A pasmaceira do imaginário mundial é tanta que Hollywood voltou a fazer filmes políticos, quer dizer, “voltou ao Vietnam”, alusão a um título famoso nos anos 80, “A classe operária vai ao paraíso e Hollywood ao Vietnam!”, que resumia admiravelmente o espírito e os valores de época. Na ordem da inversão.
Será possível que a única crítica existente, pertinente, consistente, visível e audível (para o grande público) ao Sistema Imperial e suas contradições geopolíticas, venha de Hollywood & Adjacências, isto é, do cinema norte-americano comercial (Adorno deve estar se revirando na cova!), direto da cabeça daqueles produtores culturais que representavam “a oposição leal ao Capitalismo”, na expressão de alucinado puxassaquismo by Milton “New Criterion” Kramer, a quintessência da auto-alienação e hipocrisia acadêmicas, isto é, de até onde pode chegar a auto-engano e o engodo em massa quando movidos à inevitável xenofobia anglo-saxônica!
Assim é que o cinema via cabo dessa semana (Telecine) apresenta Salvador de Oliver Stone, produção de 1986 com James Woods, onde fica absolutamente claro como ocorreram as intervenções militares ianques na América Central da Era Reagan que, em parceria com as sanguinárias oligarquias locais, promoveram a perseguição e o massacre de civis e membros da Teologia da Libertação. Com um saldo de 70 mil mortos e milhões de dólares escoados pelo ralo, foi uma intervenção tão catastrófica que, ao fim e ao cabo, Reagan teve que se retirar deixando como marca indelével um povo irremediavelmente dilacerado.
Em Hotel Ruanda de Terry George, 2005 – com Don Cheadle,perfeito!, Nick Nolte, idem, e Joaquin Phoenix, ibidem, no papel dum fotógrafo morto de vergonha, também reprisando na mesma faixa de horário – avançamos até 1994, dez anos depois, reportando-nos ao genocídio que, em apenas três meses, deixou meio milhão de mortos em conseqüência da guerra entre etnias locais – os tutsis e os hutus – porque desta vez ninguém interferiu – e por ninguém leia-se todo o Ocidente branco e civilizado representado pela França, Inglaterra, Bélgica, EUA, embora naturalmente fornecessem armas aos dois lados.Precisamente pela simples razão de que aquele era “um conflito que não interessava a ninguém”, na (in)feliz expressão – quem diria? – do ex-presidente Jimmy Carter.
Legítima pérola já da Era Clinton, o neoliberal soft aditivado com FHC.
Mas não, ninguém está a salvo, passando também na HBO – que não é exatamente um paradigma de programação isenta de ideologia, bem ao contrário! – Rendition (O Suspeito) de Gavin Hood (Oscar por Totsi), 2007,conta o drama de um cidadão de Chicago – egípcio de nascimento, químico industrial bem-sucedido com mulher (a loura Reese Whiterspoon) e filhos norte-americanos – que é vítima da chamada “rendição extraordinária”: dispositivo legal (implantado na posterior Era Bush, vejam como graças ao Império do Capital a “democracia” evolui!)que permite ao Sistema, através do seu braço policial representado pela CIA-Interpol-polícias locais da mesma patota, sequestrar, prender, interrogar, torturar e matar qualquer cidadão de qualquer parte do mundo, sem direito a defesa e outras veadagens tipo “direitos humanos” (sem contar as comodidades da terceirização da tortura por parte dos USA onde,é claro, esta é inadmissível), bastando o sujeito ser suspeito de ter praticado ou ter favorecido a prática de “atos terroristas”.Uma truculenta Meryl Streep, irretocável como diretora da CIA, posto que já veterana no papel de suprema sacerdotiza do pós-capitalismo corporativo de desastre. Esplêndidos os olhos de ressaca do mocinho-agente-da-CIA (como se isso fosse possível!) Jake “Brokenback Mountain” Gyllenhaal.
No mais, são os eternos caminhos do coração humano a percorrer as veias abertas do Terceiro Mundo.
Ainda nessa linha, assistam Leões e Cordeiros, 2008, protagonizado e dirigido por Robert Redford, e novamente Meryl Streep, desta feita como repórter do bem; Tom Cruise, no papel do senador republicano sangue azul, protótipo do wasp filha-da- puta, onde, de repente, o foco se desloca e recai no conflito que se desenrola no interior da sociedade norte-americana. Pois o cerne do american way of life pós-moderno envia para as guerras periféricas os filhos dos imigrantes latinos (deixando a juventude dourada em casa), os quais, por sua vez, vêem nelas uma oportunidade de inclusão política e ascensão social (que a sociedade civil lhes nega), condição que, circunstancialmente, pode torná-los melhores – mais aptos, rigorosamente falando – do quê os jovens apáticos e indolentes americanos puro sangue para quem, também circunstancialmente, tudo parece cair do céu.
E tudo isso está passando em qualquer HBO da vida. De cabo a rabo. Cinema político? Eu diria antes cinema que aborda de forma inteligente a cena geopolítica. Em todos eles, a vinculação ideológica é sutil, jamais acintosa ou grosseira ou burra porque não subestimam o espectador – não se oculta o que é evidente. Nesse caso, compare-se com o nosso Tropa de Elite – tão competente e tão fascista, que pena.
De forma que o espectador terceiromundista não se informa nem ilustra se não quer: afinal, o Império não é para amadores. Porque o resto é PIG.
Deixe um comentário