Cristina Saraiva *
Políticos são pessoas muito ocupadas, com suas agendas sempre lotadas. Certamente, não devem ter muito tempo para passatempos prosaicos, como ir a um estádio para assistir a uma partida de futebol. Talvez por isso, na hora de encontrar explicações para as vaias sofridas pelo presidente Lula durante a abertura do Pan no Maracanã, tenhamos escutado tantas considerações, que para um bom conhecedor da dinâmica das torcidas nos estádios, soam completamente absurdas. É estranho apenas ouvir essas mesmas considerações do ministro dos Esportes, já que ao menos ele deveria manter alguma familiaridade com estádios e arenas esportivas.
Um estádio de futebol é um espaço democrático, que abriga várias manifestações – na maioria das vezes, contraditórias. Em jogos realizados entre grandes equipes da mesma cidade, os “clássicos”, a guerra das torcidas é um espetáculo à parte, cada qual tentando entoar mais alto seus cânticos e bordões, tentando calar a torcida adversária . Quando uma torcida começa com seus gritos de incentivos ou vaias, imediatamente recebe a resposta da torcida adversária, travando-se verdadeira guerra nas arquibancadas.
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Há também os jogos contra times de cidades diferentes. Nesses casos, a torcida da equipe mandante tem maioria absoluta, e encurrala a torcida adversária em um pequeno canto do estádio. Ainda assim, em alguns momentos, escutam-se claramente os gritos da torcida minoritária, que logo são calados pela majoritária.
Algumas vezes, a guerra da manifestação se dá dentro da mesma torcida. Determinado jogador, ao ser substituído ou fazer uma jogada bizarra, pode receber as vaias de parte da torcida, irritada com sua atuação. Mas se não há unanimidade, imediatamente a resposta às vaias recebida pelo jogador vem em forma de sonoros aplausos, e a torcida se divide.
O Maracanã, em especial, é um estádio com uma acústica excelente. Ao contrário do recém-construído Engenhão, que deve ter sido projetado e construído por arquitetos e engenheiros que nunca pisaram em um estádio e não conhecem a beleza e a importância das torcidas de futebol, a arquitetura do Maracanã possibilita que o som ecoe, captando inclusive pequenas manifestações.
Assim, está fora de contexto a polêmica que se seguiu com relação a de onde partiram as vaias contra Lula. Afinal, não é essa a questão. É possível que as vaias sofridas pelo presidente na abertura do Pan tenham partido de setores ligados ao prefeito César Maia ou a qualquer outro grupo político . É possível até que tenham sido orquestradas, ensaiadas e tudo o mais o que alegam os governistas. Na realidade, para o governo, não deveria importar muito de onde partiram as vaias, pois pequenas claques sempre existem e se manifestam. O fato importante, que se o governo fosse capaz de um mínimo de autocrítica teria levado em consideração, é outro: se o sentimento que originou as vaias não fosse compartilhado pela enorme maioria das pessoas presentes ao estádio, imediatamente teríamos ouvido a manifestação contrária – o aplauso – e assistiríamos à tradicional batalha sonora do Maracanã, democraticamente travada a cada partida de futebol.
Fez bem, portanto, o presidente Lula ao fugir da festa de encerramento do Pan e do inevitável novo constrangimento que viria a seguir. Se em um momento onde o governo navegava em mares aparentemente tranqüilos a vaia ecoou por todo estádio, contundente, implacável, sem qualquer possibilidade de outra interpretação, a não ser a de expressão fiel do sentimento da maioria das 90 mil pessoas presentes, imaginem agora. Após o trágico acidente da TAM, que chocou o país e expôs mais do que nunca a total falta de capacidade de gestão e a irresponsabilidade do governo, há motivos de sobra para se supor que a recepção reservada ao nosso presidente no democrático Maracanã, não seria das mais calorosas.
Aliás, nem a sua ausência foi capaz de calar as vaias, que voltaram a ser ouvidas no estádio na festa de encerramento. E creditar a reação do público presente a manifestações previamente orquestradas por opositores será mais uma vez perder uma bela oportunidade para uma bem-vinda, profunda e mais que necessária reflexão e um sério exercício de autocrítica. O Brasil agradeceria.
* Cristina Saraiva, uma carioca de 45 anos, é professora de História, formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), compositora, coordenadora do Núcleo Independente de Músicos e colaboradora do site www.vestiarioalvinegro.com.br.
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