O noticiário do último mês esteve cheio de revelações acerca dos privilégios de que gozam os ocupantes de algumas das mais altas carreiras públicas do país. Ficamos sabendo que juízes estaduais, membros de tribunais de contas e da Advocacia-Geral da União (AGU), entre outros, além dos diretores do BNDES, contam com salários equivalentes aos das mais altas carreiras da inciativa privada, além de benefícios e penduricalhos mensais injustificáveis em tempos de urgência de ajuste fiscal. Comecei a me questionar sobre o que seria realmente uma proposta de mudança de gestão das contas públicas se estivéssemos vivendo num país sério.
Insistir em reformar a Previdência se tornou incompatível com os planos eleitorais do PMDB, e o governo lançou, no início da semana passada, em contrapartida ao recuo, um pacote de 15 medidas para estimular a arrecadação, que passou a ser chamado de “Plano B”. Grande parte delas, no entanto, já tramita no Congresso há anos. São roupas velhas embrulhadas num pacote novo, com poucas chances de mudarem de condição de fato num ano que deve ser nitroglicerina pura.
Tenho insistido aqui na necessidade de uma mudança na gestão das contas públicas, e daí meu apoio a alguma reforma na Previdência, por entender que, num país em envelhecimento, aumentar o tempo mínimo de serviço e de contribuição dos servidores públicos é uma forma de garantir que os ocupantes das carreiras mais bem remuneradas paguem pela aposentadoria dos demais. Seria uma forma de fazer alguma espécie de justiça.
Mas esse bombardeio de detalhes sobre os rendimentos daquelas que são, elas sim, as altas carreiras, altas mesmo, levou meu raciocínio para um outro patamar. É o cúmulo da incoerência se propor qualquer tipo de reforma nas contas públicas ignorando, por exemplo, que, como mostrou o jornal Folha de S. Paulo do dia 19 de fevereiro, o que o governo gasta por ano com penduricalhos e reajustes para carreiras privilegiadas do setor público (R$ 7,2 bilhões) é equivalente a 25% da verba total do programa Bolsa Família (R$ 28,7 bilhões).
Não existe tese que possa com a verdade – a não ser que os interesses de quem toma a decisão final digam o contrário. Categorias profissionais cujos rendimentos permitem que seus membros tenham vários imóveis próprios não precisam de auxílio-moradia (salvo em casos muito específicos). E o que justifica que os dirigentes de um banco público de fomento sem concorrentes tenham salários equivalentes aos dos bancos privados mais competitivos, a não ser a posição estratégica dessa instituição para os interesses políticos dos sucessivos presidentes?
Ok, essas instituições têm suas previdências próprias. E, quanto maior o salário, maior a contribuição para o regime geral. Pois ainda assim. Meu ponto é que a reforma nas despesas com pessoal que precisa ser feita em nome de uma gestão pública que consiga focar naquilo que é realmente prioridade para a maioria dos brasileiros têm que ser surda para os interesses das minorias privilegiadas.
Se o governo estivesse realmente interessado em botar as contas em dia, em reverto das as discrepâncias e injustiças de seu sistema remuneratório e previdenciário, os privilégios das altas carreiras passariam… bom, “despercebidos”?
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