(Durban, 11/12, 5,30h) Finalmente terminou na madrugada do pós-dia 2. Dos 193 países, aqueles ainda presentes – não houve pedido de verificação de quorum – acabaram por chegar a consenso sobre todos os documentos. Na reta final, foi decisivo o acordo da Índia com a UE mudando a expressão legal outcome (eu traduziria por resultado legal, isto é, um instrumento legalmente vinculante) para agreed outcome with legal force (resultado acordado com força legal). A expressão referia-se à natureza do novo tratado a ser negociado até 2015 com vigência a partir de 2020, no máximo – poderá ser antecipado – prevendo reduções obrigatórias (legally binding) para todos os países. Ou seja, a Índia, que na reunião do Basic em Pequim se recusara peremptoriamente a aceitar o princípio de metas obrigatórias para todos, depois da intensa pressão que sofreu ao longo de todo o processo acabou aceitando aquilo que o Brasil e a África do Sul vinham, desde Pequim, propugnando. Mas fez questão de deixar sua marca: ao final da reunião, na undécima hora do segundo dia do pós-prazo final, impôs sua mudança semântica. E, admitamos, ficou ainda mais claro com a expressão legal force.
Na véspera, Madame Natarajan já sinalizara recuo com um discurso dramaticamente agressivo-defensivo na penúltima reunião de negociação antes da plenária final. Ela reafirmou o quanto a Índia sofria consequências do aquecimento global e falou dos netos. É uma líder política bem articulada e eloquente, preocupada primordialmente com seu público interno. Seu discurso foi entusiasticamente aplaudido, sobretudo pelos diplomatas brasileiros – uma forma de pegá-la pela vaidade e torná-la grata e mais sensível aos nossos apelos –, mas quem atentasse para as entrelinhas já percebia uma sinalização de que, no final das contas, a Índia iria aceitar esse novo paradigma que começa a ser estabelecido em paralelo ao segundo período de vigência do Protocolo de Kyoto. Aqui percebemos o peso do fator humano nessas negociações. A Índia, através dessa ambiciosa e vaidosíssima ministra do meio-ambiente, precisou, por um lado, ser seduzida e por outro pressionada: levou cacete em muitas matérias no tom daquela minha de Pequim e num anúncio de página inteira no Financial Times relacionando a Índia aos outros vilões escalados pelas ONGs ambientalistas: EUA, Canadá e Japão. Já a muito profissional equipe chinesa, que na reunião do Basic estava mais próxima da Índia que do Brasil e África do Sul, transitou suavemente para a posição de aceitar definir em 2015 metas obrigatórias. Ao contrário do que aconteceu em Copenhagen, para a China, só elogios.
Relendo o que escrevi em Pequim e aqui, ao chegar, vejo que acertei na minha previsão do que seria o resultado da COP 17 de Durban. Venho sendo um crítico, nos últimos anos,do sistema ONU como carente de eficácia para chegar naquele mínimo que a ciência aponta como indispensável para manter a concentração de GEE em 450ppm e limitar o aquecimento a 2 graus. Por outro lado, reconheço que existe uma certa beleza nesse labirinto onde todos os países do mundo dialogam, interagem e se influenciam mutuamente numa frenética sucessão de encontros de geometria variável. É um processo indispensável embora eu continue defensor convicto de que é preciso criar um G-Clima: uma organização informal do tipo que são o Basic, o Aosis (ilhas ameaçadas) ou o G-77, juntando os principais países emissores e os países mais vulneráveis, para preparar, tancredisticamente falando, (a boa reunião é aquela em que tudo foi previamente acertado) as COP. Esse G-Clima, na minha opinião, deveria ser formado por Brasil, China, Índia, África do Sul (Basic), Alemanha, França e Reino Unido (UE), EUA, Canadá, Rússia, Austrália e Japão (Umbrella Group), Arábia Saudita (Liga Árabe), Granada, Tuvulu e Maldives (Aosis). Listei um mínimo de 17 países e penso que podem entrar alguns mais para um número aproximado de 20. Isso facilitaria e muito o processo da ONU, notadamente a COP 18, em dezembro de 2012, que será no Qatar, salvo engano, o país de maior emissão de GEE per capita…
Penso que a COP17 de Durban será lembrada como uma reunião que começou com aquelas muito baixas expectativas de que consagraria, quando muito, um Kyotinho e terminou com mais que isso: os primeiros passos para um novo paradigma, para além de Kyoto, onde todos passam a ter obrigações legais de cortar suas emissões. Isso será suficiente e chegará a tempo antes que os efeitos exponenciais do aquecimento global tornem inócuas essas reduções e condenem as gerações futuras ao inferno na terra? Essa é a pergunta que não vai calar e que precisa ser feita a todo momento.
