Clóvis Rossi escreve uma das melhores colunas políticas de nossos jornais. Para mim, é um dos gigantes por apresentar um conhecimento agudo que não envelheceu em amargor. Neste domingo (31 de maio), tratou de um ponto essencial: novos atores políticos e novos movimentos sociais no Brasil relutam em entrar na vida partidária para não “sujarem as mãos” e, desse jeito, não mudarão o modo de fazer política.
Repito: esse é um ponto essencial que marca minha geração de sujeitos políticos e para o qual ainda não conseguimos dar uma resposta com potência e força suficientes. Mas ouso abrir uma conversa contigo, Clóvis, e, em tempos de “reforma política”, refletir sobre outros fatores que têm interferido em nossa capacidade de poder.
Em uma breve comparação com a Espanha, quero apontar 4 dificuldades que as regras políticas brasileiras nos colocam. São eles: criar partidos; disputar eleição; ter relevância política; e ocupar o Executivo. Uma quinta, não menos importante, deixo para o próximo artigo: financiar a ação partidária.
Assim como Clóvis provocou reflexões em jovens como eu e nos fez repetir intimamente a pergunta “será que não podemos e que, afinal, só assim poderemos?”, pretendo contribuir para uma segunda pergunta: Como podemos aqui? Quais desafios teremos de resolver?
Criar partidos e disputar eleição; na Espanha, basta três pessoas se juntarem e poderão criar um partido. O partido poderá atuar e ter personalidade jurídica sem precisar coletar nenhuma assinatura adicional. Na hora da eleição, poderá escolher se quer concorrer em nível “municipal”, “estadual” ou “nacional” e, aí sim, precisará de um mínimo de assinaturas para poderem ter candidatos. Geralmente é necessário 1% dos eleitores.
No Brasil, os partidos só podem ter caráter nacional, ou seja, não dá para criar um partido para disputar apenas em uma cidade ou estado. Em vez de três em qualquer local, aqui precisamos de pelo menos 101 eleitores, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos estados do país. E, para poder concorrer, precisa recolher meio por cento (0,5%) dos votos válidos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, que deverão estar distribuídos em pelo menos nove estados, sendo que deverá ser observado, no mínimo, um décimo por cento (0,1%) do eleitorado que tenha votado em cada um deles. Aqui, os partidos precisam conseguir tudo isso e serem reconhecidos um ano antes da eleição. Em resumo: Só podemos criar partidos nacionais, não locais, e essa articulação precisa ser realizada e concluída com grande antecedência.
Ter relevância política e ocupar o Executivo; na Espanha, a votação para o executivo é indireta. Por exemplo, no município: os cidadãos devem votar nas listas de políticos candidatos a vereador apresentadas pelos partidos. Após a atribuição dos cargos, os vereadores decidem qual deles será o prefeito da cidade. Ou seja, as alianças feitas entre os partidos depois das eleições são fundamentais, pois geralmente nenhum partido consegue sozinho a maioria das cadeiras, e precisa negociar com os outros. Assim, um partido não precisa ser majoritário para ocupar o Executivo e não precisa ter bancada tão expressiva para influenciar a escolha do governo, dependendo da composição das bancadas.
PublicidadeAqui, como sabemos, o Executivo é sempre escolhido pela regra da maioria. Ou seja, as alianças pré-eleitorais são importantes (pelo tempo de televisão, principalmente) e o partido ou coligação precisará ter um resultado majoritário ou extremamente expressivo (nas pequenas cidades que não têm segundo turno) para conseguir ocupar o Executivo e serem relevantes. Em resumo, só podemos ocupar o Executivo com centralidade se ganharmos uma eleição majoritária, e só teremos relevância na sua composição se tivermos um resultado eleitoral expressivo que signifique uma base parlamentar robusta (7 a 10% das cadeiras, algo difícil para o sistema de “30 partidos” brasileiro).
Como poderemos? Não sei a resposta. Mas só poderemos se articularmos nacionalmente, e só ocuparemos o Executivo se tivermos força majoritária ou ampla representação parlamentar. A necessidade de nascer imperial e vencedor tem sufocado inovações políticas.
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