A terceira temporada de Black Mirror tomou de assalto o Netflix desde a segunda quinzena de outubro. Com o dobro de episódios das duas primeiras temporadas (seis contra três), a série não se importa muito com a extensão. Temos duração de filme em alguns casos. Falar em “série” ou narrativa seriada fica, na verdade, um pouco sem sentido. Pode-se assistir fora da ordem. Os aspectos de ficção científica ganham maior proporção em relação ao que dava o élan às primeiras histórias: a tecnologia interferindo nas relações humanas, as novas tecnologias ferindo cada vez mais as relações humanas. O roteirista Charlie Brooker parece ter se deixado seduzir por uma espetacularização que leva à série a um senso comum narrativo. Uma pena. Os episódios iniciais são para nenhum teórico da comunicação colocar defeito, ainda que o aspecto “apocalíptico” ganhasse ligeiro relevo. Mais do que dominar, estamos sendo dominados pelas máquinas, pelas extensões de um corpo que caminha rumo à desumanização. Na nova temporada, há terror, ação e catástrofe demasiadamente banais para as telas. Seria bom se o espelho voltasse a pensar de modo mais realista, com a especulação futurista dentro dos quadros de personagens cotidianos. Isso faria Black Mirror voltar a ser um lugar de espanto estético. Um presente.
Tevê, ator e enigma
Por falar em série televisiva, The Blacklist me pegou em cheio. Atrasado, eu sei. Mas, quando se trata do ator James Spader, nunca é tarde. Ele é o protagonista de um filme que tem lugar cativo na estante: Sexo, mentiras & videotape, que em 1989 revelou para o mundo quase um novo jeito de fazer cinema. Simples, minúsculo e verdadeiro. E um então jovem e inventivo cineasta, Steven Soderbergh. Muito além das paráfrases e dos trocadilhos que pulularam na imprensa, o título mostrou à indústria cinematográfica que uma boa história pode render mais do que bastante pirotecnia. O que não é o caso de Blacklist, sustentado tanto em coerência narrativa como em abuso de ações violentas, num mix deveras interessante.
O escritor eterno
Cristovão Tezza está de volta com o romance A tradutora. Basta ler o primeiro capítulo para entender que o autor catarinense radicado em Curitiba não está para facilidades narrativas. Torce, retorce, traz o leitor para dentro de um intricado quebra-cabeça tridimensional. Ousado, quer descobrir do que a linguagem literária ainda é capaz. Patrulhado na vida real pelas esquerdas de “feicebuqui”, provoca a reflexão ao jogar no texto o trabalho de conversão para o português de um filósofo espanhol conservador. Vale mais do que a leitura.
Fatura liquidada
Pela primeira vez, o importante prêmio britânico Man Booker foi dado a um autor norte-americano. O romance The sellout, de Paul Beatty, arrebanhou a honraria.
Ventre livre
Está dando o que falar o ponto de vista narrativo escolhido por Ian McEwan para o romance Nutshell, publicado aqui como Enclausurado. O feto fala. O feto narra uma história de “assassinato e traição”. Faz muito mais de nove meses que McEwan é gênio que mantém a literatura com seu cordão umbilical.
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