Osiris Lopes Filho*
Um experiente financista há séculos atrás vaticinou em elegante frase os padecimentos que vitimam os cidadãos-contribuintes hoje e continuarão a torturá-los no futuro, sem trégua: “Os sonhos de hoje serão os tributos do amanhã”.
No Estado Moderno toda a nova atividade estatal que exija significativa aplicação de recursos públicos pode acarretar a criação ou elevação de tributos, se, do lado da despesa pública, o gestor orçamentário não puder ou não conseguir reduzir as despesas.
No nosso país, tem predominado a gastança desenvolta. Não há sinais de contenção, a não ser na castração de direitos e da remuneração dos servidores públicos. Bode expiratório de governo disposto a continuamente dar tiro no próprio pé, ou pior, de castrar sua própria virilidade. Servidor público mal remunerado, imolado em praça pública e na mídia, prestará serviços deficientes. É o que ocorre atualmente.
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Aprovada a Emenda Constitucional nº 29, em 12 de setembro de 2000, destinada a assegurar recursos mínimos para o financiamento das ações e dos serviços públicos de saúde, a lei complementar destinada a estabelecer os recursos a serem disponibilizados pela União só agora, quase oito anos após a promulgação da emenda, está para ser votada pela Câmara dos Deputados.
No bojo desse projeto de lei complementar, introduziu-se a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), sucedâneo oportunista e extorsivo para a extinção da CPMF. Versão macabra de tributo extinto pelo seu anacronismo e espoliação.
Como sempre ocorre quando se propõe a exploração da boa-fé do povo, acena-se com finalidade nobre, a saúde pública, e sua alíquota pequena como começo da enganação: 0,1%. Cerca de 1/4 da alíquota da CPMF.
Há um problema constitucional. Dispõe o art. 195, parágrafo 4º, da Constituição, que poderão ser instituídas outras fontes tributárias para garantir a expansão da seguridade social, desde que obedecido o disposto no art. 154, I, da Carta Magna. Para superar essas restrições – viabilização por lei complementar, ter caráter não-cumulativo e não repetir a base de cálculo ou fato gerador dos impostos previstos na Constituição – a CPMF foi instituída por emenda constitucional.
A incidência que se prevê sobre as movimentações financeiras tem efeitos cumulativos, pois vai integrar custos de todas as mercadorias e serviços prestados no país e constitui a mais invasora das materialidades submetidas à incidência tributária.
O artigo 154, I, da Constituição, consiste em um dos principais dispositivos destinados a conter a avidez arrecadatória do Fisco e a proteger o contribuinte. Evita a pluralidade de incidências sobre a mesma base tributária e a exponencialização da carga tributária. Vai enfrentar a alegação de inconstitucionalidade, se aprovada. A última palavra sobre sua validade será proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que adquire crescentemente papel relevante, em face da ignorância jurídica, do oportunismo e da audácia destemida dos nossos legisladores.
Artigo publicado em 16/06/2008. Última atualização em 12/08/2008.
*Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.
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