Sandra Franco*
É inegável a importância da pesquisa tecnológica e científica voltada para a aplicação no setor de saúde. Equipamentos sofisticados possibilitam a cada dia diagnósticos mais rápidos e precisos. Cirurgias minimamente invasivas permitem aos pacientes a cura, dando-lhes vida mais longa e com qualidade. Privilégios ao alcance de poucos brasileiros.
A medicina, em todos os seus campos de atuação, surpreende: clonagem, nanotecnologia, biotecnologia, nanomedicina e mais o que nossa vã imaginação puder conceber. Todavia, essas vantagens impressionantes não estão ao alcance de um usuário da saúde pública. Ou mesmo, por conta da forma como se tem exercido a saúde privada, aos usuários de operadoras de saúde e organizações semelhantes.
Não é preciso conhecimento profundo em economia da saúde para se concluir que a realização de exames altamente especializados, além de cirurgias por técnicas avançadíssimas elevam os custos da assistência médica e acabam por causar um desequilíbrio quanto ao acesso à saúde.
Se para a saúde suplementar, a inclusão de determinado exame no “Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)” obriga à aquisição de equipamentos caríssimos, tal custo poderá ser compensado por eventual ajuste nas mensalidades dos usuários. Todavia, no setor público, mesmo naqueles locais em que a tecnologia está incorporada, como os centros de pesquisa, a insuficiência de recursos para ampliação da infraestrutura na prática raciona o acesso dos pacientes.
Na semana passada chamou atenção notícia informando a superlotação do maior centro de pesquisa e tratamento de problemas cardiológicos em São Paulo, reconhecido internacionalmente. No Incor – Instituto do Coração – encontra-se tecnologia de ponta. Paradoxalmente, pacientes aguardam 14 meses para a realização de um ecocardiograma e por volta de seis meses para cirurgias coronarianas. Nem é preciso dizer que um simples ecocardiograma pode salvar a vida do paciente com veias obstruídas.
Causou também reflexão sobre o tema da inclusão tecnológica na saúde o fato de importante hospital privado de São Paulo ter descartado lixo que continha material com dados dos pacientes (contas hospitalares de até R$ 280 mil e pedidos de autorização de cirurgias, internações e exames para os convênios).
Ora, no momento em que vários estabelecimentos realizam a implantação de sistemas de prontuários eletrônicos, inclusive de forma a criar um banco integrado de dados do paciente (para o qual a principal crítica está ligada à garantia da preservação do sigilo), causa espanto a facilidade como documentos importantíssimos foram, literalmente, ‘espalhados ao vento’. É impossível deixar de considerar que se esse fato grave relaciona-se ao Hospital São Luiz, em São Paulo. Informações eletrônicas estariam mais protegidas?
PublicidadeData de 5 de novembro de 2009 a Portaria nº 2.690 que instituiu, no âmbito do SUS, a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. As tecnologias em saúde não se restringem a medicamentos e procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, mas também à adoção de sistemas informatizados.
Essa portaria representou uma iniciativa recente do Ministério da Saúde visando a identificação de cada usuário do Sistema Cartão do SUS, consoante a Portaria de n° 940, de 28 de abril. No texto, aliás, há importante menção à Lei no 8.159/1991, que dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados, em especial ao art. 7º, §1º, pelo qual também se consideram públicos os documentos gerados por entidades privadas encarregadas da gestão de serviços públicos. É o caso das informações de pacientes, seja em prontuários, guias médicas, registros de medicação, prontuário físico ou eletrônico.
Também a Lei 12.401, de 28 de abril de 2011, que modifica a Lei no 8.080/1990, acrescentando-lhe o Capítulo VIII, apresenta um título oportuno à análise em questão: “Da assistência terapêutica e da incorporação de tecnologia em saúde”. Os dispositivos tratam essencialmente de critérios a serem observados para que se efetive a incorporação de tecnologia: protocolos e diretrizes terapêuticas que demonstrem quando (fase da evolução da doença) e porque (quais benefícios no tratamento) o paciente precisará fazer uso daquela tecnologia. Nada há para se dizer contrário ao texto, salvo ser difícil acreditar na efetividade do preconizado na legislação, quando falta o básico.
É lugar-comum falar dos problemas do sistema de saúde brasileiro. No entanto, o presente cenário comprova a existência de dois “Brasis”. Aquele em que o avanço tecnológico é incorporado de forma plena – desde a separação e destino do lixo hospitalar até o uso dos equipamentos sofisticados por uma equipe de profissionais médicos altamente especializados. E o outro Brasil em que faltam leitos, medicamentos, equipamentos básicos (como um respirador ou equipamento de raios-X), profissionais de todas as áreas e o que se dirá quanto ao destino dos resíduos hospitalares.
E agora, José? É necessário transformar palavras em ações.
*Consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e Presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde
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