Clemente Ganz Lúcio *
A tela escura do cinema dá destaque para a ligação telefônica de Daniel para a Agência de Seguridade, procurando resolver o entrave que o impede de acessar ao benefício pelo afastamento do trabalho por motivo de saúde. Começa o incômodo filme sobre os entraves que impedem que os trabalhadores europeus tenham acesso aos benefícios assistenciais definidos nas políticas públicas de seguridade social.
A luta de Daniel revela as perversidades das engrenagens voltadas para excluir e impedir o acesso aos direitos duramente conquistados. A onda neoliberal, que varre o mundo e ocupa governos, atua para reduzir o tamanho do Estado, com todos tipos de reforma, grandes e pequenas, e, no cotidiano, cria regras e opera procedimentos voltados para a exclusão dos trabalhadores e dos pobres.
No mundo multiplicam-se iniciativas para a redução dos gastos sociais dos Estados através de reformas dos sistemas previdenciários, de saúde, assistenciais, entre outros, reduzindo o escopo do direito, alterando os critérios de acesso e transferindo o serviço público para o mercado. Saúde, educação, assistência etc. viraram mercadoria para gerar lucro. Os ricos estão ganhando essa batalha, fazendo regredir o tamanho do Estado e a universalidade das políticas sociais, criando novos negócios e conquistando o direito de pagar muito menos impostos. A turma do andar de baixo que se vire como mercadoria desempregada.
Aqui a saga dos trabalhadores brasileiros começou com a aprovação da mudança constitucional que impõe severos limites ao crescimento do gasto público, regra que valerá para os próximos 20 anos e que promoverá substantiva redução do tamanho do Estado brasileiro.
Agora, a luta continua para enfrentar o projeto governamental de reforma do sistema de seguridade social, que promove profundas regressões ao estatuto definido na Constituição de 1988. As novas regras propostas no projeto em pauta no Congresso Nacional, alteram profundamente a substância dos direitos previdenciários e assistenciais, coloca travas para o acesso aos benefícios, retarda e impede o acesso ao direito.
Os trabalhadores procuram, em cada contexto, criar movimentos que mobilizem as pessoas para enfrentar esses desmontes. Afinal, foi com mobilização e luta que se construiu, especialmente no pós-guerra (1945), Estados de bem-estar social nos quais os direitos coletivos e universais passaram a ser financiados por impostos progressivos.
Preservar e promover os direitos são lutas cotidianas. Com grave problema de saúde, Daniel é afastado do trabalho pelos médicos. Começa sua luta para ter acesso aos direitos do sistema de seguridade social. Cada lance do filme vai revelando as engrenagens do sistema público, talvez terceirizadas, operando para impedi-lo de acessar aos seus direitos. Katie cruza o caminho de Daniel, mãe solteira que luta para dar condição digna de vida para seus dois filhos. A dignidade de ambos vai sendo minada e eles lutam.
O ótimo diretor Ken Loach denuncia no filme “Eu, Daniel Blake”, de maneira contundente, a difícil condição de vida atual dos trabalhadores europeus, e de que maneira o Estado os impede de acessar aos direitos. O filme trata de um caso que é universal porque expressa o cotidiano de milhões que vivem situações opressivas, que muitas vezes são humilhados e destruídos.
Há muitas lutas travadas, solitárias e silenciosas, nas quais Blake e Katie recolocam a centralidade da essência humana: a relação com o outro. As necessidades, as urgências, as contradições se misturam a projetos e sonhos, todos presentes nas relações que se estabelece com os outros e através das quais nos tornamos únicos e universais, até no fim. As lutas de cada um ganham a dinâmica de movimentos e de encontros capazes de promover, com o outro, breves e frágeis encantamentos com o sentido de justiça.
* Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Grupo Reindustrialização.
Mais sobre direitos trabalhistas
“O socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros”, Margareth Thatcher. Muitos países europeus com viés esquerdo-vagabundo (Itália, por exemplo) estão com sérias dificuldades financeiras em bancar o Estado-teta que criaram. Neste contexto, pessoas produtivas que financiam a seguridade a exemplo do personagem do filme em epígrafe, sofrem as consequências do inchaço da máquina pública (Estado enorme esquerdo-vagabundo) que simplesmente não tem capacidade de bancar tudo pra todos. O Brasil também sofre do mesmo mal, porque a maioria das pessoas é de esquerda e não presta sequer pra adubo, isso explica a nossa baixa produtividade (esquerdistas não gostam de trabalho) e a choradeira dos mamadores das tetas estatais que maldizem os empresários e o mercado (o único capaz de gerar renda) enquanto nada fazem e nada produzem.