Filipe Leão *
O atual sistema da dívida pública brasileira tira dinheiro dos pobres para dar aos ricos – somos um país Robin Hood às avessas. Contudo, esse viés nem de longe é o majoritário quando se debate o tema.
Leituras atentas às matérias dos principais articulistas de jornais, blogs e sites de finanças, ao contrário, apontam para um Brasil pré-falimentar. E, portanto, existe uma busca velada em justificar o pagamento de uma das mais altas taxas de juros do mundo a bancos, fundos e corretoras.
Essa dose de terrorismo financeiro tem consequências nefastas para o país e nos últimos meses ganhou destaque, especialmente a partir do levantamento do aumento dos gastos correntes do governo federal e dos polêmicos registros contábeis da União, sobretudo nos repasses de recursos do Tesouro ao BNDES. São críticas importantes, mas devem ser lidas com cautela.
A realidade também demonstra que se utilizarmos quaisquer das metodologias existentes (do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central ou da Secretaria do Tesouro Nacional), o déficit e a dívida brasileira em função do Produto Interno Bruto encontra-se em situação confortável, se comparada com grande parte dos países do G20.
Porém, esse mesmo mundo desenvolvido continua a financiar-se com taxas de juros muito baixas e, em alguns casos, negativas. Os Estados Unidos, por exemplo, emitem moeda e rolam sua dívida estratosférica. A França e a Bélgica, embora comprometam em torno de um PIB com suas dívidas, ainda recebem empréstimos a custos subsidiados.
As agências internacionais de risco atribuem a esses países as maiores notas na classificação geral. Entretanto, são essas mesmas organizações que chancelaram, com grau de investimento, os bancos americanos que ocasionaram a maior crise financeira do capitalismo desde o crack de 1929. Não se podem negar aspectos não essencialmente técnicos dividindo às avaliações de risco entre instituições e países do Norte (desenvolvidos) e do Sul (emergentes).
PublicidadeDessa forma, precisamos enfrentar o exagero rentista do setor financeiro quando tocamos no assunto do sistema da dívida pública brasileira. Em suma, debater a taxa cobrada por bancos, fundos e corretoras quando financiam o país e a rolagem da dívida pública. Esse é um dos debates urgentes, tendo em vista que a atual extração da riqueza por meio dos juros concentra renda e deteriora o bem estar da população.
Nossa atual cifra, em torno de 5% do PIB (algo próximo de 200 bilhões/ano) com pagamento de juros é injustificável e inadmissível. Em contraste, mantemos o sistema único de saúde sucateado, educação de péssima qualidade, baixos salários aos profissionais da segurança pública e escassos investimentos em habitação popular gratuita.
Enquanto isso, o retorno sobre o patrimônio líquido dos bancos, fundos e corretoras brasileiros mantém-se em dois dígitos e, a cada trimestre, os lucros do setor financeiro batem recordes.
É por essas e outras razões que a Auditoria Cidadã da Dívida e entidades parceiras realizarão um seminário internacional sobre o sistema da dívida pública, nos dias 11 a 13 de novembro, em Brasília. O evento contará com a participação de especialistas nacionais e internacionais em toda a programação. Será uma oportunidade para debater qual país desejamos, especialmente quando examinamos os gastos realizados no orçamento público nacional.
* Filipe Leão é diretor do Unacon Sindical – Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
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