São conhecidos os defeitos do atual senador Fernando Collor (PTB-AL), mas é preciso admitir que nenhum outro presidente, desde o restabelecimento das eleições presidenciais diretas, recebeu uma herança tão pesada quanto a que o seu antecessor, José Sarney, lhe legou, em março de 1989.
Juntos, Sarney e seu último ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, levaram o país ao fundo do fundo do poço. Inflação de mais de 72% ao mês. Dívida pública, desemprego e miséria em forte alta. Produtividade, esperança e autoestima totalmente em baixa.
Tão simpático quanto falante, Mailson era objeto de infinita condescendência por parte da imprensa, dos empresários e analistas financeiros. Funcionário de carreira do Banco do Brasil e com longa vivência na administração federal, Mailson era um bom burocrata, nada além disso. Jamais foi um grande conhecedor de economia, área em que se graduou num modesto curso noturno em Brasília. Nem tinha a credibilidade necessária – como faria Fernando Henrique em 1993, no governo Itamar Franco – para recrutar os melhores economistas nacionais em torno da missão, então considerada impossível, de vencer a inflação.
Embora fosse um homem com credenciais muito aquém das necessárias para lidar com o cenário de hiperinflação e baixo crescimento econômico então existente, a torcida em seu favor era próxima da unanimidade. Tratava-se, afinal, de minimizar os estragos do desastre a que se assistia ao vivo e a cores.
Àquela altura, Sarney, desgastado por denúncias de corrupção e sucessivas demonstrações de incompetência administrativa, não encontraria gente mais qualificada que topasse o funesto papel de coveiro, digo, ministro da economia brasileira. E assim Mailson administrava o que ele mesmo chamava de política “feijão com arroz”. O que significava mais ou menos o seguinte: conter a gastança pública na boca do caixa, administrando o Tesouro Nacional de maneira a adiar ou reduzir ao máximo as (poucas) despesas passíveis de corte ou retardamento; evitar os pacotaços e planos de impacto que nos anos precedentes (em especial, de 1985 a 1987) avacalharam com o setor produtivo sem cumprir o seu objetivo fundamental, que era controlar a inflação; e gastar saliva, tentando convencer a todos de que o gelo estava sendo enxugado da melhor maneira possível.
Hoje, os dois brilham. Sarney, como o todo-poderoso do Congresso. Mailson, como… não, não pode ser… guru econômico!
Pela quarta vez às voltas com o supremo “sacrifício” de, tadinho, presidir o Senado, Sarney se tornou símbolo do que existe de mais decadente na política brasileira. Seus atos desmentem suas palavras. Poucas personalidades políticas desfrutam de prestígio tão baixo junto à opinião pública. No entanto, o homem exala poder por todos os poros. Faz e desfaz ministros. No Poder Judiciário, é invencível. Ele e seu grupo político contabilizam façanhas judiciais como a censura a um jornal que ousou investigar ilegalidades maranhenses (Estadão) e a cassação de um senador (Capiberibe, PSB-AP) e um governador (Jackson Lago, PDT-MA). Em 56 anos de política, Sarney distribuiu cargos e votos entre parentes, amigos e afilhados. Obteve riqueza, fama e até uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Para isso, sempre soube acender vela para o santo certo. Bajulou os militares durante a ditadura, tornando-se um dos seus principais porta-vozes (presidiu a Arena, o partido dos generais!). Travestiu-se de democrata para caber no figurino da “nova república”. Foi Tancredo, foi FHC e agora, como sabemos, é petista desde criancinha, morre de paixão pelo Lula, e tem uma admiração sem fim por Dilma.
Conforme a revista Veja, somando a pensão de ex-governador do Maranhão, a aposentadoria de funcionário do Tribunal de Justiça maranhense e a remuneração do Senado, Sarney recebe atualmente dos cofres públicos R$ 62,3 mil por mês. Salário de marajá, sem dúvida! Mas somente a cereja do bolo para quem preside o Congresso, possui extensa rede de influência nos três poderes, tem uma filha governadora, controla o principal grupo de comunicação do seu estado, e é a mais expressiva liderança da francamente majoritária base governista. Sim, não há como negar, estamos diante de um dos donos do Brasil.
Mailson também está entre os reis do pedaço. Sua consultoria, Tendências, é uma das maiores e mais influentes do país. Na empresa, seja como sócios ou como funcionários, muitos técnicos que no passado ocuparam funções de destaque em Brasília. Ao que se saiba, não há gênios entre eles, que são mais conhecidos pelas boas relações que mantêm com burocratas da área econômica e pela onipresença no noticiário econômico do que por eventuais rasgos de brilhantismo. Como líder espiritual do (assim eles gostam de dizer) “time”, Mailson tenta traduzir para jornalistas econômicos, funcionários de instituições financeiras, investidores – enfim, para os seus “clientes” – aquilo que vai na cabeça dos pensadores econômicos liberais.
O diabo é que ele não tem o conhecimento de causa nem o talento de, digamos, um Armínio Fraga ou um Paulo Rabello de Castro. O resultado é que fala bobagens reconhecíveis até mesmo por um modesto corretor de imóveis como eu. Um exemplo fundamental. Mailson previu o fim do mundo por causa da Constituição de 1988, da qual foi durante anos a fio inimigo feroz. Até mesmo no campo liberal, admite-se hoje que a Constituição contribuiu para o atual surto de desenvolvimento ao promover a inclusão social de milhões de brasileiros, beneficiados por direitos que ela reconheceu. Mailson expressa a média de opiniões do “Mercado”, Deus supremo da versão apequenada da economia que ele professa. E acrescenta dose própria de antipatia contra o PT, sempre regada por extremo simplismo nas análises.
Nada disso, no entanto, impede o sucesso da versão empobrecida de tucanismo econômico que ganha voz por intermédio do guru Mailson. O que ele diz é repetido por gente à beça, na imprensa, no “mercado” e até no governo.
Que jeitosos são o tucano Mailson e o petista Sarney. E como são cordiais no trato! Essa facilidade que ambos têm para lidar com as pessoas deve ajudá-los a exercer a dura tarefa de serem donos de diferentes nacos do Brasil. Que, definitivamente, não é nosso. É de gente como eles.
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