No último dia 13 de agosto, comemorou-se (é possível comemorar?) 50 anos da construção do Muro de Berlim. Foi quando, segundo a velha mídia, em evidente e merecida condenação, “o lado leste, comunista, fechou suas fronteiras” e por 28 anos partiu famílias, projetos e sonhos.
Na comemoração, em Berlim, foram lidos os nomes dos 136 berlinenses, conforme parte da imprensa, assassinados ao tentar pular o muro. Justas e inquestionáveis homenagens.
Durante as comemorações, o prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, declarou que “não devemos esquecer a nossa responsabilidade comum de manter vivas as memórias e passá-las às próximas gerações, para manter a liberdade e a democracia e para evitar que injustiças voltem a acontecer”.
Sucede que nem o prefeito nem todas as demais autoridades do mundo, bem como a mídia, fizeram qualquer declaração sobre outras injustiças que ocorrem e sobre outros muros que dividem famílias, sonhos e destroem a liberdade. Para ficar só em dois exemplos, lembro o muro construído por Israel, separando-o do povo palestino e dividindo o próprio povo palestino, e o construído pelos Estados Unidos na fronteira com o México. Apesar de vergonhosos, esses muros são politicamente invisíveis.
O muro construído por Israel passa em torno e por dentro (frise-se: por dentro) de territórios palestinos invadidos e ocupados por Israel. O muro chega a ter oito metros de altura, uma extensão aproximada de 760 quilômetros e rouba 12% do território da Cisjordânia.
Israel alega que necessita de segurança, mas o muro separa camponeses de suas terras. “Pais são separados de seus filhos, estudantes não conseguem chegar às escolas, doentes morrem antes de chegar aos hospitais. Os palestinos não têm o controle de suas fronteiras externas, nem o controle da água e dos demais recursos naturais. E a destruição é sistemática. A destruição das pobres e rústicas casas dos aldeões palestinos; a destruição de suas oliveiras e laranjeiras; a destruição de seus hospitais e ambulâncias; a destruição de toda a infraestrutura urbana; a destruição das famílias e dos lares, e a destruição arbitrária de qualquer esperança que possam ter os palestinos de que dias melhores virão” (in GATTAZ, A.C. “O muro de segurança israelense e o desrespeito à lei internacional”)
Apesar da vigorosa condenação da Corte Internacional de Justiça em 2004, o muro, qual serpente venenosa, continua separando e matando pessoas.
PublicidadeOutro muro da vergonha, e sobre este paira um enorme silêncio, é o construído pelos Estados Unidos na fronteira com o México. Ele tem o objetivo de impedir que migrantes pobres, sobretudo mexicanos e latinoamericanos, cheguem aos EUA. Na tentativa de ultrapassá-lo, milhares de pessoas, muito mais do que matou o Muro de Berlim, já foram assassinadas.
Quando estudava medicina aprendi o que é escotoma. Palavra estranha e que poucos conhecem, nunca ouvi alguém referir-se a ela num diálogo, a menos que fosse médico.
Escotoma é uma área da retina na qual o sistema visual não registra qualquer imagem. É uma área cega, “área, dentro do campo visual, em que a visão está prejudicada, circundada por zona em que a visão é normal” (Aurélio).
É isso o que faz boa parte dos meios de comunicação: criam voluntariamente uma área cega, um escotoma na informação, e jogam com a cegueira do público. Fazem isso porque sabem que parte do povo não vê as coisas a menos que elas saiam nos meios de comunicação. Em geral, o escotoma está presente em qualquer notícia e, principalmente, no noticiário político. A notícia é dada de acordo com os interesses de quem está noticiando ou de quem está governando.
Além dos muros construídos por Israel e pelos EUA, há muitos outros muros no mundo. Em geral, não são vistos – um grave escotoma político e midiático não permite.
Deixe um comentário