Os EUA são um país meio maluco. Não vejo outra democracia onde um discurso como o dos republicanos, absurdamente incoerente, pudesse ser considerado minimamente viável para vencer eleições. Para mim, a convenção republicana foi um circo dos horrores: a maluquice do monólogo de Clint Eastwood com a cadeira vazia onde estaria Obama, aquele fervor com que a coitadona e insossa dona de casa Ann Romney foi recebida ao declamar suas banalidades e o discurso perfeitamente alienígena dos líderes políticos republicanos, a começar pelo robótico candidato Willard “Mitt” Romney.
A primeira ideia que vem à cabeça é que essa gente acredita que os americanos são todos idiotas e que ninguém se lembra de mais nada do que aconteceu na sua história recente. Vamos recordar: uma fase de prosperidade na administração Clinton com superávit orçamentário e crescimento. Feroz oposição republicana que não hesita em incensar um procurador especial a investigar a vida sexual do presidente e promove uma tentativa de impeachment decorrente disso. Um presidente republicano, George W Bush, eleito com minoria de votos e fraude na Flórida coonestada pela suprema corte. Apresenta-se eleitoralmente como um “conservador com compaixão”, mas revela-se um belicista aventureiro que promove uma insana invasão do Iraque para uma guerra que custa muito caro em prestígio, vidas e orçamento e, no final das contas só favorece o Irã. Um simultâneo corte radical de impostos para os mais ricos e forte “desregulação” para favorecer a especulação financeira de Wall Street. Uma recessão econômica e um déficit brutais desencadeando uma crise global. Vem Barack Obama e herda a pior crise econômica desde a grande depressão, dos anos 30. Consegue evitar sua repetição daquela a muito custo. É combatido ferozmente e boicotado pelos republicanos desde o primeiro instante com requintes de irresponsabilidade como aquela recusa do Congresso republicano em elevar o limite de endividamento levando o país ao rebaixamento e à quase inadimplência. Uma lenta e tortuosa recuperação econômica – neste momento, os EUA crescem mais do que o Brasil – prejudicada por um contexto internacional negativo com a brutal crise do euro e o arrefecimento dos “emergentes”.
Na narrativa republicana, Obama é responsável pela crise, pelo déficit, pelo fato da economia continuar anêmica e o desemprego ainda se manter alto e a solução é simplesmente mais Bush que Bush: cortar impostos dos ricos, aumentar o gasto militar, voltar a uma postura unilateral belicista, ilegalizar o aborto e o casamento gay, perseguir os imigrantes, liquidar o “obamacare”, deixando milhões sem assistência médica e cortar drasticamente a assistência social a educação, a infraestrutura, o gasto público em geral. Liquidar a legislação ambiental e favorecer a indústria do petróleo e do carvão, até porque o aquecimento global não existe, é uma piada: Obama quer segurar a elevação do nível dos oceanos – ha, ha, ha –, mas Mitt vai cuidar da sua família.
Não consigo imaginar outra democracia onde um conjunto de imbecilidades tamanho pudesse empolgar metade do eleitorado, mas, aparentemente, nos EUA isso ainda cola. O mais curioso é assistir a todos aqueles jornalistas sérios da CNN comentando o sucesso da “humanização” de Mitt por Ann Romney e a sua suposta assertividade e veemência – quase eloquência – sem que ninguém reconheça o óbvio e ululante: o rei está nu, o sujeito é um chato, um canastrão irremediável e sua plataforma puro delírio. Num determinado momento, não aguentei, abaixei o som da TV e fiquei apenas vendo aquelas imagens patéticas. Na minha percepção – eventualmente equivocada, afinal metade dos americanos parece acreditar ! –, vi um grupo sociologicamente em declínio a bordo de um Titanic ideológico aplaudindo um cara de sorriso gelado com a derrota estampada no olhar assustado. Mitt, o esquisitão, parece não ter a menor chance. Pela lógica. Mas, cacêta, posso estar rotundamente enganado. Vai ver não entendo xongas de como a banda toca nas bandas do Tio Sam…
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