Neste 15 de dezembro, estaria celebrando 100 anos de nascimento uma das figuras públicas mais importantes da história de nosso País: Miguel Arraes. Ele foi muito mais do que um político, mais do que um governador, mais do que um gestor público. Foi, essencialmente, um inspirador de várias gerações.
Tive o privilégio de conviver com Dr. Arraes e de compartilhar a luta política com ele. E confesso que nos dias terríveis que hoje vivemos, sua ausência se agiganta! A integridade para com seus princípios políticos era nele uma índole. Era um compromisso de vida. Mesmo quando tratava de questões da política internacional, ele guardava uma capacidade singular de amarrar aquele raciocínio complexo à simplicidade do povo de sua aldeia. Sua força vinha dessa sensibilidade e lealdade ao seu povo e às suas raízes, às profundas raízes do nosso sertão.
Único homem entre os sete filhos de José Almino Alencar e Maria Benigna Arraes, Miguel Arraes de Alencar nasceu em 15 de dezembro de 1916, em Araripe, no Estado do Ceará, onde frequentou os primeiros anos de escola. Em 1932, concluiu o curso secundário no Colégio Diocesano, no Crato, também no Ceará, e, em seguida, mudou-se para a capital pernambucana. Casou em 1945 com Célia de Souza Leão, que faleceu após 16 anos de convivência, deixando oito filhos pequenos. O deputado se casou pela segunda vez no ano seguinte, com Magdalena Fiúza, com quem teve mais dois filhos.No Recife, ele foi aprovado em concurso público para o hoje extinto IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool. E foi no IAA que Arraes conheceu Barbosa Lima Sobrinho, ex-presidente do Instituto, que o levou para a vida pública.
Advogado de formação, economista por profissão e homem público por vocação, foi deputado estadual, federal, prefeito de sua querida Recife e governador de Estado. Em sua primeira experiência no Palácio das Princesas, em 1962, depois de uma administração aprovada pela população de Recife, Miguel Arraes implantou programas na área de educação e no setor rural. O “Acordo do Campo”, assinado em seu gabinete, teve como princípio a implantação da justiça na relação trabalhista entre canavieiros e donos de usinas, fortalecendo as Ligas Camponesas e a organização popular.
Não aceitando se render ao autoritarismo, resistiu ao golpe militar junto ao seu colega governador dos gaúchos, Leonel de Moura Brizola. Foi deposto e preso na Ilha de Fernando de Noronha, sendo depois obrigado a abandonar o país justamente por esse ideal, ao qual se manteve coerente durante toda sua trajetória política.
Seu exemplo de luta pelos menos favorecidos, naquele contexto irracional da Guerra Fria, não passaria em vão. Condenado à revelia a 23 anos de prisão por subversão, não lhe restou alternativa a não ser o exílio. Acabou indo para a Argélia, com sua esposa e seus dez filhos ainda pequenos, vivendo as duríssimas dificuldades de tantos brasileiros e brasileiras expulsos de seu país por um regime infame.
PublicidadeSua opção pela Argélia se deveu à luta anticolonial e aos problemas sociais que se assemelhavam, aos seus olhos, aos enfrentados no Brasil, sobretudo na região Nordeste. Essa experiência amarga do exílio ampliou ainda mais seus horizontes. E acentuou sua compreensão sobre a nefasta ação imperialista sobre os povos do terceiro mundo.
Com a anistia, em 1979 volta ao Brasil literalmente nos braços do povo, quando uma festiva multidão o recebeu no Aeroporto de Recife cantando “Arraes taí! ”.
Sua figura mitológica, ideais nacionalistas e compromisso com a participação popular ficaram ainda mais fortalecidos. Naquele momento de ressurgimento democrático e de necessidade de dividir o bolo do crescimento econômico, coube a Miguel Arraes personificar o ímpeto irrefreável da vontade popular pela liberdade, pela democracia e justiça social.
