Lúcio Lambranho
De um lado, os donos da Pará Pastoril e Agrícola (Pagrisa), a maior produtora de etanol e açúcar do estado, acusada de manter 1.064 trabalhadores em condições análogas à escravidão. De outro, os fiscais do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Trabalho Escravo que libertaram esses mesmos trabalhadores da Pagrisa no final de junho.
E o palco desse confronto ontem (2) foi a comissão externa do Senado criada para investigar a denúncia da empresa de que houve abuso por parte do grupo móvel de fiscais, responsável desde 1995 pelo resgate de mais de 25 mil trabalhadores, na autuação da Pagrisa. E, apesar dos argumentos das duas partes, a briga que resultou na suspensão em todo o país das atividades de combate ao trabalho escravo ainda não tem prazo para acabar (leia mais).
Por falta de entendimento e por causa das votações no plenário, a reunião de ontem foi suspensa e será retomada nesta quarta-feira (3). Mas as possibilidades de um acordo parecem, no momento, pequenas.
O principal encaminhamento para o impasse feito até agora partiu do senador Paulo Paim (PT-RS). O senador gaúcho quer que o assunto seja encaminhado para a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, vinculada à Comissão de Direitos Humanos, por ele presidida. “Vamos levar esse debate para a comissão competente. Não acho bom nem para a Pagrisa que esse caso fique restrito à comissão externa”, argumentou o petista.
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Insegurança e encenação
Em paralelo, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que coordena o trabalho do grupo móvel, ainda avalia em duas reuniões, amanhã (4) e na sexta-feira (5), com os oito coordenadores da fiscalização se retoma ou não suas atividades em todo o Brasil. “A insegurança é relativa à fragilidade institucional das ações”, afirma a coordenadora do grupo móvel e secretária do MTE, Ruth Vilela.
A reclamação tem destino certo: a própria comissão externa. Há duas semanas, um grupo de cinco senadores visitou as instalações da Pagrisa no Pará e, diante do cenário encontrado, voltou suas baterias contra os fiscais, endossando o coro da empresa de que houve abuso na ação dos fiscais e desqualificando a fiscalização.
“A degradação ficou caracterizada no tratamento dado aos trabalhadores. O tratamento pode ser mudado da noite para o dia. Eu tenho certeza de que os senadores também foram enganados”, declarou, na audiência pública, o procurador do Trabalho Antônio Luiz Fernandes sobra a visita dos senadores dois meses após a libertação dos trabalhadores na fazenda paraense.
O procurador do Trabalho também anunciou durante a sessão que está entrando com uma ação na Justiça contra os donos da empresa para retirar imagens dele usadas em um vídeo institucional da Pagrisa, exibido ontem na comissão do Senado.
No vídeo, o procurador diz que a empresa tem uma boa estrutura e que não teria grandes problemas durante a fiscalização. Antônio Luiz argumenta que suas declarações foram editadas e que não foi considerado o que foi dito por ele depois desse entrevista e durante os 12 dias de fiscalização na Pagrisa.
Questão de conceito
Para a relatora da comissão externa, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), é preciso uma definição mais clara sobre trabalho degradante, trabalho forçado e trabalho escravo. A senadora do DEM classifica o conflito entre o grupo móvel e os proprietários como resultado de uma má conceituação. “O que é degradante para um trabalhador pode ser bom para outro. Não adianta libertar e desempregar”, diz a relatora.
No vídeo apresentado pelo auditor-fiscal do trabalho Humberto Célio Pereira, coordenador da fiscalização na Pagrisa, a própria mulher de um dos donos da empresa também revela desconhecimento sobre o que vem a ser trabalho escravo. “Tinha uma metralhadora apontada para sua cabeça? Tinha corrente nos seus pés?”, pergunta a proprietária da usina a um dos trabalhos libertados durante a fiscalização.
