos: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Tangencia a ingenuidade supor que a lei que instituiu o FGTS (nº 5.107/66), promulgada em momento arbitrário de tamanha concentração de poder nas mãos da classe patronal, pudesse, de algum modo e em certo momento, ser favorável ao trabalhador.
Como tantos outros reacionários instrumentos implantados pelas autoridades públicas subservientes à alta cúpula empresarial, sustentáculo do regime militar, o FGTS, além de uma antidemocrática poupança compulsória, é uma aberração por natureza. Portanto, não se constitui em surpresa a recente constatação feita pelo “Instituto FGTS Fácil” de que o seu estoque de recursos financeiros – que se constitui no patrimônio do trabalhador – está se desvalorizando celeremente ante a inflação, principalmente nos últimos 16 anos quando sofreu perdas bilionárias.
Em várias ocasiões, os mal geridos recursos do FGTS são usados politicamente como empréstimos destinados a bancar a desenfreada corrupção na construção de obras de infra-estrutura de saneamento em várias prefeituras, recheando os bolsos de empreiteiros corruptores.
Vitimado pela fórmula de cálculo que leva ao descasamento entre um indexador eminentemente financeiro e outro que reflete a variação dos preços médios ao consumidor, o saldo do FGTS só tende a se depreciar com o tempo.
Tal fato aumenta o risco da já frágil garantia atual de que o trabalhador possa, no futuro, sacar integralmente os valores a que tem direito ainda que nas mui restritivas situações permitidas pela lei, um entulho da ditadura empresarial-militar que, como alguns velhos congressistas neoudenistas, ainda teimam em assombrar a sociedade brasileira como verdadeiros mortos vivos.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro civil e ex-conselheiro do BNDES.
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