Em visita recente ao Brasil, David Harvey, professor da Universidade de N.York, afirmou que os fluxos que mantêm o capitalismo em funcionamento estão sendo bloqueados e isso pode levar o sistema para uma situação doentia, segundo artigo publicado no site da Carta Maior. Harvey compara o capitalismo a um corpo que pode ficar doente se houver restrições ao fluxo sanguíneo. É importante perceber como o capitalismo depende da continuidade do fluxo de capital e qualquer interrupção, seja qual for o motivo, pode ter custos astronômicos para o sistema como um todo. O fato é que o capitalismo é um sistema que está ficando esclerosado.
A questão da esclerose pode ser visualizada em vários aspectos da vida econômica do planeta e seus habitantes. Começando pela discussão recente de “tsunami de dólares” que os países ricos estão fazendo pelo mundo afora. Um estudo do Instituto Internacional de Finanças (IIF) constatou que essa enxurrada tem um valor bem definido: trata-se de US$ 6,3 trilhões, somando as compras de bônus e ativos podres dos bancos centrais dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Inglaterra (que não está integrada na zona do euro).
Não é preciso ser especialista em matemática financeira para deduzir que este dinheiro vai rodar pelo mundo nos próximos três anos, ganhando juros nos países emergentes ou comprando empresas a preços de banana. No Brasil, há um caso público e notório no gênero: a aplicação realizada pela Coca-Cola de US$ 3 bilhões, no sistema financeiro nacional. Parte dos cerca de US$ 8 bilhões do lucro da corporação no mundo, que obteve um faturamento, em 2011, de mais de 46 bilhões de dólares. Refrigerantes e sanduíches são dois ingredientes fundamentais do capitalismo esclerosado. O Mac Donald’s faturou no mundo mais de US$ 30 bilhões, com lucro de US$ 5,5 bilhões. Só os brasileiros contribuíram com US$ 950 milhões em sanduíches, do tipo “amo muito tudo isso”, embora contenham mais de 20% de gordura: super-size-me!
Agora, teorizando (isto é, tentando explicar duma forma mais profunda e essencial) essa questão financeira e retomando a questão da arte e cultura em simbiose com o capital financeiro, Jameson (1) faz algumas observações interessantes: se no Modernismo, o dinheiro é tanto uma abstração (que torna tudo equivalente) quanto vazio e desinteressante, uma vez que seu interesse está fora dele, ele é então incompleto como as imagens dos quadros e/ou filmes modernistas, pois direciona a atenção para outro lugar, para além de si mesmo, na direção que se supõe completo (e que também o suprime), ou seja, a produção e o valor. No Modernismo, o dinheiro tem uma semi-autonomia, mas não uma autonomia completa, na qual ele constituiria uma linguagem e uma dimensão em si mesmo.
Mas isso é exatamente o que o capital financeiro instaura: um jogo de entidades monetárias que não precisa nem de produção (como o capital precisa), nem de consumo (como necessita o dinheiro); que, supremamente, pode viver como o ciberespaço – de seu próprio metabolismo interno e circular, sem nenhuma referência a um tipo anterior de conteúdo.
As imagens-fragmento narrativizadas de uma linguagem pós-moderna estereotipada (e aqui também se inclui a Literatura) se comportam do mesmo modo: sugerindo um novo domínio ou dimensão cultural que é independente do antigo mundo real, não porque, como no período moderno, a cultura se retirou daquele mundo real e se refugiou no espaço autônomo da arte, mas antes porque o mundo real já está totalmente impregnado e colonizado pelo cultural (e como esta é a cultura do dinheiro, donde etc.), de tal forma que não há nenhum espaço externo a partir do qual se pode ver o que lhe falta.
Nunca falta nada para os estereótipos (da cultura de mercado, mas só que não existe nem arte nem cultura fora do mercado) e nem para o fluxo total dos circuitos de especulação financeira. O fato é que cada um deles, inevitavelmente, está indo, sem perceber, em direção a um crash.
(1) In A Cultura do Dinheiro, Rio, Vozes, 2001
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