Desde 1991 se fala no Brasil em reforma política, conversa que já rendeu 284 propostas de alteração constitucional e da legislação ordinária no Congresso Nacional. Nessas duas décadas perdidas, o pretexto de mudanças foi motivado por espasmos provocados, ora pelo entusiasmo passageiro do início do mandato de quatro presidentes, ora pelo ardor de escândalos escandalosos. Em ambas as motivações o decurso de prazo se encarregou de esfriar as tentativas.
Desta vez é para valer? Sinceramente, tenho de acreditar, porque parece haver vontade consistente do Palácio do Planalto em tocar a obra. Vale dizer que mudanças de tal envergadura não têm andamento no Senado e na Câmara dos Deputados sem o empurrão do Poder Executivo. Ao que parece, a presidente Dilma Rousseff vislumbrou na reforma política grande oportunidade de fazer história e granjear prestígio popular consistente, ou sustentável, para ficar com a palavra da moda.
Dilma pode realizar o que ninguém fez em 20 anos de tentativas dissimuladas. Isso é significativo, a se considerar que no Brasil hoje temos três ex-presidentes da República no Senado, FHC mantém influência notória no país e Lula, até se confirmarem as disposições em contrário, governa as inspirações do poder estabelecido.
Do ponto de vista ideológico, a reforma política tem dois sentidos: conferir legitimidade aos operadores da democracia investidos do mandato eletivo, hoje completamente desacreditados; além de dar noção de moralidade à atividade pública. A reforma tem de forçar a prática da eficiência política do parlamentar e do chefe do Executivo. Por conta do sistema eleitoral viciado, o brasileiro está cansado do político incompetente, meramente figurativo e alheio às condutas de boa-governança.
Não se trata de passe de mágica nem de obra miraculosa. Caso a reforma alcance a abrangência que se espera, vai ser necessário tempo para amadurecer as novas práticas. Apesar de sonegar a reforma política da nação, o Brasil, desde a lei que restabeleceu a eleição direta para governador em 1982, vem assimilando profusão de legislações relativas ao processo eleitoral de caráter nitidamente oportunista. Fizeram leis demais que não primaram pelo essencial em uma atividade legislativa periférica e casuística.
Isso aconteceu até 1997, quando finalmente houve alguma estabilidade jurídica na regulação do processo eleitoral, depois alterada em 2009. Mesmo assim, desde aquela data o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expediu nada menos que 205 resoluções. Aliás, é bom que se diga que os dois maiores avanços na matéria política-eleitoral no Brasil recente não foram produzidos pelo Congresso Nacional.
A primeira mudança marcante, a imposição da fidelidade partidária, é originária de resolução do TSE motivada por decisão do Supremo Tribunal Federal. Já a segunda, a Lei da Ficha Limpa, nasceu de iniciativa popular. Ou seja, na falta do impulso legislativo para cumprir o dever da reforma política, o Judiciário e a sociedade se encarregaram de fazê-la parcialmente, ainda que o entendimento do STF sobre a eficácia temporal da Lei da Ficha Limpa tenha sido decepcionante. É provável que a decisão possa influenciar negativamente o desenvolvimento de uma das funções primordiais da reforma política, justamente a promoção da faxina na atividade pública no Brasil.
O andamento dos trabalhos no Senado tem sido satisfatório no sentido de compor um anteprojeto de lei de entendimento, e há grande possibilidade de se fazer ainda neste ano uma reforma gradual e consistente. Certamente, o Parlamento e o governo Dilma irão mergulhar em clamoroso descrédito caso mais uma vez a oportunidade de fazer a reforma política se converta em causa perdida.
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