Recentemente participei da conferência internacional “Universidades públicas como atores para o desenvolvimento social e econômico: prioridades em pesquisa, políticas e práticas em propriedade intelectual, doenças negligenciadas e acesso a medicamentos”. O convite para este importante evento, que ocorreu na Faculdade de Saúde Pública da USP, me foi feito pelas Universidades Aliadas para Medicamentos Essenciais (UAEM) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa).
Ao participar da conferência, mais aprendi do que contribuí. Dentro dela, me coube abordar o cenário político e legislativo brasileiro. Sabe-se que o parlamento pode ter importância nas definições das políticas públicas nas áreas aludidas pela conferência, mas o nosso parlamento não faz esse debate, ou o faz de maneira pobre, portanto pouco havia a falar sobre o tema que me foi proposto. Por ter mais a aprender é que aceitei o convite.
Mas o que são doenças negligenciadas?
Doenças negligenciadas são aquelas que, apesar de acometerem, em alguns casos, milhões de pessoas no mundo, não são atrativas em termos econômicos para os laboratórios fabricantes de medicamentos. Na sua maioria, são doenças tropicais infecciosas que afetam principalmente pessoas pobres que vivem em países ou regiões pobres. Por não darem lucro, os laboratórios fabricantes de medicamentos não investem em pesquisas. Assim, as drogas usadas para o tratamento dessas doenças são antigas e muitas vezes inadequadas e ineficazes.
Doenças negligenciadas também são aquelas que não despertam o interesse – ou despertam um interesse insuficiente – dos governos em seu combate.
Exemplo de doenças consideradas negligenciadas: malária, doença de Chagas, leishmaniose e doença do sono.
Sabe-se que pelo menos um bilhão de pessoas no mundo – uma em cada seis – sofrem de uma ou mais doenças negligenciadas, principalmente tropicais, e entre elas a principal é a malária.
A cada ano, no mundo, surgem de 350 a 500 milhões de novos casos de malária – 1,5 milhão morrem por conta da doença. Quase três mil crianças morrem por dia de malária na África. Ela é a principal causa, no mundo, de morbidade e mortalidade causada por parasita.
No Brasil, temos cerca de 300 mil casos por ano.
A doença de Chagas, endêmica na América Latina, tem cerca de oito milhões de casos com mais de 14 mil mortes por ano.
A leishmaniose infecta cerca de 12 milhões de pessoas em 88 países, incluindo o Brasil, e causa mais de 50 mil mortes anuais.
Por ora limitada ao território africano temos a doença do sono, que é endêmica em 36 países e tem de 50 a 70 mil novos casos anualmente. O número de mortes é de cerca de 50 mil por ano – a doença pode demorar até seis anos para levar à morte.
A ONG Médicos Sem fronteira (MSF) fez uma pesquisa no primeiro semestre de 2001 abrangendo as 20 empresas farmacêuticas de maior faturamento bruto em todo o mundo. A pesquisa indicou que o investimento em pesquisa do setor privado no campo das doenças negligenciadas era mínimo e que nos cinco anos anteriores nenhuma das empresas pesquisadas havia lançado no mercado uma droga para qualquer das moléstias incluídas no estudo.
Como disse acima, as doenças infecciosas tropicais são exemplos de doenças negligenciadas. Do total de 1.393 novas drogas aprovadas entre 1975 e 1999, apenas 1% (13 drogas) eram especificamente indicadas para doenças tropicais.
Ainda segundo a ONG Médicos Sem Fronteiras: “Ao longo dos últimos 25 anos apenas 15 novas drogas foram indicadas para doenças tropicais e tuberculose. Essas doenças afetam primordialmente as populações pobres e respondem por 12% da carga global de doenças. Em comparação, 179 novas drogas foram desenvolvidas para doenças cardiovasculares, que representam 1% da carga total de doenças”.
Gasta-se mais em pesquisas sobre impotência sexual, calvície e obesidade do que sobre doenças negligenciadas. São doentes esquecidos pelos governos e doenças ignoradas pelos fabricantes de remédios. Os donos e sócios de laboratórios negligenciam a vida, mas não negligenciam o lucro.
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