Inaugurar uma coluna no Congresso em Foco, meu site favorito especializado em política, é um desafio e tanto. Especialmente porque eu sou apenas um curioso profissional. Não trago no bolso soluções pra nada, até porque há na política milhares de coisas que não entendo.
Entre essas coisas que eu não entendo está a importância atribuída aos partidos. Ainda mais aos partidos que temos no Brasil, essa sopa intercambiável de letrinhas que pouco significam além dos interesses específicos do momento. Entretanto, boa parte das propostas de reforma política (esse termo que significa tudo e por isso mesmo não significa nada) trata de fortalecê-los. Fortalecer como e pra quê?
Partidos fortes teriam identidade definida, dizem. No país em que o valerioduto começou no PSDB e foi parar no PT, os dois partidos mais fortes e que mais ferrenhamente se opõem, tentar fortalecer suas identidades na canetada soa a piada. Uma piada que ganha contornos de mau gosto quando se lembra que um dos partidos mais numerosos do Brasil, o PMDB, tem tantas faces quanto caciques. Uma piada que se torna caricatura quando o Lula abraça o Collor 20 anos depois de tudo aquilo. Uma piada que vira comédia pastelão quando se assiste aos novos capítulos da novela do Democratas, o ex-PFL, ex-Arena, ex-PDS, que hoje tem uma dissidência que inverteu as letrinhas do começo dos anos 80 e virou PSD sob protesto dos caciques do Democratas, ainda que o próprio endereço do PSD na internet tenha sido registrado pelo Democratas. E ainda dizem que política é um troço chato.
Partidos fortes teriam mais participação do eleitor, dizem. Coitado do eleitor. Esse mesmo eleitor que só entra na retórica política de dois em dois anos, na hora de o representante garantir o emprego por mais quatro anos, e que é forçado a pagar os aumentos de salário autoconcedidos por suas Excelências. E que, num ponto de quase consenso entre a classe política na reforma política (esse termo que significa tudo e por isso mesmo não significa nada), muito em breve pode ser convidado a bancar mais um naco da campanha eleitoral, via financiamento público exclusivo (que não necessariamente bane o caixa-dois, mas proíbe o caixa-um). É a mão da classe política entrando mais fundo no bolso do eleitor, que já banca o horário eleitoral gratuito e parte do fundo partidário. Coitado do eleitor.
Partidos fortes seriam poucos, dizem. Ainda ontem um leitor me disse no Twitter que ele julgava ser melhor para o Brasil se tivéssemos apenas dois partidos. Eu respondi que isso impediria um partido de surgir a partir da decepção com as práticas de qualquer um deles. Tipo o PSDB quando surgiu do PMDB ou o PSOL quando surgiu do PT. Também impediria o surgimento de novos agrupamentos potencialmente interessantes, como o Partido Pirata, que na Suécia colocou em discussão temas extremamente atuais. Pluralidade é importante, especialmente em sociedades cada vez mais complexas como a brasileira, e acho que, por mais que tenhamos 27 partidos registrados no TSE, ainda temos pouca pluralidade política. Não é por decreto que isso muda, especialmente não restringindo a pluralidade.
O sistema atual não funciona, dizem. Ele estimula os partidos a lançar Tiriricas para turbinar o coeficiente partidário e com isso tentar garantir cadeiras extras. Coitadinhos dos partidos, não têm força pra ganhar eleição no mérito? Ele estimula políticos de oposição que queiram se agovernistar a criar partidos de transição pra não perderem a boquinha em nome da jurisprudência de fidelidade partidária. (O PSD está para o PSDB assim como o Tiririca está para o Enéas?) Coitadinhos dos partidos, tão fraquinhos e tão indefesos.
Aí vêm as propostas de mudança. Lista fechada: bota na mão dos caciques dos partidos a prerrogativa de decidir quem, e em que ordem, vai representar o eleitor. Como se o eleitor não tivesse competência de decidir quem deve representá-lo. Voto distrital: só elege o mais votado em cada distrito, potencialmente extirpando a diversidade que permite a São Paulo eleger ao mesmo tempo Paulo Maluf (497.203 votos, 55% na capital) e Ivan Valente (189.014 votos, 50% na capital). Apenas um dos dois ganhou o Prêmio Congresso em Foco em 2010. Apenas um dos dois seria eleito pelo voto distrital. Distritão: entram os mais votados pela ordem de votação, parece matematicamente razoável, mas olhando quem defende com unhas e dentes começo a achar que falta algum fator na minha conta.
Com essas propostas de mudança, fala sério, o sistema atual parece até bem bom. Aliás, não só parece: nada impede que os partidos sejam mais transparentes, mais próximos do eleitor ou até mais fortes com as regras atuais. A única coisa que os impede são seus caciques. Que, aliás, simplesmente não mudariam mesmo com a reforma mais radical. Resisto a acreditar que eles aprovariam qualquer mudança que reduzisse seu poder, aliás.
Considerando que muitos dos meus vizinhos de espaço aqui nas colunas do Congresso em Foco são parlamentares de boa reputação e variada opinião, gostaria de lhes propor o meu ponto favorito de uma reforma política que talvez nunca aconteça: a quebra do monopólio partidário da representação da sociedade.
Por que, por exemplo, alguém interessado na defesa do meio ambiente não poderia eleger um candidato, digamos, do SOS Mata Atlântica para representar seus interesses? Por que cidadãos descontentes com os partidos não podem criar uma chapa própria, como, diz o Leandro Demori, ocorre na Itália? Por que a representação precisa passar por partidos que, na média, não significam nada além do interesse de seus caciques?
Sei lá. Não sou cientista político, não sou parlamentar, também não simpatizo com partido nenhum. Sou apenas um curioso profissional. Como tal, gostaria de ouvir os leitores e meus vizinhos de coluna sobre isso.
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