Ingressa, então, no PMDB, e se elege novamente governador de Pernambuco, em 1986. Com um governo – o primeiro nos agora distantes anos sessenta – voltado para políticas sociais, agiu em apoio ao incrementar da agricultura familiar e apoio aos pequenos produtores rurais. Promoveu, também, um inédito, à época, programa de eletrificação rural, que beneficiou centenas de milhares de famílias do campo.
Em 1990, Miguel Arraes filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), tornando-se seu presidente e sua maior liderança nacional. Como socialista, refletia sobre a necessidade de transformações mais profundas no Brasil, e dizia: “Eu acho que a humanidade tem de encontrar um sistema que busque uma solução satisfatória para todos e pregue a pacificação das relações humanas. O socialismo seria essa busca da solução satisfatória para todos…”.
Em 1994, foi eleito para seu terceiro mandato como governador, novamente aclamado pelo povo pernambucano. Acabou pagando caro por ser oposição ao governo federal, sofrendo com a asfixia de recursos e com a grave crise fiscal dos anos 1990.
Naqueles tempos (similares a hoje), em que todos os esforços são feitos “em nome” da estabilidade econômica, ele asseverava, colocando os pingos nos “is”:
“A estabilidade que nós queremos é a que permite reformular, de modo construtivo, os rumos do país, abrindo caminho para a consolidação de uma nação onde brasileiros não sejam tratados como estrangeiros, separados pelo fosso de vergonha entre os que comem três vezes ao dia e os que nada comem”.
E Miguel Arraes alertava também que a: “Estabilidade total só existe na morte e nós não queremos morrer, queremos sobreviver”.
Foi nesse governo que, em 1995, assumiu a Secretaria Estadual de Cultura Ariano Suassuna. Essa parceria entre Arraes e Ariano ressalta mais uma faceta do líder nordestino, seu apego e valorização à cultura popular, como um relevante saber popular. As aulas-espetáculo que eram ministradas por Ariano sintetizavam todo um esforço bem-sucedido do governo para difundir no Estado e no Brasil a cultura pernambucana.
Em 2002, Arraes disputou pela última vez uma eleição, quando foi eleito deputado federal por Pernambuco. Presidia o PSB quando morreu, em 13 de agosto de 2005, de infecção generalizada. Seus funerais foram uma demonstração impressionante de carinho da população pernambucana. O povo a quem dedicara toda sua vida, aos milhares, usaram chapéus de palha, símbolo dos programas sociais de Arraes para o campo. Artistas, intelectuais, sindicalistas e líderes nacionais de todas as ideologias prestaram suas últimas homenagens, numa demonstração emocionante de reconhecimento e respeito.
Além do seu próprio exemplo de luta, coragem e integridade política, Arraes também legou à política nacional uma das mais brilhantes e promissoras lideranças, cuja vida foi, infelizmente, abreviada por um trágico acidente de avião: seu neto, Eduardo Campos. Eduardo quando eleito para o governo de Pernambuco representou uma retomada de muitos dos compromissos e programas do governo de seu avô, mas que, com imensa capacidade administrativa, conseguiu renovar, ampliar e modernizar criando uma referência de gestão governamental para as atuais gerações de gestores públicos.
Neste momento difícil e delicado por que passa o Brasil atualmente, de profundo descrédito para com a política e os políticos, e em que está posta em cheque a própria democracia, quero dizer para nos inspirarmos em Miguel Arraes! É esse exemplo de brasileiro que aqui reverencio neste que seria seu centésimo aniversário: um sertanejo do mundo, que fugia das classificações e dos reducionismos, e que assim se definia:
“Nunca me preocupei com rótulos. O rótulo de radical, conciliador, não tem nenhum sentido para mim, como não tinha sentido me chamarem de comunista no passado. O que importa é a prática política. O que importa são os posicionamentos que se tomam ao lado de determinadas camadas sociais em defesa de teses que interessam à nação como um todo”.
Tem que aproveitar e escrever bastante mentira na Internet agora porque não se sabe se em Curitiba tem conexão né? Sobre a “genialidade” do assecla do clã Arraes, basta ver os índices (qualquer um) de Pernambuco pra ver os maravilhosos resultados dos governos ora elogiados.
Político elogiando político… Dá pra acreditar?