O maior campo de petróleo já descoberto na história, na área do pré-sal brasileiro, foi leiloado anteontem para um consórcio de empresas formado pela Petrobras (que terá direito a apenas 40% do petróleo explorado), a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as estatais chinesas CNOOC e CNPC. Não há como disfarçar: trata-se de injustificável privatização entreguista de patrimônio nacional trilionário, que atenta contra os direitos e interesses do povo brasileiro.
Relaciono as nossas razões para seguir na luta contra esse crime de lesa-pátria. Foram recolhidas, em especial, do Manifesto do Comitê Nacional de Defesa do Petróleo, da Soberania e do Fim dos Leilões.
1. O Brasil já dispõe de reservas de petróleo conhecidas para mais de 60 anos. A Petrobras já descobriu mais de 60 bilhões de barris no pré-sal que nos proporcionarão autossuficiência para dois terços deste século, não carecendo atrair mais investimentos internacionais na área de prospecção. O desafio é investir para qualificar a produção do petróleo já descoberto, em ritmo compatível com nossa capacidade de investir para gerar mais desenvolvimento tecnológico, empregos e produção de bens com maior valor agregado, seja na produção de derivados, seja na produção de novas riquezas. Sempre com o imprescindível e negligenciado cuidado ambiental.
2. “O leilão foi um erro estratégico”, aponta o professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, “pois junta num mesmo consórcio interesses antagônicos. Os chineses, assim como os norte-americanos, representam os interesses dos consumidores. Trabalham pelo menor preço possível do petróleo. Ao Brasil não interessa uma produção acelerada que contribua para derrubar os preços, como está escrito na estratégia oficial de energia dos Estados Unidos” (Portal “Vi o mundo”, 22 de outubro de 2013). As transnacionais só têm interesse na exportação do óleo bruto, o que gera enormes prejuízos para o país, sem falar na perda de um recurso de imensa importância geopolítica. Exportar “petróleo in natura” é o pior negócio que o Brasil pode fazer. Reproduz-se o círculo vicioso de dependência econômica e tecnológica, e não se aproveita tamanho patrimônio natural como indutor de uma mudança no padrão de desenvolvimento.
3. Edital da Licitação para Campo de Libra eivado de impropriedades e ilegalidades, todas no sentido de favorecer os concorrentes, em detrimento do interesse nacional, como por exemplo:
a) O percentual mínimo anunciado de 41,65% do óleo-lucro para a União, de um campo já descoberto, testado, comprovado e da mais alta produtividade é muito baixo (os países exportadores ficam com a média de 80% do petróleo produzido);
b) Para piorar, segundo observa Paulo César Ribeiro Lima, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, o edital do leilão estabelece que a parcela da União poderá cair para ínfimos 9,93%, a depender da produção média de cada poço do campo de Libra e do preço do petróleo no mercado internacional. Ou seja: o lucro é amplamente privatizado, e o risco fica com o poder público;
c) “Além do mais”, lembra o economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, “do valor arrecadado pela União com esta parcela do ‘excedente em óleo’, apenas 50% serão destinados para educação e saúde. A outra metade será destinada para aplicações financeiras, preferencialmente no exterior (por meio do chamado ‘Fundo Social’), e apenas o rendimento destas aplicações será aplicado nas áreas sociais. Se é que haverá rendimento, dadas as baixas taxas de juros no mercado internacional e a abundância de papéis que podem se mostrar ‘podres’ da noite para o dia, em um ambiente de crise global”.
4. “Importante ressaltar também”, aponta Rodrigo Ávila, “que a Petrobras – que terá uma participação mínima de 30% no consórcio vencedor do leilão – já foi em grande parte privatizada, pois seu lucro é distribuído preponderantemente aos investidores privados, e a parcela pertencente à União deve ser utilizada obrigatoriamente para o pagamento da questionável dívida pública, conforme manda a Lei 9.530/1997”.
Publicidade5. O direcionamento dos royalties do petróleo para saúde e educação não garante os investimentos necessários para essas áreas. No caso dos poços de petróleo do Pré-Sal, os royalties correspondem a apenas 15% das riquezas auferidas pela extração do petróleo. De acordo com dados da Auditoria Cidadã da Dívida, em 2022 – ou seja, daqui 9 anos – tais recursos ainda representarão apenas 0,6% do PIB, ou seja, valor completamente insuficiente para atendermos a grande demanda social, de aumentar os investimentos anuais em educação dos atuais 5% para 10% do PIB. Para ampliar os benefícios sociais da exploração do Pré-Sal, não bastam royalties: é preciso que todo o petróleo seja nosso! Além disso, para garantir os investimentos necessários em educação e saúde pública, é fundamental que seja realizada a Auditoria da Dívida Pública, cujos pagamentos consomem, todos os anos, cerca de 40% do orçamento da União.
6. O problema alegado da nossa balança de pagamento com a importação de derivados. A remessa de lucro das mais de 4 mil empresas desnacionalizadas e o pagamento dos mais altos juros do mundo para atrair capitais são importantes fatores que contribuem para o nosso desequilíbrio cambial. A importação de derivados de petróleo decorrente da não implantação de novas refinarias há mais de 30 anos e ao excepcional aumento de nossa frota é um importante agravante. Como resultado disso, a Petrobras está sendo obrigada a importá-los, pagando preços superiores ao que recebe na estrutura de preços nacional, cobrindo sozinha a diferença para não impactar na inflação. Assim está sacrificando sua capacidade de investimento. O leilão não promove a superação dos fatores estruturais que geraram essa situação; pelo contrário, aprofunda-os.
7. A grave questão das escutas e da espionagem. O ato violento de agressão à soberania brasileira, com violações sobre a Presidenta da República e, não menos grave, a espionagem sobre a Petrobras, põe sob suspeição total qualquer processo sério de licitação. Esta é a gota d´água para que os leilões sejam cancelados em caráter definitivo, por viciado em sua origem, inclusive os já realizados.
8. A sociedade, mediante ampla participação democrática, deve manter o controle sobre o ritmo da taxa de exploração do petróleo também devido à necessária preocupação ambiental. Não cabe às grandes empresas decidirem em que medida interessa ou não aos direitos socioambientais de todos os brasileiros aumentar ou não a extração e o uso de combustíveis fósseis. Avançar na mudança da matriz energética é um desafio para a humanidade, ante a mudança climática que nos ameaça. A extração do petróleo deve ser feita nos limites definidos por um plano estratégico de redução das emissões de carbono, elaborado de forma participativa.
Colocar em leilão o maior campo de petróleo do mundo, descoberto, testado e com risco zero, é algo inédito na história, pois nem país militarmente ocupado entrega petróleo já descoberto.
O pré-sal é um recurso que a natureza legou a todo o povo brasileiro e somente preservando suas benesses sob controle democrático e participativo da nação garantiremos um processo virtuoso de desenvolvimento sustentado, com investimentos produtivos para uma melhor e mais justa qualidade de vida de todos os brasileiros.
O pré-sal tem que, DEFINITIVAMENTE, ser nosso!
Agradeço a atenção.
(Discurso feito por Chico Alencar no plenário na Câmara dos Deputados em 23 de outubro de 2013)
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