Segundo os fiscais do grupo móvel, o trabalho escravo ficou caracterizado porque as condições locais eram degradantes, parte da comida fornecida era estragada e os trabalhadores tinham seus salários praticamente confiscados para saldar dívidas alegadas pela empresa.
“Não temos dúvidas de que as provas que coletamos deixam bem caracterizado o trabalho análogo ao de escravo em três das quatro modalidades previstas no Art. 149 do Código Penal: a servidão por dívida, a jornada exaustiva e as condições degradantes”, afirmou o auditor e coordenador da ação.
Apoio de longe
Sob o argumento de que as ações do grupo móvel levaram o desemprego à região, cerca de 40 pessoas, todas moradoras de Ulianópolis (PA), sede da Pagrisa, acompanharam a audiência para pedir a anulação da fiscalização e readmissão dos trabalhadores da empresa.
O Congresso em Foco apurou que os trabalhadores chegaram a Brasília em ônibus fretado pela Pagrisa, mas os representantes da empresa negaram a informação, alegando que os presentes eram representantes da sociedade civil do Pará.
De outro lado, auditores fiscais do Trabalho defendiam o trabalho do grupo móvel levantando cartazes com os dizeres: “Trabalho escravo desumano para o trabalhador, inadmissível para o empreendedor, vergonha para o país”.
“Exagero” nas autuações
“Existe um exagero nas fiscalizações. Nem 5% dos 25 mil trabalhadores libertados até hoje estavam em condições de escravidão. Estão trabalhando contra o Brasil”, disse ao Congresso em Foco o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), que acompanhou ontem as discussões na comissão do Senado.
Como revelou ontem este site, o deputado do PDT é um dos 25 políticos que tiveram parte de suas campanhas pagas por empresas incluídas na chamada “lista suja” de trabalho escravo (leia mais).
Giovanni Queiroz recebeu R$ 16 mil da Siderúrgica Marabá S/A (Simara), acusada de explorar 73 trabalhadores em condições análogas à de escravo, em Marabá, e que está no cadastro do governo federal desde julho 2007. Eleito para o seu primeiro mandato, o presidente do diretório regional do PDT no Pará também recebeu R$ 10 mil de José Cristiano, dono da Agropecuária Mirandópolis.
Em 2004, a empresa também foi flagrada mantendo 33 trabalhadores em condições análogas à de escravo, mas teve seu nome retirado da lista. “Da outra empresa eu não lembro de ter recebido dinheiro, mas da Simara possa garantir que nunca houve nenhum trabalhador escravo, assim como não tinha na Pagrisa”, declarou o parlamentar do PDT.
Caso na Justiça
Por trás da polêmica, os donos da Pagrisa correm contra o tempo para não ter que fechar as portas da empresa. Os principais compradores de etanol, como a Petrobrás e a Ipiranga, cortaram as compras da empresa logo que os trabalhadores foram libertados. “Não temos muito tempo e não sei se chegamos até lá”, disse um dos sócios da Pagrisa, Murilo Fernão.
Além da pressão de outras empresas, os donos da Pagrisa vão responder a processo penal por utilizar mão-de-obra em situação análoga à de escravo, por não seguir a legislação trabalhista e por impor perigo à saúde dos trabalhadores. Os empresários, por sua vez, negam que mantenham os seus funcionários em condições degradantes.
A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi aceita na segunda-feira (24) pela juíza Carina Cátia Bastos de Senna, da Subseção Judiciária Federal de Castanhal, no Pará. A juíza acatou os indícios apresentados pelo grupo móvel do MTE.
Em comunicado à imprensa divulgado ontem (2), os diretores da Pagrisa disseram que recorreram aos senadores para que a empresa seja investigada de forma isenta. “Uma investigação isenta vai mostrar que a Pagrisa jamais utilizou mão-de-obra escrava, pelo contrário, temos um largo histórico de responsabilidade social e bom relacionamento com nossos funcionários”, diz Marcos Vilella Zancaner, presidente da Pagrisa.
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