Thiago Coscarelli e Cynthia Catlett *
O Brasil, nos últimos quatro anos, deu importantes passos no sentido de aprovar leis para auxiliar no combate à corrupção e às práticas ilícitas no mercado. As leis de lavagem de dinheiro (12.683/2012), anticorrupção (12.846/2013), que pune empresas por atos de corrupção contra a administração pública, e de defesa da concorrência (12.529/11) são exemplos de ações adotadas pelo governo brasileiro para combater efetivamente a corrupção e os crimes financeiros, como já ocorre em outros países.
Outra ação que fortaleceu a atuação do órgão no combate aos crimes de ordem econômica foi a reestruturação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), descrita na lei 12.529/11. A mudança de abordagem do órgão também ajudou a aumentar o controle e o combate às práticas não tão lícitas de mercado, mostrando que, pelo menos em relação à regulação de mercado, o Brasil vai muito bem.
O Cade, que por muito tempo exerceu uma função mais burocrática do que prática, passou a ter, com o passar dos anos, maior poder de influência e de decisão sobre o destino dos grandes negócios realizados no Brasil.
Embora seja alvo de críticas e questionamentos por parte de empresas e da mídia local por causa da lentidão e de algumas falhas em seus processos, como no caso da Nestlé/Garoto, o Cade vem mostrando melhorias significativas e eficientes em relação à análise de associações, parcerias e práticas ilícitas.
Resultado de empenho do Cade, o órgão nacional antitruste recebeu premiação, em 2014, da Global Competition Review (GCR) como “Agência Antitruste das Américas” e avaliação positiva da mesma instituição, alcançando quatro pontos em total de cinco.
Maturidade
PublicidadeA mudança de postura do Cade mostra também um sinal de maturidade da economia brasileira.
Para especialistas do setor, grandes economias mundiais tornam seus órgãos fiscalizadores importantes instrumentos de controle e monitoramento do mercado. Quanto mais avançado for o país e sua economia, mais fortes serão seus órgãos, leis e instrumentos de fiscalização, dizem esses profissionais.
Exemplo de grande economia mundial que conta com uma forte instituição reguladora da concorrência são os Estados Unidos.
A agência reguladora americana do livre mercado e concorrência, Federal Trade Commission (FTC), fundada em 1914, atua de maneira diferente em relação ao Cade: a FTC não é responsável por julgar, apenas por apresentar pareceres ao Departamento de Justiça americano, para que este proceda ao julgamento dos casos. Já o Cade é responsável direto pela análise e decisão dos processos, tendo o poder de aprovação e veto.
Além do papel judicante exercido pelos dois órgãos, há outras diferenças importantes entre eles. Uma delas é relativa ao grau de envolvimento de ambos nos variados tipos de casos analisados. Outras são o valor dos investimentos e o número de funcionários.
Os valores arrecadados por ambos os órgãos também apresentam uma grande diferença. Enquanto o Cade, em 2014, recebeu cerca de R$ 168 milhões, a FTC arrecadou aproximadamente 15 vezes mais no mesmo período: US$ 656 milhões.
Aproximadamente 65% dos processos julgados pelo Cade em 2014 são de atos de concentração, enquanto que a FTC envolve-se menos nesse tipo de caso e mais nos que se referem a cartéis e monopólios, que chegam a representar 63% do total de casos analisados pelo órgão.
Outro ponto importante é a questão das leis antitruste que regulam o mercado da livre concorrência. A maioria das leis que regulamentam a atividade econômica e financeira e coíbem práticas anticompetitivas, como preços exorbitantes e formação de cartéis, hoje vigentes no mundo, inclusive a brasileira, baseou-se no Sherman Act, a lei antitruste americana, sancionada em 1890. Posteriormente, ela foi complementada pelo Clayton Act, de 1914, e pela lei que criou, no mesmo ano, a FTC, a agência antitruste na qual o Cade se inspirou.
Porém, apesar de possuírem a mesma origem, as principais diferenças entre a lei antitruste brasileira e americana decorrem de diferenças culturais, da forma de atuação e legislações.
Anualmente, a Global Competition Review avalia o desempenho das principais autoridades reguladoras da concorrência e das boas práticas de mercado. De acordo com a GCR, os dois principais pontos de atenção em relação ao Cade são o escasso número de pessoal capacitado e baixo recurso financeiro destinado ao órgão. No mesmo ano, a FTC foi avaliada pela GCR com cinco pontos (máximo possível), sendo eleita uma das seis melhores agências reguladoras do mundo.
Com toda a forte atuação nos últimos três anos, o Cade tem mostrado força investigativa para opor-se às grandes aquisições e também a uma prática até certo tempo comum: a combinação de preços.
Conclusão
Quanto mais avançado o país e sua economia, mais fortes seus órgãos, leis e instrumentos de fiscalização. Recentemente, o Brasil criou leis importantes, como a da defesa da concorrência (12.529/11), a da lavagem de dinheiro (12.683/2012) e a da anticorrupção (12.846/2013), exemplos de ações adotadas para combater a corrupção e os crimes financeiros, a exemplo das grandes economias mundiais, buscando tornar seus órgãos fiscalizadores sempre mais eficazes no controle e no monitoramento do mercado.
A atual abordagem do Conselho Administrativo de Defesa Econômica em relação à regulação de mercado – aumentar o controle e o combate às práticas não lícitas – mostra que o Brasil evoluiu e vai bem: nos últimos três anos, o Cade tem mostrado força investigativa para opor-se às grandes aquisições anticoncorrenciais e à prática da combinação de preços, atitudes condizentes com a dinâmica global. Com sua postura, o Cade sinaliza o grau de maturidade da economia brasileira.
* Cynthia Catlett é managing director e Thiago Coscarelli é consultor sênior na FTI Consulting Brasil.
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