Andrea Vianna
O Congresso em Foco retoma o tema dos parlamentares proprietários de veículos de radiodifusão e publica, desta vez, a relação dos 28 senadores controladores de emissoras de rádio ou televisão, em nome próprio ou de terceiros, conforme levantamento feito pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), sediado em Porto Alegre (RS).
Na primeira reportagem, publicada na última quinta-feira, dia 24, apontamos os nomes dos 49 deputados concessionários diretos de empresas de radiodifusão (clique aqui para ler). Preparada pelo professor Venício de Lima, do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), a lista incluiu apenas aqueles cujos nomes constam do cadastro oficial do Ministério das Comunicações.
Já a relação do Epcom também contempla as empresas de rádio e televisão em nome de filhos, mulheres, maridos ou outros familiares de senadores, além de terceiros que têm com eles não vínculo familiar, mas ligações políticas ou comerciais.
A lista dos senadores resulta do trabalho do pesquisador James Görgen, desenvolvido sob a supervisão do diretor do Epcom, o jornalista Daniel Herz, a partir do cruzamento de dados entre os senadores que compõem a atual legislatura (2002-2006) e o cadastro oficial do Minicom. Görgen explica que a pesquisa só se tornou possível a partir da iniciativa do ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira, que em novembro de 2003 decidiu, pela primeira vez, publicar na página do ministério na internet, a relação dos concessionários públicos de radiodifusão.
Restrições constitucionais
O artigo 54 da Constituição Federal diz que deputados e senadores não podem “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público” ou “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público”.
Baseado nesse dispositivo constitucional, o ProJor, instituição jornalística mantenedora do site Observatório da Imprensa, entrou com representação no Ministério Público Federal defendendo a apuração do fato, de maneira a permitir a responsabilização cível e criminal dos congressistas que contrariam as determinações constitucionais.
Embora o pedido de investigação formulado ao Ministério Público tenha se restringido aos deputados empresários, um de seus autores, o jornalista Alberto Dines, esclarece que os senadores serão incluídos nas apurações numa segunda fase do levantamento.
“A primeira fase da pesquisa, realizada no primeiro semestre deste ano, ateve-se à investigação dos procedimentos da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Esse trabalho terá desdobramentos, tão logo tenhamos recursos para isso. O plano é aprofundar a pesquisa já iniciada e também investigar a documentação da Comissão de Educação do Senado, que desempenha papel semelhante ao da CCTCI”, explica ele.
Dines observa que ambas as comissões, da Câmara e do Senado, são instâncias decisivas na tramitação dos processos de renovação e homologação das novas concessões de rádios e TVs. De acordo com o Projor, somente a CCTCI tem 16 integrantes que são sócios de empresas de radiodifusão. “Existe um claro conflito de interesses”, ressalta o jornalista.
Conforme o levantamento do professor Venício, feito sob encomenda do Projor, 51 deputados eleitos na atual legislatura – ou cerca de 10% da Câmara – controlam diretamente emissoras de rádio e TV. Desses, 49 ainda exercem o mandato e outros dois (Carlos Rodrigues e José Borba) renunciaram, após serem acusados de envolvimento com o mensalão.
A lista dos senadores
Pelo levantamento do Epcom, 15 senadores (18,5% do total) controlam diretamente empresas de radiodifusão. Incluindo os 13 que mantêm controle indireto, o percentual aumenta para 35%. A pesquisa, encerrada no final de 2004, resultou em lista na qual aparecem nove senadores do PFL, oito do PMDB, seis do PSDB e dois do PT. Os três restantes são do PTB, do PSB e do recém-criado Partido Municipalista Renovador (um cada).
Constam da relação o senador licenciado e atual ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), e alguns dos principais caciques do Congresso, como o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP); o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA); o presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati (CE); e o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN).
Hélio Costa é sócio-cotista da rádio FM ABC de Barbacena (MG). Procurada pelo Congresso em Foco, a assessoria de comunicação do ministro informou que a concessão foi obtida em 1985, antes de Costa ingressar na política. O ministro alega que atendeu a um pedido da população da cidade, que não tinha nenhuma emissora FM. E informa que, agora em dezembro, pretende comparecer à Comissão de Ética do Senado para formalizar o seu licenciamento da emissora, na qual, enfatiza, não exerce função de diretor, mas apenas de sócio.