Ainda não tive oportunidade para examinar como ficou a parte referente ao Fundo Verde do Clima. Aparentemente houve pequenos avanços incrementais. Voltarei ao assunto, bem como, ao REDD+ de florestas que interessa diretamente ao Brasil.
(Durban,10/12, 20h) Colocado no princípio de metas legalmente obrigatórias: No documento da negociação referente à Convenção do Clima, o draft, está prevista a adoção até 2015 de um “Protocolo, instrumento legal ou resultado legal” que passaria a ser implementado a partir de 2020. Em idioma onusiano, isso atende à exigência de obrigações legalmente vinculantes (legally binding) para todos os países.
Publicidade(Durban, 10/12, 19,20h) Kyotinho toma forma: Acaba de sair o draft consensual do segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto. Prevê um leque de redução até 2020 de 25% a 40% sobre o ano base 1990, cuja definição precisa sairia até 2015, levando em conta o relatório do IPCC. Há uma revisão de metas nacionais do Anexo I. Aparentemente, a Austrália e Nova Zelandia ainda não definiram sua participação – remetem-na a um processo de consulta interna –, embora tenham apoiado a decisão do segundo período ao contrário de Japão, Rússia e Canadá, que estão fora. O avanço em relação a ontem, no que tange ao Kyotinho, foi a abertura do leque até 40%, que pode resultar numa meta mais ambiciosa definida até 2015.
(Durban, 10/12, 10,45h) A COP 17 terminou, mas não acabou. Aqui estamos no day after, esperando ainda que dos vários comitês ad hoc surjam o textos finais para serem levados à plenária para que se possa bater o martelo. Ontem, último dia oficial da Conferência, rolou o psicodrama. O texto costurado entre o Basic, a UE e os EUA, baseado no denominador comum mínimo – leia-se Índia, EUA e China – foi alvo de uma catarse de críticas das ilhas Granada, Maldives, Tuvulu, Barbados – ameaçadas de desaparecer — e de alguns países do G77. Foi um momento curioso, pois representou um extravasamento da sociedade civil planetária que acabou se expressando via ilhas ameaçadas. Todo mundo caiu de pau em cima até, acredite se quiser … a Arábia Saudita! Todos viraram cidadãos do mundo por breves instantes.
Para os mais experientes, foi algo já coreografado, espontâneo mas previsível. Poucas horas antes o indefectível Greenpeace havia feito uma manifestação no corredor junto à grande plenária. A presidente Maitê Mashabane encarregou uma comissão ad hoc de preparar um texto “mais ambicioso” e teremos provavelmente um Kyotinho menos exíguo. A intenção é amarrar melhor as obrigações dos países remanescentes do Anexo I (não se sabe ainda se a Austrália fica dentro ou fora) definindo metas de redução não apenas percentuais mais em toneladas de equivalente CO2. Aparentemente haverá uma menção de metas mais ambiciosas para todos em sintonia com o relatório do IPCC que começará a ser elaborado em 2013 e ficará pronto em 2015. Também deverá explicitar melhor o que será negociado até 2015, para implementação até 2020, um novo “instrumento legal” ou seja legally binding (legalmente vinculante) para todos. Esse é o aporte maior da COP 17.
Nisso voltamos ao copo cheio pela metade ou vazio pela metade. O sistema ONU continua a produzir decisões a anos-luz do mínimo necessário para atender o que a ciência define necessário para manter a concentração de GEE na atmosfera em 450 ppm e, consequentemente, ter uma chance de limitar o aquecimento médio do planeta abaixo de 2 graus, esse século. Por outro lado, não deixa de ser admirável conseguir amarrar todos esses 193 países díspares para um esforço em comum e consolidar aquilo que já é, de longe, a maior organização supranacional do planeta: o sistema criado em torno da Convenção do Clima aprovada na Rio 92. Esse labirinto cheio de siglas bizarras e impronunciáveis tipo FCCC, AWGLCA, AAU, LULUCF.
Partindo de suas baixíssimas expectativas, a COP 17 parece prestes de produzir um pouco mais talvez do que os passinhos incrementais, minimalistas expressos no que já apelidamos de Kyotinho. Uma turbinada no mais lento dos antílopes que foge do mais rápido dos tigres, para usar uma imagem africana. A corrida continua…
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