Dois de abril é uma data histórica, na qual foi consagrada a correção de uma injustiça social em relação a mais de 7 milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas do Brasil. A promulgação da Emenda Constitucional Nº 72/2013 passa a lhes garantir os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Esse é o resultado de anos de uma luta que teve início com Laudelina Campos Melo, que fundou a primeira associação da categoria, em Campinas, em 1936.
Depois, em 1943, a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) excluiu os trabalhadores domésticos da redefinição dos direitos trabalhistas. Somente em 1972, parte desses direitos foi concedida pela Lei Nº 5.859, que estabeleceu, por exemplo, o direito à formalização do contrato de emprego doméstico, por meio de anotação na carteira de trabalho.
A partir da Constituinte, a categoria manteve atuação destacada, com participação intensa da Federação Nacional de Trabalhadores Domésticos (Fenatrad). A articulação pela conquista de direitos ganhou apoio dos movimentos de mulheres, feministas e agências internacionais, entre elas a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) e Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres). Tornou-se, também, pauta do governo federal, envolvendo a Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Ministério do Trabalho.
E foi na Constituinte de 1988 que passaram a ser garantidos aos trabalhadores domésticos alguns direitos, apenas nove: salário mínimo; irredutibilidade do salário; 13º salário; repouso semanal remunerado; férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do salário normal; licença maternidade de 120 dias; licença-paternidade; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço; e aposentadoria, além da integração desses profissionais à Previdência Social, já prevista em legislação anterior.
Com a Emenda 72, foram acrescidos 16 direitos antes concedidos somente a trabalhadores urbanos e rurais. Assim, domésticos têm, agora, 25 direitos, dos quais nove têm aplicação imediata: garantia de salário, nunca inferior ao mínimo; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo; hora extra de no mínimo 50%; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos.
Alguns direitos ainda precisam ser regulamentados. São eles: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; seguro-desemprego; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário-família; assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas; e seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador.
Governo federal e Congresso Nacional estão empenhados em regulamentar esses direitos o mais rapidamente possível. Tanto que esta semana a Comissão Mista de Consolidação das Leis do Congresso Nacional definiu como primeira tarefa a elaboração de um projeto de lei para regulamentar a Emenda Constitucional 72/2013.
PublicidadeA injustiça que o Congresso reparou semana remete a uma distorção que tem origem no período escravocrata que o Brasil viveu, desde a colonização portuguesa, passando pelo Império até a abolição da escravatura. Contempla mais de 7 milhões de trabalhadores, principalmente mulheres e negras, já que segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de empregados domésticos do país, 93% são mulheres e 57% negras.
Estamos iniciando uma profunda mudança cultural, comportamental e do próprio mercado de trabalho doméstico. Da luta e das conquistas dos trabalhadores domésticos, tiramos uma grande lição. Como diz o sociólogo e professor Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra: devemos “tratar os iguais de maneira igual”… “para que o princípio da igualdade seja efetivado… temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza desigualdades.”
Sinto-me honrada e gratificada de, no Senado, ter sido a relatora da proposta que originou a Emenda Constitucional 72. E de atuar pela concretização dessa histórica conquista de trabalhadores e trabalhadoras de todo o Brasil. Como disse o ilustre Rui Barbosa, também baiano, “não há nada mais relevante para a vida social do que a formação do sentimento de justiça”. E a justiça está sendo feita!
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