Na última sexta-feira, o Congresso em Foco enviou e-mail a todos os demais senadores incluídos na lista do Epcom. Até ontem à tarde, nenhum deles se manifestou sobre o assunto. Também foi procurado o Sérgio Zambiasi (PTB-RS). Ele admitiu que trabalhou como radialista na Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, até o último mês de julho. A Constituição proíbe que os parlamentares “exerçam função remunerada” (artigo 54, II, a) nas empresas concessionárias públicas.
O levantamento feito pelo Epcom faz referência ainda a um deputado que ficou de fora da listagem do professor Venício, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Primo do atual relator da CPI dos Bingos, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), o deputado é apontado como sócio de duas rádios e da principal emissora de TV do Rio Grande do Norte, a TV Cabugi, retransmissora da Rede Globo.
O senador Flávio Arns (PT-PR) entrou na lista do Epcom porque parentes seus controlam várias empresas de radiodifusão em Santa Catarina. Até por exercer atividade política em outro estado, é pouco provável que ele tire proveito eleitoral disso. Há, finalmente, vários parlamentares que aparecem na relação tanto no controle direto como indireto de emissoras de rádio e TV.
Segundo o advogado constitucionalista Márcio Coimbra, a Constituição estabelece de modo claro a incompatibilidade entre o exercício de função legislativa e o controle de concessões públicas. “Os parlamentares não podem ser concessionários públicos. E não se justifica o argumento de que eles se afastam do controle ou da administração das empresas ao tomarem posse. O artigo 54 fala em ser proprietário ou diretor. Nem sócio eles podem continuar sendo. Afinal, como sócios, continuam tendo lucros, prevalecendo o conflito de interesses”, argumenta o advogado.
Mídia e poder
Há fartas indicações de que, muitas vezes, poder político e propriedade de veículos de comunicação caminham juntos. No Brasil, o controle dos meios de radiodifusão é uma das marcas de várias oligarquias locais ou regionais, algumas das quais com forte influência nacional. A família do ex-presidente Fernando Collor de Melo controla o principal grupo de mídia alagoano. As famílias Sarney e Magalhães imperam, respectivamente, no Maranhão e na Bahia.
Na Europa, são raros os casos de políticos que exercem controle sobre a mídia eletrônica. Exceção à regra é o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, dono do maior conglomerado de comunicações do país.
O controle e o uso político dos meios de comunicação ocorrem em várias nações latino-americanas. Em algumas delas, porém, a sociedade se movimenta no sentido oposto à apatia que acomete países como Brasil e Itália.
A candidatura à presidência do conservador Sebastián Piñera, acionista da companhia aérea Lan Chile e proprietário do canal de TV Chilevisión, está sendo fortemente questionada. Ele promete vender parte de suas ações, mas seus adversários, a candidata da situação Michelle Bachelet, e o ex-prefeito de Santiago Joaquín Lavín, querem que ele cumpra a promessa imediatamente. Bachelet, que tem o apoio do atual presidente, o socialista Ricardo Lagos, sustenta que o eventual futuro presidente do país não pode conciliar os interesses pessoais com os interesses do país.
“Todas as distorções e aberrações da mídia eletrônica brasileira germinam nesta questão: os meios de comunicação não podem estar nas mãos do poder político. Além de autônomos, esses veículos devem ser entregues a empresas e entidades profissionais para garantir um mínimo de competência e seriedade na difusão da informação. O grande problema da concentração da mídia brasileira começa aqui: o parlamentar se autoconcede uma emissora e depois vai negociá-la com uma grande rede de TV ou rádio”, alerta Alberto Dines, um dos mais respeitados jornalistas brasileiros.
Na Câmara dos Deputados, encontra-se em tramitação proposta de emenda constitucional (PEC), de autoria de Alceste Almeida (PMDB-RR), que pode piorar as coisas. Ela autoriza os parlamentares a serem proprietários de empresas jornalísticas, emissoras de rádio e televisão.
Dos 189 deputados que assinaram a PEC, 32 são membros da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Entre os signatários, estão o deputado e ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira (PMDB-CE); o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTB-SP); e o primeiro vice-presidente da Câmara, deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL). Pelo menos cinco subscritores da PEC são, ao mesmo tempo, concessionários de radiodifusão e membros da CCTCI: Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), João Mendes de Jesus (PSB-RJ), Leodegar Ticoski (PP-SC), Nelson Proença (PPS-RS) e Ricardo Barros (PP-PR).
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